quinta-feira, 20 de janeiro de 2005

Dia Mundial das Zonas Húmidas


Celebra-se no dia 2 de Fevereiro o Dia Mundial das Zonas Húmidas. Esta data, se para outra coisa não servir, pelo menos será uma oportunidade de relembrar aos governos de todo o mundo a necessidade de preservação do que resta, após séculos de destruição e incúria generalizadas, destes ecossistemas tão importantes para a manutenção da Vida Selvagem e para a própria sobrevivência do Homem.

De facto, as Zonas Húmidas constituem habitats muito importantes do ponto de vista biológico e ecológico revelando-se de grande significado internacional para um elevado número de animais e plantas. Ao mesmo tempo que funcionam como reservatórios de água doce (água potável, para regadio e para produção de energia), como fontes de alimentação humana (peixe e marisco) e como espaços de lazer, algumas Zonas Húmidas possuem espécies endémicas enquanto outras albergam espécies raras ou em perigo de extinção.

As Zonas Húmidas constituem, efectivamente, um dos ecossistemas terrestres mais produtivos (uma produtividade primária que expressa em g/m2/ano é muito superior à dos terrenos agrícolas e dos terrenos florestais) onde coexistem cadeias alimentares muito diversificadas.


O impacto humano

Os recursos hídricos disponíveis nestas zonas fomentaram ao longo dos tempos a fixação humana em torno das mesmas e o desenvolvimento de actividades económicas, turísticas e industriais com as suas consequências inevitáveis de pressão e poluição.

É nestas zonas que o homem produz sal, cultiva o arroz, faz aquacultura, cria gado bovino e cavalar e também pode recorrer de variadas plantas para fertilizar os solos, fazer a cama do gado ou cobrir os seus abrigos.

É nestas zonas que o homem se entretém caçando, praticando desportos náuticos motorizados ou construindo campos de golfe e marinas, quase sempre em rota de colisão com a conservação da natureza e a qualidade ambiental.

Mas é também aqui que, mediante um processo de contradição evidente, o homem acaba por negar a estas zonas o seu sentido e a importância de que se revestem. Ao transformá-las em lixeiras, depósitos de entulhos e de sucatas. Ao lançar sobre elas todo o tipo de efluentes urbanos e industriais. Ao utilizar doses excessivas de pesticidas, insecticidas e herbicidas. Indo ao extremo de realizar a destruição total das mesmas com o seu enxugo, drenagem e terraplanagem.


A importância para a avifauna

Todas as Zonas Húmidas representam zonas de reprodução e ‘nursery’ para as espécies subaquáticas, bem como, etapas importantíssimas nas migrações das aves aquáticas, nomeadamente de patos, gansos e limícolas. Na verdade, durante estes fluxos migratórios uma determinada zona pode constituir território de nidificação para determinadas espécies da avifauna selvagem ao mesmo tempo que para outras espécies pode constituir áreas de invernada ou apenas locais de repouso e/ou de alimentação.

Por estes factos, as várias Zonas Húmidas que se posicionam ao longo de um corredor de migração deveriam estar estritamente protegidas para que o papel desse mesmo corredor fosse garantido.

Quer sejam pequenas Zonas Húmidas (pauís, lagoas,....) localizadas no interior dos países, quer sejam zonas de grande superfície (albufeiras, troços internacionais de rios,....) abrangendo um território pertença de mais do que um estado, as Zonas Húmidas devem ser protegidas ao abrigo de medidas de carácter nacional e/ou de directivas estabelecidas mediante acordos internacionais.

Deve ser assegurada, assim, em todo o mundo a preservação de um conjunto de Zonas Húmidas representativas e reveladoras de grande interesse natural. Relativamente a estas zonas os respectivos Estados deverão demonstrar um particular envolvimento no sentido da conservação das mesmas.


O esforço proteccionista 

A protecção internacional das Zonas Húmidas começou por dizer respeito sobretudo à protecção das aves selvagens. Neste sentido foram assinadas, no México em 1936 entre este país e os Estados Unidos a Convenção para a Protecção das Aves Migradoras e em Paris em 1950 a Convenção Internacional para a Protecção das Aves. Em ambas haviam já recomendações que apelava à constituição de ‘Reservas’.

Os primeiros inventários de Zonas Húmidas consideradas de grande importância foram efectuados no âmbito do Programa Biológico Internacional (PBI) em cooperação com a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos seus Recursos (UICN) e o Bureau International de Recherche pour la Sauvagine (BIRS). Os objectivos do PBI, aquando da sua extinção, foram retomados em 1970 pelo Programa “Homem e Biosfera” da UNESCO. O projecto 8 deste programa previa a constituição de uma rede internacional de áreas protegidas (as denominadas «Reservas da Biosfera») destinadas a assegurar a protecção de parcelas representativas de todos os tipos de ecossistemas existentes bem como do seu material genético.

Em 1971, foi assinada em Ramsar, no Irão, a Convenção sobre Conservação de Zonas Húmidas de Importância Internacional especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, pela qual cada um dos países signatários se comprometia a definir pelo menos uma Zona Húmida no respectivo território, a qual passaria a integrar uma lista internacional de Zonas Húmidas.

