Arquivo

Aqui estão reunidos alguns dos textos escritos ao longo dos anos... documentos que foram sendo responsáveis por algumas mudanças… de estratégias… de atitudes… de demissão de cargos,... a bem do Ambiente…  cumprindo-se deste modo a velha máxima, segundo a qual "água mole em pedra dura, tanto dá até que fura".
 


1997
29.01
Ria de Aveiro, poluída de calculismos políticos

       Sobre esta laguna, sua região envolvente e seus problemas, já muito se falou e muita tinta se gastou. Seminários, colóquios, artigos na imprensa, etc., têm servido para atrair a atenção de plêiades de interessados nas mensagens de um conjunto crescente de comunicadores, todos muito sabedores mas quase sempre pouco determinados nas suas recomendações, bem como, demasiadamente parcos de soluções.
       Será pela falta de projectos claros, claríssimos, destes senhores (técnicos) e pela revelada falta de sensibilidade (leia-se, conveniências políticas) dos outros senhores (do poder e das decisões) que penso não ficar por aqui a necessidade da realização de outros tantos eventos do género, de puro marketing institucional e político.

        É verdade que na Ria de Aveiro existem problemas tão graves quanto complexas serão as acções a desenvolver para a sua correcção. Mas este facto não justifica de modo algum que, uma Associação dos Municípios da Ria e uma Universidade “plantada” à beira das suas águas, onde o Ambiente e o Ordenamento até têm honras departamentais, não tenham revelado ao longo dos últimos vinte anos, um plano global de gestão e de resolução daqueles problemas, tendo pelo contrário, revelado uma nítida falta de posicionamento, como verdadeiras forças de pressão junto dos governos, no sentido da valorização desta região natural.

        Atentemos apenas, dada a natureza deste apontamento, a quatro situações concretas cuja resolução, não estando à vista, justifica a angústia traduzida nas palavras acabadas de escrever.

        Repare-se na teatral representação da peça “Vamos dragar a Ria”. Há vários anos anunciada, mas na verdade até agora ainda está por ser levada à cena. Para quando a sua estreia? Quem souber que o diga, por favor. Mas o que toda a gente bem sabe, é que a remoção dos lodos constitui uma necessidade primária para a melhoria da qualidade das suas águas, bem como, permitirá uma melhor navegabilidade nos seus principais canais.

        Repare-se nas queixas constantes de marnotos e agricultores relativas aos desmoronamentos das motas de protecção e consequente invasão dos terrenos pela força das marés. Custos, à priori já esperados, resultantes da ampliação do Porto de Aveiro, mas que deviam ter merecido a concretização atempada de um plano de recuperação e reforço de motas degradadas. Para quando esse plano? Parece estar prometido (pela Junta Autónoma do Porto de Aveiro)!

        Repare-se ainda na localização do pipe-line subaquático para transporte de cloreto de vinilo, desde o Porto de Aveiro até Estarreja, o qual após concluído e por certo devidamente vistoriado, situa-se simplesmente, a cotas de tal modo perigosas, que em determinadas zonas e na maré-baixa fica praticamente a descoberto. Restam agora os muitos cuidados, a quem por ele passar.

        Por último, repare-se também, na beleza paisagística de toda a região, bem como, nos seus valores naturais cujo status poderia e deveria ser melhorado. Bastava que para isso e tão simplesmente se substituíssem os estudos e mais estudos e mais estudos que aqui se fazem, que na verdade a nada têm levado, senão ao cumprimento da própria “ocupação” de investigar, pela tarefa de demarcar, legislar e preservar áreas, cujo valor é sobejamente conhecido desde há muito. E o Instituto de Conservação da Natureza sabe-o bem. Só que não tem demonstrado vontade para tal. Sempre que o chamam para “coisas destas”, não responde, não aparece.
        
         Doloroso, confrangedor, poluente...

 (Artigo publicado a 28.02.97 no Jornal de Ovar)

1998

1999
30.10
O MAR, AS PRAIAS DO CONCELHO E O “POOC”

     Essa enorme massa de matéria fluida que cobre 71% da superfície do nosso planeta e que constitui as águas oceânicas joga um papel crucial na regulação dos diversos processos físicos, químicos, climáticos e biológicos que decorrem à superfície da Terra.
       Mas neste jogo feito de muitas cambiantes, ora espectaculares ora assustadoras, o desejável à escala da vida humana, seria que o mesmo (jogo) tendesse para uma situação de equilíbrio, para uma situação sustentável, como está na moda dizer-se.
        Talvez a esta escala o equilíbrio não venha a ser perceptível, tal como não o foi no passado; no entanto, parece indiscutível aos olhos da maioria que será o “presente” a decidir o “futuro”, nomeadamente no que respeita à evolução e configuração do litoral.
E não digo aos olhos de todos, somente porque tal análise parece não ser consensual.
É que, mesmo quando perante os efeitos de uma tempestade ou de uma maré-viva, como a que aconteceu nos últimos dias do passado mês de Outubro, em que o mar devorou toneladas de areia às praias do concelho, escavou e fez recuar o cordão litoral em vários metros e inclusivamente veio buscar alguns bens materiais que se encontravam mal acautelados na praia, há quem teimosamente insista em avançar sobre os “domínios” do oceano.

        Não basta afirmar e acreditar que o mau estado das praias se deve ao facto do nível do mar subir em média ..... 1.5 mm/ano, devido a um conjunto de factores, entre os quais se destaca nas últimas décadas o chamado “efeito de estufa”.
      Não basta afirmar e justificar que, perante os fenómenos naturais (sísmicos e climáticos) ao homem nada é possível fazer para minorar os efeitos da erosão costeira.
         Antes, temos que ouvir e perceber que tem sido outra ordem de factores bem diferentes a governar o destino dos mares e das costas em Portugal.
         Poluição;
Exploração excessiva e descontrolada das areias das praias, dos rios e das dunas;
Retenção de grandes volumes de sedimentos nas barragens, nos molhes portuários e nos demasiados esporões existentes ao longo do litoral;
Fortes interesses na construção urbanística (mesmo que em derrocada potencial) em cima da linha da costa;
Excesso de comodismo técnico, superficialismo estratégico e falta de zelo na gestão por parte dos organismos governamentais (a todos os níveis) responsáveis;
E mais uns quantos factores intervenientes no estado de “saúde” do litoral vêm justificar a falta de consenso, a que antes aludia.

E como sempre deve acontecer numa situação de impasse, onde o consenso falta, há que arranjar um árbitro que faça cumprir regras, bem entendidas por todas as partes. Nascem assim os Planos de Ordenamento da Orla Costeira, mais familiarmente identificados como POOC’s.
Embrionários, sujeitos a naturais imperfeições propõem-se ser lidos e discutidos. Até porque a lei contempla uma Consulta Pública, no sentido de que cada cidadão possa e queira contribuir para essa discussão. Será mesmo a sério?
Bom, pelo que foi dado perceber houve quem no nosso concelho assim o entendesse e respondesse a essa solicitação de forma viva e entusiástica. Pela minha parte também o fiz esperando que estes meus “comentários” possam vir também a ser comentados.
           
         Assim, com base na informação contida nos documentos do Plano de Ordenamento da Orla Costeira “Ovar-Marinha Grande”, disponibilizados para Consulta Pública e no que respeita ao litoral concelhio, entendo referenciar alguns pontos que se me afiguram pertinentes:

1- O Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar/Marinha Grande, tal como os demais POOC’s, enferma de uma grave lacuna, a qual poderá limitar à partida a capacidade de resposta e eficácia destes planos. A exclusão que os referidos instrumentos de ordenamento fazem das áreas sob jurisdição portuária, não permite que os mesmos se debrucem sobre uma das principais causas de erosão do litoral: a actividade portuária.

     Era essencial que os POOC’s tivessem a capacidade de recomendar propostas de actuação no sentido de minimizar os graves efeitos erosivos provocados no litoral a sul dos referidos portos. De facto, a natureza e as exigências das actividades portuárias tem originado, por um lado, a acumulação sedimentar a norte destes molhes, impedindo o trânsito de sedimentos e a alimentação das praias a sul dos mesmos e por outro, as dragagens efectuadas nos canais de navegação e nas barras têm acentuado este déficit de sedimentos tão necessários às praias e às dunas desta faixa costeira.
Parece pois, absolutamente necessário e independentemente da limitação antes referida, que os POOC’s recomendem como prioridade urgente, a necessidade de uma articulação entre as Administrações Portuárias e o Ministério do Ambiente, no sentido da execução urgente de operações de “by-passing” nos portos e de recarga de praias em zonas erodidas.
Caso contrário e pese embora o facto de este POOC Ovar – Marinha Grande considerar estes pressupostos como “cenário” das suas Opções Estratégicas, os mesmos não passarão de um cenário virtual, tal como aliás parecem sugerir as medidas referentes às Intervenções do INAG para defesa do litoral.

