quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

A propósito do Dia Mundial das Zonas Húmidas: Brincando aos castelinhos de areia (2.º Acto)


          No passado dia 2 de Fevereiro celebrou-se em todo o mundo mais um dia especialmente dedicado à protecção das Zonas Húmidas. Entendem-se por Zonas Húmidas todos os biótopos onde a água e a terra se ligam de forma muito particular proporcionando zonas de altíssima produtividade orgânica e por conseguinte zonas de enorme valor para o homem. Rios, ribeiros, sapais, rias, estuários, lagoas,....., enfim, toda e qualquer mancha de água rodeada de vegetação ripícola, a transbordar de vida animal constituem, então, a figura principal deste dia mundialmente consagrado.
            Três décadas passadas sobre a entrada em vigor da Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional para as Aves Aquáticas, mais conhecida por Convenção de Ramsar, Portugal, que ratificou cinco anos depois esta mesma convenção, ainda só conseguiu identificar (e classificar) 12 sítios, dos quais apenas um possui elaborado o respectivo Plano de Ordenamento.
            Três décadas passadas, as Zonas Húmidas portuguesas continuam, contudo, a ser tragicamente maltratadas por diferentes factores, entre os quais, sobressaem a poluição industrial e urbana, a construção imobiliária desregrada, a agricultura abusiva dos solos, o abandono do salgado, o turismo insustentável e os excessos de uma actividade monstruosa (o abate indiscriminado e ilegal de espécies protegidas) a que alguns chamam estupidamente actividade cinegética.
            Três décadas passaram e as Zonas Húmidas portuguesas têm contado, anualmente aquando da comemoração desta data (e acredito que continuarão a contar no futuro), com os tradicionais comunicados das grandes associações ecologistas portuguesas! Eu, por mim, prefiro comemorar este dia com o relato dos acontecimentos que desde o passado dia sete têm deixado mais uma vez perplexos todos aqueles que passam pela praia de Esmoriz junto à Barrinha, um local abandonado desde há muitos anos.

            Há cerca de um ano nesta mesma coluna escrevia com o título em epígrafe, acerca de uma brincadeira que estava a ser levada a cabo na Barrinha de Esmoriz. Pretendia-se naquela altura transformar em ‘projecto de engenharia do século’ uma obra da qual restam actualmente apenas vestígios, espalhados pelo areal da praia e pelo leito e margens da lagoa, tal foi a resposta dada pelo oceano.          O tal dique fusível sucumbia, assim, perante a fragilidade da sua própria concepção, não sem antes ao erário público terem sido subtraídos 150 000 euros!
             Acontece, agora, que no mesmo areal onde outrora se ‘enterrou’ tanto dinheiro para a construção do dito dique, se assiste hoje, por um lado, ao desmantelamento do que resta dessa obra (que mais parecia afinal uma bandeira do partido que então governava) e por outro lado, ao despertar do que parece ser uma nova bandeira partidária: o enterramento de centenas de sacos (feitos de uma tela, à partida não biodegradável!), cheios com a areia escavada da própria praia em redor.
             A praia apresenta junto à Barrinha um aspecto desolador, com o areal completamente remexido, nalguns locais com enormes crateras, noutros pelo contrário com enormes castelos de areia, uma pilha esteticamente incómoda de enormes sacos brancos que irão formar uma barreira ainda maior, rectro-escavadoras que em vez de circularem pelo areal da praia arrastam-se sobre as dunas (!) tendo já destruído algumas por completo, trilhos destas máquinas por todo o lado, operários de uma subempreitada que dizem não saber quem realmente “manda naquilo”, falta de uma placa informativa sobre o alvará, custo e entidade responsável da obra, e.... pasmemo-nos mesmo, pois isto é de pasmar..... uma Câmara que, quando alertada para o que estava a acontecer na praia de Esmoriz fica perplexa pois desconhecia o que lá estava a ser feito! 
            Como acabei de referir, não são Ovnis, são escavadoras! Não são ETs, são funcionários de uma empresa devidamente identificada! Não estamos na Lua, estamos na Barrinha de Esmoriz! Por isso, eu como cidadão quero saber o que lá vai ser feito com o dinheiro público, que também é meu. Quero saber para que serve aquele novo projecto (se é que se pode falar de projecto!), quero saber se aquela movimentação de areias (sempre nociva para o equilíbrio das praias) tem alguma razão de ser, quero ficar a conhecer quem é o responsável ou responsáveis por mais esta iniciativa, quero que os meus autarcas “não andem a leste” do que se passa nas nossas praias, e gostava (se não for já pedir demais) que......por favor, não inventem!
            Vão aprender com quem sabe. Há de certeza quem consiga lidar com a gestão das Zonas Húmidas de uma forma ambientalmente mais agradável, mais racional, ou usando uma expressão dos miúdos do meu tempo, ... uma forma ‘mais melhor boa’!

(Artigo publicado a 16.02.06 no Jornal de Ovar)