sábado, 25 de junho de 2005

Barrinha de Esmoriz: um caso de bungee jumping e de teatro de praia


          Um novo, previsível, decisivo e temeroso episódio ocorreu sobre a Barrinha de Esmoriz. A demissão do Director (gestor, presidente ou coordenador, como também é frequentemente referido na comunicação social) do Grupo de Estudos e Planeamento da Barrinha.

           Novo, porque há muito que a Barrinha não exalava outra coisa que não o nauseabundo cheiro das suas águas, cada vez mais altas e próximas do mar. Sim, porque quanto às obras para recuperação do dique, essas haviam parado no tempo e nunca mais tiveram “gás” para andar e quanto ao resto (despoluição e valorização ambiental da Zona Húmida) haverão de passar muitas luas, por certo, até que as mesmas sejam factos consumados.
           Previsível, porque nestes últimos tempos estava em causa um cargo de desconfiança política. Mas previsível desde muito cedo, também, porque quando se insiste em desmentir uma triste realidade, visível aos olhos de todos os que por lá passavam, sem a humildade de perceber as limitações de um projecto e a necessidade constante de atenção, dedicação e eventual reformulação das estratégias inicialmente desenhadas no papel, incorre-se no risco de entrar num beco cuja única saída dá para o precipício. Então, a queda é inevitável (embora os muitos casos conhecidos demonstrem haver uma baixa probabilidade de fatalismo sempre que se trata da prática de bungee jumping)!

            Decisivo, porque quem vem a seguir tem à partida que «fechar a porta». Revela-se, assim, uma óptima ocasião para uma reflexão profunda sobre esta «nau», como lhe chamei há alguns meses atrás nesta mesma coluna, de forma a não se voltarem a repetir, distraidamente, os mesmos erros. Decisivo, porque embora o controlo das águas da Barrinha seja apenas uma parte do processo, é uma parte importante para toda uma região, para todo um concelho.
             Temeroso, porque foi alegado em justificação desta demissão «a existência de conflitos de interesses entre as funções então desempenhadas e uma candidatura à Câmara Municipal de Ovar». Perante os factos e os argumentos conhecidos, nomeadamente pela promessa de mudar a sério, é inevitável a sensação de grande apreensão ao pensar em alguém que não tendo sido capaz de gerir de forma convincente menos de 200 hectares de território (área aproximada da Barrinha de Esmoriz) se propõe vir a ficar num futuro muito próximo responsável pela gestão dos 15 000 hectares correspondentes a todo o concelho de Ovar*.

             Mas, se a estrutura de Gestão da Barrinha não conseguiu cumprir eficazmente os objectivos a que se propôs, continuando a afirmar “de que tudo vai bem”, quando tudo afinal continua muito mal, a Câmara Municipal de Ovar que recentemente veio a terreiro lançar também (e bem) o seu grito de Ipiranga perante o estado caótico daquela lagoa, acabou por demonstrar no passado dia 23, em Esmoriz, uma total contradição entre as posições então proferidas contra a existência de uma Bandeira Azul naquela praia e o próprio acto a que aderiu de seguida relativo ao hastear da referida bandeira.
             Custa a crer que se tenha tratado de mera distracção ou de uma opção feita em nome do comércio local. Custa a crer que não tenha havido um bocadinho mais de coragem para não se pactuar, afinal, com aquilo que se acabava de criticar. Efectivamente, a Câmara Municipal de Ovar não devia ter acenado entusiasticamente, como no passado recente foi sempre seu timbre, ao teatro do hastear da Bandeira Azul em praias sem qualidade ambiental. Sobretudo porque está em causa o hastear de bandeiras justificadas apenas com resultados de análises de água do mar colhida antes da abertura da Barrinha ao mar.

             A Bandeira Azul deve ser suficientemente séria para não mentir a todos aqueles que chegam até estas praias desconhecendo a realidade aqui existente. Porque as águas e as areias destas praias estão hoje seguramente contaminadas com químicos e microrganismos patogénicos, constituindo um grande perigo para a saúde pública, teria sido necessário, antes das palmas e das fotografias, haver a garantia de que as ditas praias apresentavam a qualidade mínima desejável.
            Perante tais factos, que incluem também a falta de um aviso no local sobre a perigosidade do meio ambiente balnear, fica a sugestão para que, a Câmara Municipal de Ovar rapidamente realize a cerimónia do arrear das ditas bandeiras, até que os resultados de novas análises à água e à areia dissipem todas as dúvidas. Este acto constituiria uma forma não só de proteger a saúde pública local, mas também, seria uma iniciativa coerente e de chamada de atenção para os organismos competentes, para uma maior seriedade na atribuição deste tipo de galardão. Caso contrário, a autarquia será co-responsável, porque conivente, com este acto de superficialismo perigoso defendido por aqueles que vivem para esta forma de fazer “teatro de praia”. Acresce ainda que uma tal postura de mudança seria um bom augúrio para, efectivamente, se começar a fazer melhor.



* É bom recordar que o concelho, só do ponto de vista ambiental, tem além da Barrinha de Esmoriz, uma costa bastante erodida, matas e zonas de lazer florestadas a precisarem de atenção constante e de serem preservadas, rios descuidados e poluídos que deveriam ter peixe como outrora, um braço de Ria transformada num pântano, onde as embarcações têm dificuldade em navegar e sem qualquer aproveitamento turístico-ambiental, um comércio sinistro feito por exploradores ilegais de areias sobre um património que não é deles, etc, etc, etc.

(Artigo publicado a 07.07.05 no Jornal de Ovar)