2- O artigo 26º. do Volume I contempla como «Área Natural de Interesse Internacional a zona marinha entre a Ria de Aveiro e a Figueira da Foz».

        Sem conhecimento dos motivos que ditaram o limite norte desta zona, parece-me poder ser a mesma alargada (pelo menos até à latitude da praia de S. Pedro de Maceda), de modo a preservar-se toda uma área habitualmente procurada como pesqueiro para o arrasto costeiro.

3- O artigo 28º. do Volume I estabelece «a Barrinha de Esmoriz como Área Protegida de Interesse Local».

De acordo com os estudos disponíveis, realizados neste local, parece ser bastante maior o interesse pela protecção desta lagoa costeira, pelo que seria conveniente enquadrá-la como «Área Protegida de Interesse Nacional».
A reforçar o interesse deste estatuto encontra-se o facto de a referida lagoa ser domínio de dois municípios, o que poderá de acordo com esta proposta, ultrapassar dificuldades de co-gestão.

4- No âmbito do ponto 1, alínea b), do artigo 28º. do Volume I (Áreas Protegidas de Interesse Local) não foi considerada a faixa terrestre entre o Furadouro e S. Pedro de Maceda.

A protecção desta faixa litoral, à semelhança do que acontece com outros sectores contemplados e igualmente ameaçados, constitui uma garantia da biodiversidade ainda proporcionada pelo conjunto de biótopos disponíveis (mata/zona inter-dunar/cordão dunar/praia).

5- A inexistência no Volume II, do Plano de Praia de Esmoriz, suscita total desconhecimento quanto à localização dos acessos pedonais  a esta praia.

6- O “Resumo Não Técnico” poderia (e deveria ) ter valorizado mais os recursos marinhos ocorrentes na faixa do POOC “Ovar-Marinha Grande”, nomeadamente  no que respeita aos vertebrados de maior porte (cetáceos, répteis e aves), entre os quais são várias as espécies ( e não apenas o boto !) protegidas por lei.

Este pormenor, especialmente válido na extremidade norte da área marinha do referido POOC, justificará também o interesse manifestado no ponto 2 destes comentários.

7-          Algumas das propostas apresentadas para o Plano de Praia do Furadouro não parecem enquadrar-se no espírito de um ordenamento que deverá privilegiar o descongestionamento da faixa litoral e a minimização dos efeitos antrópicos responsáveis pela erosão. Assim:

a)      - deveria ser contida a ocupação longilitoral a norte da praia do Furadouro, mesmo que para uso exclusivamente balnear. Para o efeito devia ser suprimida a expansão proposta para Área de Apoio de Equipamentos, bem como os dois Apoios de Praia Mínimos localizados ao norte da praia.

b)      - deveria ser suprimido o acesso à praia sobre a duna, proposto para a extremidade norte da praia, impedindo o agravamento do estado de degradação actual do cordão dunar.

c)      - deveria ser promovida a recuperação dunar no topo norte da praia e construído um passadiço elevado sobre as dunas, permitindo o acesso à praia desde o parque de estacionamento interior, inflectindo para W e passando junto ao parque de estacionamento próximo da praia.


       Esperando que a Consulta gere diálogo e que do diálogo se faça outra luz.
                                                                     
 (Artigo publicado a 02.12.99 no Jornal Notícias de Ovar)

2000


2001

2002

2003
02.11
A riqueza natural dos campos do Baixo-Vouga (Ria de Aveiro)

      
       Este mês comemoram-se os vinte anos sobre a descoberta do Baixo-Vouga como refúgio de vida selvagem.
       De facto, até essa data nunca ninguém tinha posto a descoberto que muito pertinho das povoações da beira-ria, do tráfego automóvel da EN 109, das intensas fumaradas das indústrias pesadas de Estarreja e Cacia se encontrava uma tão grande variedade de espécies da fauna selvagem, habitualmente conhecidas das séries televisivas e das enciclopédias da especialidade, pelos então ainda raros, apaixonados pelo "campo". 
       Nunca ninguém, à excepção dos agricultores e caçadores obviamente, tinha tido a mínima noção de que espécies como a águia-sapeira, as garças-vermelhas, as garças-boeiras, os maçaricos e tantas outras existiam naquelas paragens em número tão razoável. Ao contrário das visões e motivações sentidas pelos caçadores, o trabalho desenrolado nos muitos anos que se seguiriam resultariam no estudo dos hábitos dessas espécies, bem como, na inventariação de algumas populações.

        A diversidade de biótopos existentes em toda a região do Baixo-Vouga (juncais, caniçais, arrozais, esteiros com sua vegetação ripícola, prados, sebes, etc.) transforma esta região num complexo ecossistema e por conseguinte num importante refúgio para a vida animal. Quer como nidificantes, quer como invernantes, quer como migradores ou mesmo como residentes, várias espécies, apesar das ameaças que constantemente se lhes colocam (abate de árvores e corte de arbustos, descargas para a laguna, excessos da caça, etc.) têm vindo a resistir estoicamente mantendo os seus níveis populacionais. Outras porém, como a garça-vermelha (Ardea purpurea) diminuíram drasticamente os seus efectivos na região depois de aqui terem mantido durante vários anos o principal núcleo populacional da Ria de Aveiro.
     
        Se a data presente é motivo de júbilo pelo facto de assinalar a descoberta daqueles valores naturais na região aveirense (conhecida àquela data pela cor negra das suas águas, pelo ar carregado de poeiras e partículas e pelos cheiros nauseabundos que fluíam em seu redor) é também motivo de grande apreensão por tudo aquilo que se devia ter feito em termos da conservação dos recursos naturais do Baixo-Vouga e não se fez. Exactamente isso, a atitude passiva, a atitude de se ter cruzado os braços, a falta de coragem de intervir a tempo, de preservar. Afinal era aquilo que era importante realmente fazer: preservar e se possível melhorar.
      Ao invés tentaram-se muitos disparates. Drenar, emparcelar, monocultivar, poluir. Por outras palavras destruir a única riqueza realmente característica do Baixo-Vouga: as práticas agrícolas associadas ao Bocage e as espécies selvagens delas dependentes. Tudo em nome de uma agricultura desnecessária, pois sem quaisquer bases de sustentação e de competitividade dentro do mercado comunitário.
      Ao invés continua-se a pensar mal para esta região. Construir uma estrada (IC 1) sobre o Baixo-Vouga é tão somente uma forma de trazer ruído, lixo, gases tóxicos e tantas outras agressões a esta bela região. Será tão somente um modo de agredir os seres que naturalmente aqui têm vivido.

      Tudo em nome de um (pseudo)desenvolvimento de algumas terras da beira-ria. Será isto justo? Será que em nome deste desenvolvimento que uns quantos apregoam se podem aniquilar para sempre um património que é de muitos mais? E se se pusesse de parte definitivamente os compromissos eleitorais assumidos a quente em tais períodos e se pensasse racionalmente sobre a melhor forma de rentabilizar o Portugal pobrezinho a que se chegou?
        Claro que as irreflectidas (assim me parece) promessas políticas da altura estão a ser seguidas por uma caprichosa e tonta vontade de as cumprir na actualidade. Esta tonteria é tanto mais grave quanto o facto de estar em causa uma ZPE ou seja um território da Comunidade com especial interesse para a conservação dos habitats e da vida natural associada aos mesmos. Ou será que em matéria de conservação não se aplicam os mesmos preciosismos que se querem cumprir noutros campos? 

2004

23.05 
Atentados ambientais: a destruição da mata da Bicha

         Há algum tempo que a imprensa local anunciava um “namoro” entre a Câmara Municipal de Ovar e um projecto turístico que pretendia destruir uma área significativa da mata litoral a norte do Furadouro, para construção de um centro hípico. Acreditei tratar-se de uma ideia do tipo «estrela cadente», que ora surgia com grande pompa ora desapareceria no vazio da sua inconsistência.
          No entanto, assim não seria. O facto da Câmara de Ovar ter aprovado já o início da elaboração do Plano de Pormenor que vai regular a construção desse empreendimento faz-me deixar o espaço da incredulidade e cair na realidade desta terra que parece condenada a dar exemplos consecutivos do que é desbaratar os seus recursos naturais.
           Porque será que os governantes locais teimam em descurar o ordenamento territorial da Ria, da costa e agora da mata? Têm de existir razões muito fortes para este posicionamento na sua forma de agir sempre em nome do «turismo de qualidade» e da «oportunidade única». Qualidade de quê? Única para quem?
          
