O tempo húmido e frio dos últimos dias irá acentuar o seu carácter com a chegada da próxima depressão. Nos campos e prados húmidos envolventes à Ria de Aveiro corre um vento fraco vindo da serra, que em breve rondará para o quadrante sul, soprando, então, bem mais forte.
A natureza, sob um céu espessamente tingido de cinza, continua vibrante, apesar do colorido dos seus seres não ter oportunidade de se revelar plenamente aos nossos olhos. Poder-se-á afirmar que, não sendo objectivamente uma natureza a preto e branco, sê-lo-á, em tons de claro e escuro.
A atmosfera da manhã carregada de humidade, é cruzada por uma diversidade de aves, de tamanhos e formas diferentes. Algumas, bem conhecidas, são residentes na região, mas outras, foram chegando desde o final do Verão e por cá permaneceram no Outono deambulando em busca de alimento e descanso. As que entretanto não seguiram viagem para sul aqui irão permanecer durante o Inverno, que se avizinha.
Independentemente das nossas coordenadas, nos terrenos que abraçam apertadamente os canais e esteiros da Ria de Aveiro estão sempre presentes um ou outro espécime da família Ardeidae (garças).
Uma das espécies mais imponentes desta família é a Garça-real (Ardea cinerea). Estando presente durante todo o ano na região, vê os seus efectivos aumentarem desde o final do Verão, com a chegada de indivíduos dispersantes provenientes não só de colónias do centro da Europa mas também de colónias nacionais.
A Garça-real é o maior exemplar da família distinguindo-se facilmente pela tonalidade cinza e pelo bico robusto de cor amarelada.
Ao contrário da Garça-real, a Garça-branca-grande (Egretta alba) é uma das espécies tipicamente invernantes na região na última década, pois durante o resto do ano não costuma ser observada por aqui. Mesmo no Inverno a espécie ocorre em números reduzidos, aparecendo quase sempre solitária. Apesar destes factos, esta ave aproxima-se frequentemente de núcleos rurais.
Distingue-se pela sua grande envergadura, plumagem de cor alva, bico amarelo e patas negras. O seu habitat de excelência são os prados húmidos onde encontra insectos e pequenos peixes.
Sem dúvida que, ao calcorrear os caminhos ruderais e aqueles outros de trilho possível entre o mar verde escuro da vegetação palustre, nos iremos encontrar frequentemente com a mais familiar espécie desta família ornitológica.
A Garça-branca-pequena (Egretta garzetta), ao contrário da espécie anterior, é comum na região, podendo ser observada ao longo de todo o ano.
Muito desconfiada e rápida a levantar voo ao mínimo sinal de perigo costuma pescar em águas baixas, inclusivamente em cursos de água citadinos.
Tal como a espécie anterior apresenta um branco puro na plumagem, mas o seu bico é negro.
Com a aproximação do Inverno os céus sobre a laguna e regiões adjacentes começam a assistir à passagem dessas grandes aves negras, de pescoço estendido e voo potente. O Corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo) observa-se, então, em grandes números, umas vezes em voo, outras vezes pousados em algum promontório, frequentemente de asas bem abertas ao vento e ao Sol, de forma a secarem as penas encharcadas após cada mergulho.
Estas aves, que começam a chegar a partir do mês de Setembro, à medida que a estação avança vão sendo cada vez mais comuns em águas interiores, como os rios que atravessam os centros urbanos.
Em determinados rincões da laguna concentram-se bandos de Maçarico-de-bico-direito (Limosa limosa), que por aqui irão invernar.
No início das chegadas destes migradores outonais é possível observar alguns indivíduos ainda com a plumagem de Verão enquanto outros já procederam à muda de Inverno.
Não passam despercebidos a um olhar atento, já que estas aves de médio porte quando em voo apresentam um padrão conspícuo, com barras alares e um largo uropígio, brancos.
Este final de Outono, de reduzido fotoperíodo, não deixa de nos brindar às vezes com entardeceres fabulosos. Fabulosos, não só pela vista sobre a linha do horizonte mas também pela áurea com que os seres se adornam!
Uma das rapinas residentes na região é o Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus). De distribuição relativamente recente na laguna aveirense, tem-se expandido rapidamente nos últimos anos por toda esta zona húmida.
É facilmente identificável, ao longe, quando pousada nalgum poste, pela tonalidade geral que apresenta, bastante clara.
Em voo, peneira frequentemente como que estivesse suspensa, deixando-se cair logo que avista uma presa. É num desses entardeceres dourados, em que os raios lhe incidem por baixo do corpo, que esta bela ave ainda mais bela se torna!
(continua)
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