Em 1976 o Conselho da Europa teve a iniciativa de estabelecer uma rede internacional de ‘Reservas Biogenéticas’, a definir por cada país, com o objectivo de garantir a conservação da diversidade genética, a representatividade dos diferentes tipos de habitat, de biocenoses e de ecossistemas.

Em 1979 seriam assinadas duas Convenções e promulgada uma Directiva Comunitária, todas elas importantíssimas para a conservação das espécies e dos habitats.

A Directiva sobre Conservação das Aves Selvagens teve como metas a protecção, gestão e controlo deste grupo de aves. É esta Directiva que estabelece a criação das ZPE (Zonas de Protecção Especial) como forma de assegurar a conservação de um determinado conjunto de espécies da avifauna.

Sobre as Convenções, uma seria assinada em Bona, a Convenção sobre Conservação de Espécies Migradoras pertencentes à Fauna Selvagem, com a finalidade de proteger as espécies migradoras de aves, mamíferos, peixes e invertebrados e consequentemente todos os locais por eles usados durante as migrações. A outra assinada em Berna, Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, com a finalidade de garantir a manutenção da flora e fauna selvagens e de modo muito particular as espécies ameaçadas de extinção, vulneráveis e migradoras.

Em 1985 o Projecto Biótopos do Programa CORINE surge com o objectivo de fazer a recolha de informação sobre o estado do ambiente e dos recursos naturais dentro da Comunidade Europeia de forma a articular as questões ambientais nas diferentes políticas comunitárias, tendo para o efeito estabelecido uma lista de Sítios tomados como pontos de inventário.

Em 1989 surge o projecto de inventariação das Áreas com Interesse para a Conservação das Aves na Europa (IBA), que embora sem carácter de imposição legal servia para se proceder à comparação do valor natural de diferentes áreas com base no seu património ornitológico.

Em 1992 é estabelecida a Directiva sobre Conservação dos Habitats Naturais e Semi-Naturais e da fauna e da Flora Selvagens, articulando as disposições contidas anteriormente nas Convenções de Ramsar, Bona e Berna, como forma de garantir a biodiversidade na Comunidade Europeia. Esta Directiva pretendeu estabelecer uma rede europeia de áreas protegidas ligadas entre si por corredores ecológicos – Rede Natura 2000. 


Qual o futuro das Zonas Húmidas? 

O relato que se acabou de fazer sobre as políticas internacionais para conservar as Zonas Húmidas e seus valores patrimoniais poderá indicar à partida ter havido uma grande amálgama de estratégias em todo o processo. Parece, de facto, existir uma falta de lógica na existência de diferentes redes de áreas protegidas, paralelas e independentes.

É fundamental que os diferentes instrumentos de gestão de espécies e habitats se encontrem harmonizados entre si e que as resoluções e Directivas europeias encontrem uma maior eficiência por uma articulação com os estados não europeus mas cujos territórios se encontram nas rotas de migração das populações de aves selvagens. Sem atitudes de cooperação internacional todas as medidas implementadas em território europeu serão infrutíferas.

O ritmo muito rápido a que se dá a degradação das Zonas Húmidas em todo o mundo (o território ocupado actualmente por zonas húmidas equivale a cerca de 2% da superfície terrestre) coloca a conservação e recuperação das mesmas como tarefa prioritária nas políticas de conservação da natureza. Terá que haver a consciência de que a utilização de qualquer Zona Húmida não poderá ter outros fins que não aqueles que passam estritamente pelas suas funções naturais.

Apenas com cerca de 5% do território nacional classificado com o débil estatuto de Áreas Importantes para as Aves (IBA) e desta superfície apenas somente 40% gozarem do estatuto de Zonas de Protecção Especial (ZPE), Portugal tem um longo caminho pela frente no que respeita à recuperação, valorização e conservação das suas Zonas Húmidas (Quadro I).


      Quadro I – Zonas Húmidas litorais portuguesas 


Zona Húmida
Distrito
Vale do rio Minho e estuário do rio Coura
Viana do Castelo
Ribeira de S. Simão
Viana do Castelo
Barrinha de Esmoriz
Aveiro
Ria de Aveiro
Aveiro
Pateira de S. Jacinto
Aveiro
Pateira de Fermentelos
Aveiro
Pateira de Frossos
Aveiro
Lagoa de Mira
Coimbra
Lagoa da Barrinha
Coimbra
Lagoa das Três Braças
Coimbra
Lagoa da Salgueira
Coimbra
Lagoa dos Teixoeiros
Coimbra
Paúl de Arzila
Coimbra
Paúl de Madriz
Coimbra
Paúl do Taipal
Coimbra
Lagoa da Ervedeira
Leiria
Lagoa de Óbidos
Leiria
Paúl da Tornada
Leiria
Estuário do rio Tejo
Santarém, Lisboa e Setúbal
Lagoa de Albufeira
Setúbal
Estuário do rio Sado
Setúbal
Açude da Murta
Setúbal
Lagoa da Sancha
Setúbal
Lagoa de Santo André
Setúbal
Lagoa de Melides
Setúbal
Foz do rio Mira
Beja
Paúl de Budens
Faro
Ria de Alvor
Faro
Rio Arade/Leixão da Gaivota
Faro
Ria Formosa
Faro
Castro Marim
Faro







































(Artigo publicado a 10/02/05 e 17/02/05 no Jornal de Ovar)