            O anunciado mega-empreendimento consistirá, então, num complexo turístico formado por diversos equipamentos de lazer, uma unidade hoteleira, centro comercial, um número grande de lotes para moradias, campos desportivos e um centro hípico de grande nível internacional. Até aqui, tudo bem. Nada tenho contra o tipo de projecto turístico em causa. Nem tão pouco, ao contrário de alguns, contra os factos de ser um projecto privado e de grande envergadura. Bem pelo contrário, tais atributos poderão contribuir para o seu sucesso e constituir uma mais-valia para o desenvolvimento económico do concelho. Aquilo que me parece efectivamente muito mal, no mínimo por quatro razões, é o local escolhido para a sua localização.
          
            A primeira razão é que não há projecto turístico algum, seja ele de que natureza ou dimensão for, que justifique a destruição de quaisquer recursos naturais, como a mata da Bicha neste caso concreto.
            A segunda razão prende-se com o facto desta mesma mata constituir um ecossistema de grande sensibilidade e importância como elemento estabilizador da zona costeira e por conseguinte ser neste momento desaconselhada toda e qualquer desafectação da mesma.
            A terceira razão tem a ver com o facto de no concelho de Ovar existirem por certo outras parcelas de território, menos nobres em termos da sua importância natural, onde um projecto deste tipo não implicaria impactos negativos em termos ambientais. 
            Finalmente e não menos significativo é que este projecto abrirá um precedente no processo de desafectação de terrenos da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional, para todo e qualquer projecto futuro que se pense realizar nesta mata ou noutras áreas protegidas do concelho.
           
            Sobre este projecto, referi logo de início terem de existir razões muito fortes por parte da autarquia para entrar como parceira num projecto com estas características. Quero acreditar que tais razões estarão relacionadas meramente com uma questão de princípios. E porque disso se poderá tratar quero exprimir o meu.
            Bom seria que, em vez de se destruírem as árvores da mata da Bicha para no seu lugar caber um empreendimento imobiliário, se deveria antes valorizar os baldios do concelho construindo primeiro todos os imóveis do projecto e arborizando à vontade, posteriormente, todo o espaço envolvente.
             Poderíamos, assim, assistir de facto ao nascimento de um projecto de qualidade. Porque valorizador de espaços sem valor.
Poderíamos, assim, assistir de facto a um projecto de nível internacional. Internacional, na medida em que seguiria os moldes de um desejado desenvolvimento sustentável não agressivo para com o ambiente, ao contrário de um modelo tipo «amazónico» ou «indonésio», terrivelmente destrutivos, mas nem por isso menos internacionais.
             Aguarde-se, entretanto, pelas conclusões do Estudo de Impacto Ambiental que sobre este projecto terá que ser feito.

(Artigo publicado a 03.06.04 no Jornal de Ovar)



01.08
A REN, a RAN e o Sr. Professor!

             Sem Pudor é uma expressão que se poderá usar para traduzir o processo da negação da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN) desde o aparecimento das mesmas há mais de duas décadas. Sem Paixão é outra expressão que se poderá usar para traduzir o visível desprezo pela valorização da terra portuguesa e dos seus recursos naturais que a REN e a RAN sempre proclamaram. Sem Ponderação é mais uma expressão que poderá traduzir bem, a falta de análise crítica, aberta também a uma participação nacional colectiva não institucional mas profundamente sensível e conhecedora dos problemas ambientais que se colocam no Portugal de hoje. Sem Perspectivas é a melhor tradução de um processo de revisão à partida estigmatizado e por conseguinte nado-morto. 
             Contudo, foi a este imponderado conceito de organização do território que caberia a árdua (impossível?) tarefa de ajuizar cientificamente (com método e imparcialidade) a revisão do estatuto destes dois instrumentos jurídicos. Algumas conclusões interessantes se poderão desde já retirar dessa mesma abordagem «científica».

             A transferência para as Câmaras Municipais do poder sobre o controlo e uso da REN e da RAN parece desde logo caricata, pela previsível falta de uniformidade nos critérios a vigorar municipalmente de norte a sul do país, bem como e sobretudo pelo espaço deixado vago aos jogos de influências.
             A desculpabilização das autarquias pelos crimes ambientais entretanto cometidos no que respeita à urbanização de espaços REN e RAN tange as fronteiras do surreal.
             Proprietários potencialmente impedidos de construir nas suas propriedades e propriedades (em território REN) potencialmente capazes de suportarem construções, parecem faces distintas de uma mesma realidade. Mas não. São apenas e só, permissas, permissivas de toda uma argumentação falaciosa.
             A acusação de que ambos os diplomas legais estão isentos de ideias ordenadoras e de que pelo contrário estarão na origem do desordenamento verificado no território português parece bem mais uma anedota ‘hard core’ do que qualquer facto comprovado pela ciência.
             Enfim, não está em causa que a optimização e funcionalidade da REN e da RAN tivessem que passar por um processo de revisão, já que nada é definitivo mas antes passível de aperfeiçoamento constante. O que parece anormal é que essa revisão não tenha existido, aparecendo em sua substituição algo como um sub-produto da ciência aniquilador do espírito das referidas leis.

              E a propósito de ciência e de cientistas!
              O que é feito daquele projecto para um Parque Urbano na cidade de Ovar?
              Será que à luz destas concepções alternativas sobre ordenamento e desordenamento territorial ainda iremos catapultar obstáculos ao que é «verde» de modo a criar mais e mais espaço urbanizável?
              Será que iremos descobrir que os patos e as galinhas-d’água no rio Cáster ou a vegetação ripícola ainda vão ser factores de desordem do território ovarense?
              Será que querer valorizar o corredor verde que liga a cidade à ria, protegendo os seus recursos, ainda irá constituir um agravo ao desenvolvimento e progresso da urbe?
              Será que à sucessão dos campos de trabalho para revitalização arquitectónica dos cais vareiros se irá seguir a onda da marginalização dos mesmos porque elementos de rusticidade?
              Se assim for, vale a pena e sem demora colocar neste projecto de 2.000.000 de euros definitivamente a chancela SP (Só no Papel)!


 (Artigo publicado a 05.08.04 no Jornal de Ovar)



20.09
A propósito do Dia Marítimo Mundial: Correntes marinhas de lixo 

Quando caminhamos ao longo da praia deparamo-nos quase sempre com uma enorme quantidade e variedade de lixo depositado essencialmente na parte mais alta da praia. São troncos de árvores e arbustos, sobretudo em sectores litorais fortemente erodidos. São pedaços de rede e cordas de nylon espalhadas regularmente ao longo do areal. São ainda pranchas de madeira, lâmpadas e restos de equipamentos metálicos já enferrujados. Contudo, são os plásticos e as espumas, como garrafas, sacos e bóias que de forma mais intensa povoam as areias das praias.
 
         Um olhar atento mostra que este lixo tão variado, umas vezes chega às praias vindo de terra próxima, trazido pelos cursos de água doce ao desaguarem no mar. Outras vezes, percebe-se bem que é lixo atirado ao mar a partir das embarcações que passam ao largo da costa. 
         Enfim, lixo, sempre lixo. Lixo sólido produzido pela sociedade consumista e descartado despreocupadamente para a natureza. Lixo da praia que em geral as entidades camarárias portuguesas apenas se preocupam em remover (quando o fazem!) na época do Verão e nos sectores balneares. 
       
Mas, se a presença do lixo sólido na praia, quase sempre de natureza não biodegradável, constitui um cenário pouco agradável, a presença desta diversidade de objectos a flutuar ou submersos a poucos centímetros da superfície do mar constitui um cenário bem mais preocupante. Na verdade, estas toneladas de materiais arrastados continuamente pelas correntes marinhas e impulsionados pela ondulação mais forte, além de poderem interferir com a segurança da navegação, interferem drasticamente com a sobrevivência dos seres oceânicos.
         
