O Inverno do calendário chegou.
As baixas temperaturas que se fizeram sentir durante os primeiros dias do novo ano mostraram que o Sol, correndo muito baixo no seu movimento virtual, não apresentou competência para aquecer convenientemente a atmosfera, o solo e os corpos.
Estes dias, em que por um lado, o astro-rei se deixou contemplar desde a manhã ao entardecer e por outro, em que as estrelas puderam brilhar a noite inteira, não demoraram muito a abalar.
De semblante carregado, o verdadeiro Inverno aproximou-se repentinamente. Com ele veio um frio mordaz, capaz de penetrar a carne e os ossos com a humidade própria desta faixa atlântica.
As massas de ar, até então de grande estatismo, começaram a evoluir para um quadro de ventos murmurantes, que rapidamente transitaram para moderados e não menos rápido ganharam o estatuto de desabridos vendavais. São estes últimos, nascidos dias atrás sobre o oceano distante, que ao chegarem a terra se encarregam de vergar como palha os troncos esguios e compridos das árvores mais altas ...
... e arrastar para cima da cidade as gaivotas, que na costa deixaram de encontrar as condições ideais para poderem aí viver.
Com toda esta turbulência atmosférica não demorou a chegada da chuva, tocada por estes fortes vendavais de sul. Intensa e repetitiva ao longo de vários dias, tudo encharcou, mandando para dentro de suas casas homens e animais.
As rajadas, que umas vezes assobiam e outras vezes roncam, dependendo dos obstáculos que encontram pela frente, não deixam os seres vivos sossegar. Garças, patos e limícolas voam por áreas imprevistas, enquanto melros, pegas e outros passeriformes de menor estatura seguem trajectórias ziguezagueantes.
Todas estas personagens parecem apresentar grandes dificuldades em controlar os seus próprios hábitos instintivos!
Na costa, o céu cinzento saturado de água e o oceano igualmente cinza e também feito dessa mesma matéria parecem fundir-se sem uma nítida fronteira entre os dois.
Dias houve, em que do areal da praia não se conseguia vislumbrar o mar apenas alguns metros à frente, tal era a neblina densa que sobre aquele se abatia.
Na cidade, a neblina que acompanha o acordar húmido das manhãs silencia a natureza.
É preciso esperar mais algum tempo para se conseguir descortinar aquilo que antes era incógnito...
... e finalmente poder-se ouvir o chilrear da passarada, especialmente o arrulhar das rolas-turcas (Streptopelia decaocto).
Na laguna as águas correm agitadas, sobretudo na vazante, quando a corrente ao encontrar os ventos rijos de sul faz levantar a mareta. A ondulação forte afasta da actividade piscatória muitos daqueles seres que exploram este meio salobre.
Nos campos e prados envolventes à laguna a terra está ensopada de água, dado já não ser capaz de a absorver em profundidade. Formam-se, assim, lameiros, sobretudo quando os ribeiros próximos extravasam as suas fronteiras habituais.
Os seres que aqui habitam são obrigados a grandes mudanças no seu padrão de vida.
O Inverno parece não dar mesmo tréguas aos seres vivos, independentemente do meio onde vivem e convivem!
(continua)