domingo, 23 de maio de 2004

Atentados ambientais: a destruição da mata da Bicha


         Há algum tempo que a imprensa local anunciava um “namoro” entre a Câmara Municipal de Ovar e um projecto turístico que pretendia destruir uma área significativa da mata litoral a norte do Furadouro, para construção de um centro hípico. Acreditei tratar-se de uma ideia do tipo «estrela cadente», que ora surgia com grande pompa ora desapareceria no vazio da sua inconsistência. 
          No entanto, assim não seria. O facto da Câmara de Ovar ter aprovado já o início da elaboração do Plano de Pormenor que vai regular a construção desse empreendimento faz-me deixar o espaço da incredulidade e cair na realidade desta terra que parece condenada a dar exemplos consecutivos do que é desbaratar os seus recursos naturais.
       Porque será que os governantes locais teimam em descurar o ordenamento territorial da Ria, da costa e agora da mata? Têm de existir razões muito fortes para este posicionamento na sua forma de agir sempre em nome do «turismo de qualidade» e da «oportunidade única». Qualidade de quê? Única para quem?
          
          O anunciado mega-empreendimento consistirá, então, num complexo turístico formado por diversos equipamentos de lazer, uma unidade hoteleira, centro comercial, um número grande de lotes para moradias, campos desportivos e um centro hípico de grande nível internacional. Até aqui, tudo bem. Nada tenho contra o tipo de projecto turístico em causa. Nem tão pouco, ao contrário de alguns, contra os factos de ser um projecto privado e de grande envergadura. Bem pelo contrário, tais atributos poderão contribuir para o seu sucesso e constituir uma mais-valia para o desenvolvimento económico do concelho. Aquilo que me parece efectivamente muito mal, no mínimo por quatro razões, é o local escolhido para a sua localização.
           
            A primeira razão é que não há projecto turístico algum, seja ele de que natureza ou dimensão for, que justifique a destruição de quaisquer recursos naturais, como a mata da Bicha neste caso concreto.
            A segunda razão prende-se com o facto desta mesma mata constituir um ecossistema de grande sensibilidade e importância como elemento estabilizador da zona costeira e por conseguinte ser neste momento desaconselhada toda e qualquer desafectação da mesma.
            A terceira razão tem a ver com o facto de no concelho de Ovar existirem por certo outras parcelas de território, menos nobres em termos da sua importância natural, onde um projecto deste tipo não implicaria impactos negativos em termos ambientais. 
            Finalmente e não menos significativo é que este projecto abrirá um precedente no processo de desafectação de terrenos da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional, para todo e qualquer projecto futuro que se pense realizar nesta mata ou noutras áreas protegidas do concelho.
           
            Sobre este projecto, referi logo de início terem de existir razões muito fortes por parte da autarquia para entrar como parceira num projecto com estas características. Quero acreditar que tais razões estarão relacionadas meramente com uma questão de princípios. E porque disso se poderá tratar quero exprimir o meu.
            Bom seria que, em vez de se destruírem as árvores da mata da Bicha para no seu lugar caber um empreendimento imobiliário, se deveria antes valorizar os baldios do concelho construindo primeiro todos os imóveis do projecto e arborizando à vontade, posteriormente, todo o espaço envolvente.
             Poderíamos, assim, assistir de facto ao nascimento de um projecto de qualidade. Porque valorizador de espaços sem valor.
Poderíamos, assim, assistir de facto a um projecto de nível internacional. Internacional, na medida em que seguiria os moldes de um desejado desenvolvimento sustentável não agressivo para com o ambiente, ao contrário de um modelo tipo «amazónico» ou «indonésio», terrivelmente destrutivos, mas nem por isso menos internacionais.
             Aguarde-se, entretanto, pelas conclusões do Estudo de Impacto Ambiental que sobre este projecto terá que ser feito.

(Artigo publicado a 03.06.04 no Jornal de Ovar)