Vários animais, como aves marinhas, cetáceos e tartarugas marinhas são frequentemente feridos por esta carga flutuante. Outras vezes, estes seres são encontrados mortos com objectos estranhos no interior dos seus estômagos, nomeadamente bocados de esferovite ou objectos em plástico, coloridos e de pequenas dimensões, que de tão atractivos se tornam mortais. 
        Com grande frequência, aves, mamíferos e répteis marinhos são também aprisionados em redes de pesca à deriva, acabando por morrer afogados.
Estima-se que os pequenos objectos de plástico matem anualmente 2 milhões de aves marinhas e 100 mil mamíferos marinhos em todo o mundo. Também se constata existir uma grande mortalidade entre as tartarugas-marinhas, pelo facto, de estas ao serem atraídas pelos sacos de plástico, tomados como medusas (seu alimento preferido), serem posteriormente asfixiadas.
        
Além do lixo sólido, os oceanos recebem diariamente enormes quantidades de esgotos, uns tratados, outros não. São efluentes urbanos e industriais. Carregados de tóxicos e bactérias patogénicas, estes efluentes líquidos transformam frequentemente as águas costeiras em autênticas latrinas, com as graves e inevitáveis consequências para a qualidade do peixe, dos moluscos e da saúde humana.
Para evitar os inconvenientes destas descargas de nada serve classificá-las de “controladas”, pois elas são reais e fedem. De facto, se em países mais desenvolvidos os sistemas de saneamento asseguram uma grande eficiência no tratamento das águas residuais, noutros estes sistemas ou são inexistentes ou afiguram-se de grande primitivismo. É por este facto que, após serem transportados quer por rios de grande caudal quer por ribeiros ou valas de pequeno caudal, os esgotos não tratados ou mal tratados chegam às zonas costeiras conspurcando o ar com cheiros nauseabundos, a areia com lamas escuras e a água do mar com colorações que se afastam totalmente do tipificado azul-marinho.
      
A caracterização destas correntes marinhas de lixo não ficaria completa sem uma referência aos frequentes vertidos de fuel, provenientes não só das marés-negras que se sucedem aos acidentes com petroleiros (12% dos vertidos totais), mas também, das múltiplas e clandestinas lavagens de navios-tanque em alto-mar (22%) e sobretudo das descargas arrastadas para os rios (32%). Na realidade, todos os anos são lançados no mar mais de 3 milhões de toneladas de hidrocarbonetos, maioritariamente petróleo, sendo o Mediterrâneo o mar mais poluído por este tipo de contaminação (com 650 mil toneladas anuais).
São estes rastos de poluição por hidrocarbonetos que matam de forma rápida e dramática milhares e milhares de seres vivos (aves, baleias, golfinhos, focas, tartarugas-marinhas, moluscos, etc.) em todo o mundo, ao afectarem os seus sistemas imunitário e reprodutor. São estas correntes pegajosas e negras que levam à extinção várias espécies, além de alterarem com a paisagem e os ecossistemas costeiros. 
       
Lixo sólido ou lixo líquido. Sempre muito lixo atirado aos mares. Lixo cujos efeitos nocivos nos ecossistemas demoram muitos anos a ser reparados demonstrando claramente ser muito perigosa aquela ideia de que os oceanos têm uma imensa (algumas vezes dita ilimitada) capacidade de regeneração.

(Artigo publicado a 07.10.04 no Jornal de Ovar)


28.02
O acidente do “Prestige” e suas consequências


O acidente

Quarta-feira, 13 de Novembro de 2002.
Quando o petroleiro “Prestige” carregado com 77 000 ton de um fuel de grande densidade, bastante sulfuroso e pouco solúvel, navegava rumo a Gibraltar, tendo Singapura como destino, passando 30 milhas a oeste do cabo Finisterra (Galiza) lança um pedido de socorro dado encontrar-se a adornar perigosamente. Após ter deambulado em várias direcções durante seis dias ao sabor das indecisões governamentais partiu-se ao meio a 200 milhas do referido cabo tendo-se afundado até aos 3500 metros de profundidade poucas horas depois.

Estima-se que o navio, de 25 anos, proveniente da Lituânia (com bandeira das Bahamas, propriedade de um armador Grego e fretado por uma empresa anglo-suiça) terá lançado no mar cerca de 17 000 ton de fuel desde que sofreu o primeiro rombo no casco até que se afundou e mais 46 000 ton nos dias seguintes.

A remoção das restantes 14 000 ton do interior do barco está prevista para a primeira metade de 2004.


As marés-negras

Desde o primeiro dia em que se deu o acidente e até meados de Janeiro de 2003 ocorreram quatro fortes marés-negras que afectaram as comunidades da Galiza, Corunha, Astúrias e Cantábria em Espanha assim como uma parte da costa francesa. Além destes episódios continuaram a ocorrer até ao Verão de 2003, provavelmente devido à limpeza clandestina de outros navios-tanque a passarem na zona, contaminações regulares de fuel especialmente sobre a costa asturiana e da Corunha impedindo o normal decurso da época balnear com o fecho temporário de uma ou outra praia e com veraneantes a serem atingidos na água com nafta.


No global cerca de 70% das praias arenosas do norte de Espanha acabaram por ser afectadas embora com diferentes graus de gravidade.


A contaminação das aves marinhas

Este grupo animal foi especialmente afectado com este acidente, como aliás sempre acontece em acidentes similares. Independentemente dos problemas gravíssimos produzidos pela ingestão directa de fuel, as aves ao serem atingidas com nafta na plumagem perdem a impermeabilização da mesma ficando diminuídas para poderem arranjar alimento e nadarem. É deste modo que doentes e fatigadas acabam por morrer.

Neste acidente foram registadas um total de 23 181 aves afectadas (73.6% das quais já mortas), recolhidas ao longo da costa espanhola (84.2%), francesa (12.2%) e portuguesa (3.6%). Refira-se que os números apresentados devem ser sempre olhados como valores muito inferiores aos valores reais de aves afectadas estimando-se que estes últimos sejam 10 vezes superiores.

Entre as mais de 90 espécies afectadas destaca-se claramente o arau-comum (Uria aalge) com 51% do total dos corpos seguido da torda-mergulhadeira (Alca torda) e do papagaio-do-mar (Fratercula artica) cada um com cerca de 17% do total. Entre as regiões com maiores números de aves recolhidas destacaram-se a Corunha e Pontevedra.

A recuperação destas aves petroleadas foi desde logo uma das atitudes a tomar. No entanto, o sucesso desta medida traduziu-se numa taxa de sucesso de apenas 10% o que permite concluir sobre a verdadeira dimensão desta tragédia para as aves marinhas.


Outras contaminações

Relativamente a outros grupos animais e logo durante o mês seguinte ao afundamento do "Prestige" deram à costa galega 27 cetáceos pertencentes a 7 espécies diferentes e 16 tartarugas-marinhas pertencentes a 2 espécies.

Um ano depois

Segundo estudos realizados por investigadores espanhóis os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (substâncias cancerígenas) que existiam no fuel derramado começaram a entrar nas cadeias alimentares do oceano afectando sequencialmente os microorganismos microscópicos, o marisco, os peixes como o linguado e o robalo e finalmente o homem. Contudo as conclusões do estudo referiam que os níveis de toxicidade não ultrapassavam os níveis limite.

As costas espanholas afectadas bem como a costa portuguesa continuam contudo potencialmente ameaçadas por novos casos semelhantes. Na verdade dentro da nossa Zona Económica Exclusiva é frequente a passagem de navios-tanque, frequentemente obsoletos, fazendo transporte de hidrocarbonetos e de produtos químicos diversos, pelo que outras situações de risco se poderão criar em qualquer momento. Esta situação é tanto mais preocupante quanto o facto de não existir um controlo efectivo sobre as lavagens destes navios ao largo da costa e dentro da ZEE por falta de meios de patrulha navais e aéreos adequados.

Outras dificuldades colocadas no combate a sinistros desta natureza têm a ver com o facto:

- do Centro Internacional de Luta contra a Poluição no Atlântico Nordeste (CILPAN) criado em 1990 pelo Acordo de Lisboa não funcionar na prática revelando-se como muito urgente a sua reestruturação;

- de não existirem os materiais e equipamentos de intervenção necessários, bem como, de um navio equipado para combate à poluição no mar;

- de não existir um sistema permanente de controlo de tráfego marítimo que permita afastar este tipo de navegação para lá das 20 milhas.

