sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Inverno (II)

 




(continuação)


A ventania amainou, a chuva abalou e o frio regressou.

As noites frias tornam os amanheceres gélidos. A geada formada durante a noite confere aos solos, pela manhãzinha, um tom alvo, que não sendo intenso como o da neve, não deixa de inebriar o olhar.



Apesar da atmosfera matinal estar a temperaturas próximas dos zero graus Celsius a passarada não está calada nem quieta. Rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros) empoleirados nos frágeis ramos despidos fazem-se ouvir dali e dacolá .



As rolas-turcas (Streptopelia decaocto) não param de cantar enquanto esvoaçam de árvore em árvore, acabando por confraternizar em grupo.



As pegas-rabudas (Pica pica) cruzam o parque em diferentes direcções até encontrarem poiso. Deste, lançam de forma intermitente os seus chamamentos roucos que se ouvem mesmo a grande distância. 



O frio e a redução de alimento disponível na natureza leva estas verdadeiras rainhas dos parques citadinos a aproximarem-se das habitações onde, sempre muito desconfiadas, acabam por aproveitar alguma parcela orgânica por mais pequena que seja. 



Na costa, o mar continua muito revolto, pois o efeito da depressão perdura no tempo. A neblina densa, contudo, já desapareceu podendo-se apreciar os sucessivos trens de ondas que se abatem  sobre a praia... 



... e assistir a pescarias de verdadeiros especialistas.


Sobre a ondulação, um grupo de aves negras baloiçando-se ao sabor da mesma despertam a atenção. Tratam-se de patos-negros (Melanitta nigra) - machos, fêmeas e juvenis - entretidos em sucessivos mergulhos que lhes valem o sustento em moluscos, crustáceos, pequenos peixes e até algas.



Estes bandos, que surgem em determinados locais da costa - onde os cardumes e demais seres marinhos se concentram de forma preferencial - permanecem durante largas horas neste vertical vaivém oceânico, efectuando apenas curtos voos para mudarem de sítio quando a isso são impelidos. 



Não demora muito que sobre este mar tormentoso, onde nadam plàcidamente os patos-negros, surjam os especialistas em mergulho de profundidade. 

Voando rápido, rasando a água para melhor detectarem os cardumes de sardinha, cavala ou carapau, estas aves, que têm tanto de esbeltas quanto de aerodinâmicas, ...



... logo se elevam no ar para se deixarem cair de seguida em extraordinários mergulhos a pique, podendo atingir em mar aberto os 40 metros de profundidade; tratam-se de gansos-patolas (Morus bassanus). 


Mais próximo do areal, sobre a zona de rebentação, passam gaivotas-d'asas-escuras (Larus fuscus) prospectando desperdícios que flutuem à superfície



No areal e quando a maré começa a subir, pilritos-das-praias (Calidris alba) surgem do nada e poisam junto ao espraio da vaga para colherem larvas e pequenos vermes.




(continua)


terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Inverno

 



O Inverno do calendário chegou. 

As baixas temperaturas que se fizeram sentir durante os primeiros dias do novo ano mostraram que o Sol, correndo muito baixo no seu movimento virtual, não apresentou competência para aquecer convenientemente a atmosfera, o solo e os corpos.



Estes dias, em que por um lado, o astro-rei se deixou contemplar desde a manhã até ao entardecer e por outro, em que as estrelas puderam brilhar a noite inteira, não demoraram muito a abalar.  




De semblante carregado, o verdadeiro Inverno aproximou-se repentinamente. Com ele veio um frio mordaz, capaz de penetrar a carne e os ossos com a humidade própria desta faixa atlântica.




As massas de ar, até então de grande estatismo, começaram a evoluir para um quadro de ventos murmurantes, que rapidamente transitaram para moderados e não menos rápido ganharam o estatuto de desabridos vendavais. São estes últimos, nascidos dias atrás sobre o oceano distante, que ao chegarem a terra se encarregam de vergar como palha os troncos esguios e compridos das árvores mais altas ...



... e arrastar para cima da cidade as gaivotas, que na costa deixaram de encontrar as condições ideais para poderem aí viver.



Com toda esta turbulência atmosférica não demorou a chegada da chuva, tocada por estes fortes vendavais de sul. Intensa e repetitiva ao longo de vários dias, tudo encharcou, mandando para dentro de suas casas homens e animais.



As rajadas, que umas vezes assobiam e outras vezes roncam, dependendo dos obstáculos que encontram pela frente, não deixam os seres vivos sossegar. Garças, patos e limícolas voam por áreas imprevistas, enquanto melros, pegas e outros passeriformes de menor estatura seguem trajectórias ziguezagueantes. 



Todas estas personagens parecem apresentar grandes dificuldades em controlar os seus próprios hábitos instintivos!


Na costa, o céu cinzento saturado de água e o oceano igualmente cinza e também feito dessa mesma matéria parecem fundir-se sem uma nítida fronteira entre os dois. 



Dias houve, em que do areal da praia não se conseguia vislumbrar o mar apenas alguns metros à frente, tal era a neblina densa que sobre aquele se abatia. 



Na cidade, a neblina que acompanha o acordar húmido das manhãs silencia a natureza.



É preciso esperar mais algum tempo para se conseguir descortinar aquilo que antes era incógnito... 



... e finalmente poder-se ouvir o chilrear da passarada, especialmente o arrulhar das rolas-turcas (Streptopelia decaocto).



Na laguna as águas correm agitadas, sobretudo na vazante, quando a corrente ao encontrar os ventos rijos de sul faz levantar a mareta. A ondulação forte afasta da actividade piscatória muitos daqueles seres que exploram este meio salobre.



Nos campos e prados envolventes à laguna a terra está ensopada de água, dado já não ser capaz de a absorver em profundidade. Formam-se, assim, lameiros, sobretudo quando os ribeiros próximos extravasam as suas fronteiras habituais.

 


Os seres que aqui habitam são obrigados a grandes mudanças no seu padrão de vida.


O Inverno parece não dar mesmo tréguas aos seres vivos, independentemente do meio onde vivem e convivem!


(continua)