2005

01.01
Barrinha de Esmoriz: Brincando aos castelinhos de areia

          As notícias que vieram a lume com regularidade durante o Verão do ano findo sobre a poluição manifestada na Barrinha de Esmoriz e praias a sul da mesma, colocavam desde logo uma pertinente questão: quem seria o responsável ou responsáveis por esta falta de civismo para com toda uma região e utentes balneares da mesma? Quem seria o criminoso ou criminosos a quem não incomodava de todo o tão apregoado princípio do ‘poluidor-pagador’?
          Estou convencido, contudo, que todos nós mais do que conhecer a identidade de tais prevaricadores gostaríamos era que os mesmos fossem sancionados de forma convincente para que se pusesse um fim a todo este estado de terrorismo ambiental que graça na nossa região.
            É claro que tal não parece ter acontecido, a olhar pelas acusações e desculpas que foram sendo emitidas e que não permitiram ajuizar de forma séria e imparcial sobre os verdadeiros responsáveis destas sucessivas tragédias. Uma certeza pelo menos ficou. A de que os responsáveis pela poluição da Barrinha de Esmoriz continuam a monte, pois nada nem ninguém os deteve, nem tão pouco se encontram impedidos de voltar a prevaricar! 

            Uma segunda questão, não menos importante, que se colocava passados alguns meses após o início das obras na Barrinha de Esmoriz, prendia-se com as expectativas gerais da população do concelho sobre o que iria acontecer de tão importante nesta lagoa, capaz de devolver à mesma uma melhor qualidade ambiental e terminar decisivamente com atentados como os que têm brindado pela negativa o concelho de Ovar, vai para uma imensidão de tempo.
            Na verdade, nunca foi perceptível para a generalidade do público leigo (como eu) em tais matérias, descortinar que princípios, métodos e objectivos de engenharia costeira e de planeamento teriam sido traçados para fazer a gestão das águas da barrinha, bem como, para a recuperação da sua fauna e do ecossistema em geral (porque me parece ser disso que se irá também tratar no futuro, ou será que não?).
             E também é verdade que se manteve sempre a expectativa de que alguém responsável viesse demonstrar perante a curiosidade geral não terem sido estas obras delineadas em cima do joelho, entre as pressas dos calendários políticos. Dito de um outro modo, teria sido oportuno que, para além daqueles poucos momentos em que soou a verborreia política de circunstância, generalista e por conseguinte sempre vaga, teria sido importante desde o início do processo, uma comunicação séria (minimamente técnica) e objectiva à população, nomeadamente através dos media locais, para que esta ficasse de uma vez por todas convencida de que o futuro da Barrinha não passaria nunca mais pelas vontades de ‘marginais a monte’ mas antes pela capacidade e engenho de quem poderia gerir um projecto desta envergadura. Tal não aconteceu e a incerteza permaneceu no espírito de toda a gente! 

              Um terceiro aspecto, decorrente do anterior, teve a ver com o términus das obras (ditas de primeira fase) na Barrinha. Todo aquele reboliço de areias tiradas dali e postas acolá, para formarem o emblemático ‘dique fusível’ não inspiravam qualquer segurança nem perspectivas de futuro a quem por lá passasse, conhecendo minimamente as condições de agitação marítima da nossa costa. 
               Era pois esperado que o mar pudesse fazer ruir a qualquer momento tais estruturas, o que infelizmente não demorou a tornar-se uma realidade.  
              
                 Em face destes acontecimentos e da necessidade urgente de defender a Barrinha e zona litoral adjacente é importante uma reflexão sobre o assunto.
                 Primeiro ponto. Ao contrário dos meninos que brincam na beira do mar, gozando sempre que a água chega e leva seus castelinhos de areia, permitindo-lhes acorrerem a levantar outros no lugar dos anteriores, sem outros custos que não umas quantas pazadas de areia, a gestão de uma intervenção como a que se pretendia para a Barrinha não deveria ter passado pela construção de ‘castelos de areia’, porque os custos destas brincadeiras são grandes e somos todos nós a pagá-los, de uma maneira ou de outra! 
                  Segundo ponto. Todos nós que nos preocupamos com esta “nau” chamada Barrinha de Esmoriz acabamos por demonstrar determinadas posturas para com a mesma. Seria importante, a bem da Barrinha, que cada um, com honestidade, reflectisse sobre o seu papel para com esta “nau”. Estaremos nós, como meros espectadores na margem a vê-la passar, seremos timoneiros capazes ou simplesmente nela apanhamos uma boleia para irmos à outra banda? É que, independentemente dos que permanecem especados na margem (e que por lá poderão continuar) ou dos inveterados das boleias (que hoje andam de barco porque ainda não podem andar de avião), esta “nau” para não meter mais água (poluída) precisa é mesmo de quem a saiba levar a bom porto!

 (Artigo publicado a 06.01.05 no Jornal de Ovar)



20.01Dia Mundial das Zonas Húmidas
Celebra-se no dia 2 de Fevereiro o Dia Mundial das Zonas Húmidas. Esta data, se para outra coisa não servir, pelo menos será uma oportunidade de relembrar aos governos de todo o mundo a necessidade de preservação do que resta, após séculos de destruição e incúria generalizadas, destes ecossistemas tão importantes para a manutenção da Vida Selvagem e para a própria sobrevivência do Homem.

De facto, as Zonas Húmidas constituem habitats muito importantes do ponto de vista biológico e ecológico revelando-se de grande significado internacional para um elevado número de animais e plantas. Ao mesmo tempo que funcionam como reservatórios de água doce (água potável, para regadio e para produção de energia), como fontes de alimentação humana (peixe e marisco) e como espaços de lazer, algumas Zonas Húmidas possuem espécies endémicas enquanto outras albergam espécies raras ou em perigo de extinção.

As Zonas Húmidas constituem, efectivamente, um dos ecossistemas terrestres mais produtivos (uma produtividade primária que expressa em g/m2/ano é muito superior à dos terrenos agrícolas e dos terrenos florestais) onde coexistem cadeias alimentares muito diversificadas.

O impacto humano 
Os recursos hídricos disponíveis nestas zonas fomentaram ao longo dos tempos a fixação humana em torno das mesmas e o desenvolvimento de actividades económicas, turísticas e industriais com as suas consequências inevitáveis de pressão e poluição.
É nestas zonas que o homem produz sal, cultiva o arroz, faz aquacultura, cria gado bovino e cavalar e também pode recorrer de variadas plantas para fertilizar os solos, fazer a cama do gado ou cobrir os seus abrigos.
É nestas zonas que o homem se entretém caçando, praticando desportos náuticos motorizados ou construindo campos de golfe e marinas, quase sempre em rota de colisão com a conservação da natureza e a qualidade ambiental.
Mas é também aqui que, mediante um processo de contradição evidente, o homem acaba por negar a estas zonas o seu sentido e a importância de que se revestem. Ao transformá-las em lixeiras, depósitos de entulhos e de sucatas. Ao lançar sobre elas todo o tipo de efluentes urbanos e industriais. Ao utilizar doses excessivas de pesticidas, insecticidas e herbicidas. Indo ao extremo de realizar a destruição total das mesmas com o seu enxugo, drenagem e terraplanagem.

A importância para a avifauna 
Todas as Zonas Húmidas representam zonas de reprodução e ‘nursery’ para as espécies subaquáticas, bem como, etapas importantíssimas nas migrações das aves aquáticas, nomeadamente de patos, gansos e limícolas. Na verdade, durante estes fluxos migratórios uma determinada zona pode constituir território de nidificação para determinadas espécies da avifauna selvagem ao mesmo tempo que para outras espécies pode constituir áreas de invernada ou apenas locais de repouso e/ou de alimentação.
Por estes factos, as várias Zonas Húmidas que se posicionam ao longo de um corredor de migração deveriam estar estritamente protegidas para que o papel desse mesmo corredor fosse garantido.
Quer sejam pequenas Zonas Húmidas (pauís, lagoas,....) localizadas no interior dos países, quer sejam zonas de grande superfície (albufeiras, troços internacionais de rios,....) abrangendo um território pertença de mais do que um estado, as Zonas Húmidas devem ser protegidas ao abrigo de medidas de carácter nacional e/ou de directivas estabelecidas mediante acordos internacionais.
Deve ser assegurada, assim, em todo o mundo a preservação de um conjunto de Zonas Húmidas representativas e reveladoras de grande interesse natural. Relativamente a estas zonas os respectivos Estados deverão demonstrar um particular envolvimento no sentido da conservação das mesmas.

O esforço proteccionista 
A protecção internacional das Zonas Húmidas começou por dizer respeito sobretudo à protecção das aves selvagens. Neste sentido foram assinadas, no México em 1936 entre este país e os Estados Unidos a Convenção para a Protecção das Aves Migradoras e em Paris em 1950 a Convenção Internacional para a Protecção das Aves. Em ambas existiam já recomendações que apelavam à constituição de ‘Reservas’.
Os primeiros inventários de Zonas Húmidas consideradas de grande importância foram efectuados no âmbito do Programa Biológico Internacional (PBI) em cooperação com a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos seus Recursos (UICN) e o Bureau International de Recherche pour la Sauvagine (BIRS). Os objectivos do PBI, aquando da sua extinção, foram retomados em 1970 pelo Programa “Homem e Biosfera” da UNESCO. O projecto 8 deste programa previa a constituição de uma rede internacional de áreas protegidas (as denominadas «Reservas da Biosfera») destinadas a assegurar a protecção de parcelas representativas de todos os tipos de ecossistemas existentes bem como do seu material genético.
 Em 1971, foi assinada em Ramsar, no Irão, a Convenção sobre Conservação de Zonas Húmidas de Importância Internacional especialmente como Habitat de Aves Aquáticas, pela qual cada um dos países signatários se comprometia a definir pelo menos uma Zona Húmida no respectivo território, a qual passaria a integrar uma lista internacional de Zonas Húmidas.
Em 1976 o Conselho da Europa teve a iniciativa de estabelecer uma rede internacional de ‘Reservas Biogenéticas’, a definir por cada país, com o objectivo de garantir a conservação da diversidade genética, a representatividade dos diferentes tipos de habitat, de biocenoses e de ecossistemas.
Em 1979 seriam assinadas duas Convenções e promulgada uma Directiva Comunitária, todas elas importantíssimas para a conservação das espécies e dos habitats.
A Directiva sobre Conservação das Aves Selvagens teve como metas a protecção, gestão e controlo deste grupo de aves. É esta Directiva que estabelece a criação das ZPE (Zonas de Protecção Especial) como forma de assegurar a conservação de um determinado conjunto de espécies da avifauna.
Sobre as Convenções, uma seria assinada em Bona, a Convenção sobre Conservação de Espécies Migradoras pertencentes à Fauna Selvagem, com a finalidade de proteger as espécies migradoras de aves, mamíferos, peixes e invertebrados e consequentemente todos os locais por eles usados durante as migrações. A outra assinada em Berna, Convenção relativa à Conservação da Vida Selvagem e dos Habitats Naturais da Europa, com a finalidade de garantir a manutenção da flora e fauna selvagens e de modo muito particular as espécies ameaçadas de extinção, vulneráveis e migradoras.
Em 1985 o Projecto Biótopos do Programa CORINE surge com o objectivo de fazer a recolha de informação sobre o estado do ambiente e dos recursos naturais dentro da Comunidade Europeia de forma a articular as questões ambientais nas diferentes políticas comunitárias, tendo para o efeito estabelecido uma lista de Sítios tomados como pontos de inventário.
Em 1989 surge o projecto de inventariação das Áreas com Interesse para a Conservação das Aves na Europa (IBA), que embora sem carácter de imposição legal servia para se proceder à comparação do valor natural de diferentes áreas com base no seu património ornitológico.
Em 1992 é estabelecida a Directiva sobre Conservação dos Habitats Naturais e Semi-Naturais e da fauna e da Flora Selvagens, articulando as disposições contidas anteriormente nas Convenções de Ramsar, Bona e Berna, como forma de garantir a biodiversidade na Comunidade Europeia. Esta Directiva pretendeu estabelecer uma rede europeia de áreas protegidas ligadas entre si por corredores ecológicos – Rede Natura 2000. 

Qual o futuro das Zonas Húmidas? 
O relato que se acabou de fazer sobre as políticas internacionais para conservar as Zonas Húmidas e seus valores patrimoniais poderá indicar à partida ter havido uma grande amálgama de estratégias em todo o processo. Parece, de facto, existir uma falta de lógica na existência de diferentes redes de áreas protegidas, paralelas e independentes.
É fundamental que os diferentes instrumentos de gestão de espécies e habitats se encontrem harmonizados entre si e que as resoluções e Directivas europeias encontrem uma maior eficiência por uma articulação com os estados não europeus mas cujos territórios se encontram nas rotas de migração das populações de aves selvagens. Sem atitudes de cooperação internacional todas as medidas implementadas em território europeu serão infrutíferas.
O ritmo muito rápido a que se dá a degradação das Zonas Húmidas em todo o mundo (o território ocupado actualmente por zonas húmidas equivale a cerca de 2% da superfície terrestre) coloca a conservação e recuperação das mesmas como tarefa prioritária nas políticas de conservação da natureza. Terá que haver a consciência de que a utilização de qualquer Zona Húmida não poderá ter outros fins que não aqueles que passam estritamente pelas suas funções naturais.
Apenas com cerca de 5% do território nacional classificado com o débil estatuto de Áreas Importantes para as Aves (IBA) e desta superfície apenas somente 40% gozarem do estatuto de Zonas de Protecção Especial (ZPE), Portugal tem um longo caminho pela frente no que respeita à recuperação, valorização e conservação das suas Zonas Húmidas (Quadro I).

Quadro I – Zonas Húmidas litorais portuguesas 

Zona Húmida
Distrito
Vale do rio Minho e estuário do rio Coura
Viana do Castelo
Ribeira de S. Simão
Viana do Castelo
Barrinha de Esmoriz
Aveiro
Ria de Aveiro
Aveiro
Pateira de S. Jacinto
Aveiro
Pateira de Fermentelos
Aveiro
Pateira de Frossos
Aveiro
Lagoa de Mira
Coimbra
Lagoa da Barrinha
Coimbra
Lagoa das Três Braças
Coimbra
Lagoa da Salgueira
Coimbra
Lagoa dos Teixoeiros
Coimbra
Paúl de Arzila
Coimbra
Paúl de Madriz
Coimbra
Paúl do Taipal
Coimbra
Lagoa da Ervedeira
Leiria
Lagoa de Óbidos
Leiria
Paúl da Tornada
Leiria
Estuário do rio Tejo
Santarém, Lisboa e Setúbal
Lagoa de Albufeira
Setúbal
Estuário do rio Sado
Setúbal
Açude da Murta
Setúbal
Lagoa da Sancha
Setúbal
Lagoa de Santo André
Setúbal
Lagoa de Melides
Setúbal
Foz do rio Mira
Beja
Paúl de Budens
Faro
Ria de Alvor
Faro
Rio Arade/Leixão da Gaivota
Faro
Ria Formosa
Faro
Castro Marim
Faro























































(Artigo publicado a 10 e a 17/02/05 no Jornal de Ovar)


30.03
Gestão Controlada da Barrinha de Esmoriz –projecto falhado ou adiado?


             Há três meses atrás e neste mesmo espaço escrevi algumas linhas sobre a Barrinha de Esmoriz, porque a mesma me parecia desprotegida face ao que por lá se fez, ao que não se fez e ao desconhecimento do que se perspectiva fazer. Decorrido este período de tempo, sem tormentas e sem chuvas de significado, a Barrinha parece continuar serenamente abandonada.
              Na verdade e caso o Inverno tivesse sido diferente, como muitos outros, com temporais e frequentes ataques do mar sobre a costa, a Barrinha provavelmente teria continuado abandonada mas nunca de uma forma tão serena. As águas oceânicas teriam galgado com facilidade a estreita praia, penetrado pelo canal que liga a lagoa ao mar e destruído tudo aquilo que lá foi instalado.
               Também na verdade e caso o estado do tempo durante este último Inverno tivesse sido diferente, com fortes chuvas como é típico nesta época do ano, à Barrinha teriam chegado sem qualquer controlo, as torrentes dos cursos de água que nela desaguam, provocando um aumento dos níveis da lagoa e obrigando ao escoamento directo, também ele sem qualquer controlo, para o mar.
               Mas tais cenários não aconteceram e a Barrinha tem gozado deste estado de graça. O cheiro nauseabundo que emana das águas da Barrinha revela claramente a grande quantidade de detritos ali acumulados e que esperam, assim, a primeira oportunidade de virem parar ao mar, sem qualquer tipo de tratamento, aumentando a carga bacteriológica das águas e areais ovarenses.

               Olhando hoje a obra feita no local não se consegue perceber como a mesma poderá dar resposta aos objectivos outrora anunciados. Dado não ter havido alguém com sentido do dever, que informasse e esclarecesse dúvidas entretanto surgidas, resta assim, com a vontade de quem quer ser esclarecido tentar descortinar, qual puzzle a montar, o que significam cada uma das “peças” do jogo.
               O dique fusível fundiu jazendo na areia o que dele resta. Então, poder-se-á desde logo perguntar, como se podem controlar neste momento as águas da Barrinha? É que, de facto, parece ter havido a preocupação de definir um nível de água dentro da laguna, provavelmente um “nível crítico” para as operações de controlo. Mas não havendo dique será difícil para não dizer impossível garantir esse nível crítico. As próprias tampas das condutas de descarga, umas abertas outras fechadas, parecem à primeira vista não servirem para coisa alguma.
               Enfim, não se entendem que mudanças positivas por lá ocorreram desde que foram investidos 150 000 dos 340 000 euros destinados a esta obra de “Gestão (des)Controlada”. Apenas se constata que a Barrinha está transformada naquilo que sempre foi, desde que as autarquias de Ovar, Espinho e Feira decidiram esquecer o valor patrimonial da zona: um charco receptor de águas poluídas.

               Um outro aspecto já denunciado em anterior escrito prende-se com o empobrecimento da Barrinha sob o ponto de vista dos seus recursos naturais, nomeadamente como ecossistema importante para as aves.
                Num curto trajecto efectuado ao longo de uma das suas margens, apenas se registaram alguns patos-reais a descansar ao abrigo da vegetação, dois milhafres-negros voando sobre a zona e alguns rouxinóis-dos-caniços e pequenas limícolas que não se vendo deixavam-se, contudo, ouvir. Pese embora ter-se tratado de uma fugaz visita, muito pouco foi registado para aquilo que este espaço poderia oferecer.

                 Assim sendo, termina-se esta abordagem ao status da Barrinha de Esmoriz salientando a dupla consternação, de que além da inexistência de uma gestão controlada das águas da Barrinha também não se vislumbram medidas para a recuperação do património natural da mesma. É por todas estas razões que se coloca com pertinência a questão: será que o projecto em causa, a quem alguém chamou de “primeira geração”, terá sucumbido ou estará apenas adiado? Muito sinceramente e a bem da Barrinha gostava que ambas as questões tivessem resposta negativa e que a resolução dos problemas da Barrinha não transitassem para as próximas gerações.

 (Artigo publicado a 07.04.05 no Jornal de Ovar)



25.06
Barrinha de Esmoriz: um caso de bungee jumping e de teatro de praia


          Um novo, previsível, decisivo e temeroso episódio ocorreu sobre a Barrinha de Esmoriz. A demissão do Director (gestor, presidente ou coordenador, como também é frequentemente referido na comunicação social) do Grupo de Estudos e Planeamento da Barrinha.

           Novo, porque há muito que a Barrinha não exalava outra coisa que não o nauseabundo cheiro das suas águas, cada vez mais altas e próximas do mar. Sim, porque quanto às obras para recuperação do dique, essas haviam parado no tempo e nunca mais tiveram “gás” para andar e quanto ao resto (despoluição e valorização ambiental da Zona Húmida) haverão de passar muitas luas, por certo, até que as mesmas sejam factos consumados.
           Previsível, porque nestes últimos tempos estava em causa um cargo de desconfiança política. Mas previsível desde muito cedo, também, porque quando se insiste em desmentir uma triste realidade, visível aos olhos de todos os que por lá passavam, sem a humildade de perceber as limitações de um projecto e a necessidade constante de atenção, dedicação e eventual reformulação das estratégias inicialmente desenhadas no papel, incorre-se no risco de entrar num beco cuja única saída dá para o precipício. Então, a queda é inevitável (embora os muitos casos conhecidos demonstrem haver uma baixa probabilidade de fatalismo sempre que se trata da prática de bungee jumping)!

            Decisivo, porque quem vem a seguir tem à partida que «fechar a porta». Revela-se, assim, uma óptima ocasião para uma reflexão profunda sobre esta «nau», como lhe chamei há alguns meses atrás nesta mesma coluna, de forma a não se voltarem a repetir, distraidamente, os mesmos erros. Decisivo, porque embora o controlo das águas da Barrinha seja apenas uma parte do processo, é uma parte importante para toda uma região, para todo um concelho.
             Temeroso, porque foi alegado em justificação desta demissão «a existência de conflitos de interesses entre as funções então desempenhadas e uma candidatura à Câmara Municipal de Ovar». Perante os factos e os argumentos conhecidos, nomeadamente pela promessa de mudar a sério, é inevitável a sensação de grande apreensão ao pensar em alguém que não tendo sido capaz de gerir de forma convincente menos de 200 hectares de território (área aproximada da Barrinha de Esmoriz) se propõe vir a ficar num futuro muito próximo responsável pela gestão dos 15 000 hectares correspondentes a todo o concelho de Ovar*.

             Mas, se a estrutura de Gestão da Barrinha não conseguiu cumprir eficazmente os objectivos a que se propôs, continuando a afirmar “de que tudo vai bem”, quando tudo afinal continua muito mal, a Câmara Municipal de Ovar que recentemente veio a terreiro lançar também (e bem) o seu grito de Ipiranga perante o estado caótico daquela lagoa, acabou por demonstrar no passado dia 23, em Esmoriz, uma total contradição entre as posições então proferidas contra a existência de uma Bandeira Azul naquela praia e o próprio acto a que aderiu de seguida relativo ao hastear da referida bandeira.
             Custa a crer que se tenha tratado de mera distracção ou de uma opção feita em nome do comércio local. Custa a crer que não tenha havido um bocadinho mais de coragem para não se pactuar, afinal, com aquilo que se acabava de criticar. Efectivamente, a Câmara Municipal de Ovar não devia ter acenado entusiasticamente, como no passado recente foi sempre seu timbre, ao teatro do hastear da Bandeira Azul em praias sem qualidade ambiental. Sobretudo porque está em causa o hastear de bandeiras justificadas apenas com resultados de análises de água do mar colhida antes da abertura da Barrinha ao mar.

             A Bandeira Azul deve ser suficientemente séria para não mentir a todos aqueles que chegam até estas praias desconhecendo a realidade aqui existente. Porque as águas e as areias destas praias estão hoje seguramente contaminadas com químicos e microrganismos patogénicos, constituindo um grande perigo para a saúde pública, teria sido necessário, antes das palmas e das fotografias, haver a garantia de que as ditas praias apresentavam a qualidade mínima desejável.
            Perante tais factos, que incluem também a falta de um aviso no local sobre a perigosidade do meio ambiente balnear, fica a sugestão para que, a Câmara Municipal de Ovar rapidamente realize a cerimónia do arrear das ditas bandeiras, até que os resultados de novas análises à água e à areia dissipem todas as dúvidas. Este acto constituiria uma forma não só de proteger a saúde pública local, mas também, seria uma iniciativa coerente e de chamada de atenção para os organismos competentes, para uma maior seriedade na atribuição deste tipo de galardão. Caso contrário, a autarquia será co-responsável, porque conivente, com este acto de superficialismo perigoso defendido por aqueles que vivem para esta forma de fazer “teatro de praia”. Acresce ainda que uma tal postura de mudança seria um bom augúrio para, efectivamente, se começar a fazer melhor.



* É bom recordar que o concelho, só do ponto de vista ambiental, tem além da Barrinha de Esmoriz, uma costa bastante erodida, matas e zonas de lazer florestadas a precisarem de atenção constante e de serem preservadas, rios descuidados e poluídos que deveriam ter peixe como outrora, um braço de Ria transformada num pântano, onde as embarcações têm dificuldade em navegar e sem qualquer aproveitamento turístico-ambiental, um comércio sinistro feito por exploradores ilegais de areias sobre um património que não é deles, etc, etc, etc.

(Artigo publicado a 07.07.05 no Jornal de Ovar)



29.08
A propósito do Dia Internacional da Limpeza das praias
 

         Quem é que ao passear ao longo de uma praia ainda não calcou ou esteve em vias de calcar algum vidro de garrafa partida ou algum objecto cortante com todos os incómodos daí resultantes? Ou quem é que ao nadar ou ao mergulhar na ondulação ainda não se encontrou com a cara a poucos centímetros de um saco plástico ou de um qualquer outro pedaço de lixo flutuante? Provavelmente muito poucos.
         
          No próximo dia 22 de Setembro comemorar-se-á internacionalmente um dia dedicado à limpeza das praias. A importância deste evento resulta do facto de, um pouco por todo o mundo, o litoral e as suas praias serem pontos de afluência de grande número de pessoas, residentes permanentes ou temporários que aqui procuram descanso, banhos, sol e diversão e para quem as praias representam por conseguinte habitats de eleição.

          A ocupação do litoral, só por si, é geralmente responsável pela produção diária de grandes quantidades de lixo sólido e de esgotos domésticos, os quais rapidamente podem desencadear o processo de poluição das areias e águas de uma dada praia inviabilizando afinal o fim a que a mesma se propõe. De facto, o areal de uma praia é atingido por escorrências diversas provenientes de cafés, restaurantes e outros apoios de praia localizados nas imediações; por grande número de papéis e plásticos abandonados e que soltos são arrastados pelo vento; por um número exagerado de latas e garrafas vazias que em vez de depositadas nos respectivos contentores são atiradas simplesmente para o solo, etc.  
          Mas ao areal de uma praia chega também uma imensidão de detritos arrastados pelo mar de outras praias, de barcos em trânsito no alto-mar, bem como, de outros focos poluidores. É esta enorme carga poluente que chegada ao litoral pode transformar a areia branca de uma praia num espaço sujo, escuro e mal cheiroso.
           Quando se analisa o estado de uma praia e se avalia a necessidade de proceder a intervenções de limpeza, algumas certezas se definem desde logo. Por um lado, numa praia de água suja ninguém se quererá banhar, mergulhar ou "surfar" (mesmo que por lá esteja hasteada uma qualquer Bandeirinha Azul!). Também é certo que numa praia de areias sujas ninguém se quererá estender ao sol ou piquenicar (mesmo que por lá não haja qualquer sinal de aviso!). Ora, para que estas iniciativas sejam possíveis por parte dos utentes da praia será necessário, desde logo e entre outras acções, que aqueles, sejam eles pescadores à linha, sejam eles desportistas ou simples veraneantes, não se esqueçam de acondicionar em local apropriado tudo o que sejam objectos facilmente transportáveis pelo vento (papéis, plásticos, ....) e não se esqueçam também de no fim da jornada de praia transportar todo o lixo entretanto por si produzido ou os materiais sem interesse  para os locais apropriados.  
             O lixo espalhado ao longo de uma praia pode corresponder, de facto, a toneladas de materiais indesejáveis a todos os que por lá passam. É que entre os vidros, as cordas, os plásticos, a madeira e as latas, por vezes encontram-se materiais com uma perigosidade acrescida. Estão neste caso as seringas contaminadas e os diversos equipamentos (como  televisões ou frigoríficos velhos) a apodrecerem nas dunas,  constituindo-se estes últimos como fontes de metais altamente tóxicos.
              Mas o lixo que vai parar às praias acaba também por passar pelo oceano, sendo responsável pela destruição da vida marinha. Corais, peixes, cetáceos e sobretudo tartarugas marinhas, morrem em grandes números; estas últimas ingerem frequentemente os sacos plásticos semi-submersos ao tomarem-nos por medusas.

             Pese embora os problemas relacionados com o lixo nas praias e nos oceanos constituírem um problema mundial, requerendo uma cooperação internacional, a verdade é que muitos dos impactos da poluição, pela sua gravidade, transformam-se em problemas que podem afectar de modo particular determinadas localidades.
             Cabe, pois, a cada um de nós, cidadãos, dar um contributo precioso para a minimização da sujidade das praias, utilizando-as com o civismo que se impõe. Cabe também às autoridades, Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia e Delegações de Saúde, dar igualmente um contributo sério para a minimização da sujidade das praias, limpando-as regularmente e vigiando a qualidade das mesmas, com o dever que se impõe a quem tem por missão cuidar do bem-estar e da saúde pública.

              A terminar é deixada uma questão. Senhores responsáveis municipais, alguma vez pensaram em incentivar e apoiar, de forma contínua, programada e empenhada, o aparecimento de equipas de voluntários para limpeza de praias (equipas que poderiam nascer de grupos ambientalistas ou de agrupamentos escutistas)? Senhores responsáveis municipais a ideia é praticada em outros países e tem dado resultados fantásticos. Porque não seguir o exemplo em Portugal? Vá lá, os custos são mínimos e os resultados são de vulto. Só não sei, de facto, se uma ideia destas dá votos, mas é uma questão de experimentar!

 (Artigo publicado a 08.09.05 no Jornal de Ovar)


2006

08.02
A propósito do Dia Mundial das Zonas Húmidas: Brincando aos castelinhos de areia (2.º Acto)

          No passado dia 2 de Fevereiro celebrou-se em todo o mundo mais um dia especialmente dedicado à protecção das Zonas Húmidas. Entendem-se por Zonas Húmidas todos os biótopos onde a água e a terra se ligam de forma muito particular proporcionando zonas de altíssima produtividade orgânica e por conseguinte zonas de enorme valor para o homem. Rios, ribeiros, sapais, rias, estuários, lagoas,....., enfim, toda e qualquer mancha de água rodeada de vegetação ripícola, a transbordar de vida animal constituem, então, a figura principal deste dia mundialmente consagrado.
            Três décadas passadas sobre a entrada em vigor da Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional para as Aves Aquáticas, mais conhecida por Convenção de Ramsar, Portugal, que ratificou cinco anos depois esta mesma convenção, ainda só conseguiu identificar (e classificar) 12 sítios, dos quais apenas um possui elaborado o respectivo Plano de Ordenamento.
            Três décadas passadas, as Zonas Húmidas portuguesas continuam, contudo, a ser tragicamente maltratadas por diferentes factores, entre os quais, sobressaem a poluição industrial e urbana, a construção imobiliária desregrada, a agricultura abusiva dos solos, o abandono do salgado, o turismo insustentável e os excessos de uma actividade monstruosa (o abate indiscriminado e ilegal de espécies protegidas) a que alguns chamam estupidamente actividade cinegética.
            Três décadas passaram e as Zonas Húmidas portuguesas têm contado, anualmente aquando da comemoração desta data (e acredito que continuarão a contar no futuro), com os tradicionais comunicados das grandes associações ecologistas portuguesas! Eu, por mim, prefiro comemorar este dia com o relato dos acontecimentos que desde o passado dia sete têm deixado mais uma vez perplexos todos aqueles que passam pela praia de Esmoriz junto à Barrinha, um local abandonado desde há muitos anos.

            Há cerca de um ano nesta mesma coluna escrevia com o título em epígrafe, acerca de uma brincadeira que estava a ser levada a cabo na Barrinha de Esmoriz. Pretendia-se naquela altura transformar em ‘projecto de engenharia do século’ uma obra da qual restam actualmente apenas vestígios, espalhados pelo areal da praia e pelo leito e margens da lagoa, tal foi a resposta dada pelo oceano.          O tal dique fusível sucumbia, assim, perante a fragilidade da sua própria concepção, não sem antes ao erário público terem sido subtraídos 150 000 euros!
             Acontece, agora, que no mesmo areal onde outrora se ‘enterrou’ tanto dinheiro para a construção do dito dique, se assiste hoje, por um lado, ao desmantelamento do que resta dessa obra (que mais parecia afinal uma bandeira do partido que então governava) e por outro lado, ao despertar do que parece ser uma nova bandeira partidária: o enterramento de centenas de sacos (feitos de uma tela, à partida não biodegradável!), cheios com a areia escavada da própria praia em redor.
             A praia apresenta junto à Barrinha um aspecto desolador, com o areal completamente remexido, nalguns locais com enormes crateras, noutros pelo contrário com enormes castelos de areia, uma pilha esteticamente incómoda de enormes sacos brancos que irão formar uma barreira ainda maior, rectro-escavadoras que em vez de circularem pelo areal da praia arrastam-se sobre as dunas (!) tendo já destruído algumas por completo, trilhos destas máquinas por todo o lado, operários de uma subempreitada que dizem não saber quem realmente “manda naquilo”, falta de uma placa informativa sobre o alvará, custo e entidade responsável da obra, e.... pasmemo-nos mesmo, pois isto é de pasmar..... uma Câmara que, quando alertada para o que estava a acontecer na praia de Esmoriz fica perplexa pois desconhecia o que lá estava a ser feito! 
            Como acabei de referir, não são Ovnis, são escavadoras! Não são ETs, são funcionários de uma empresa devidamente identificada! Não estamos na Lua, estamos na Barrinha de Esmoriz! Por isso, eu como cidadão quero saber o que lá vai ser feito com o dinheiro público, que também é meu. Quero saber para que serve aquele novo projecto (se é que se pode falar de projecto!), quero saber se aquela movimentação de areias (sempre nociva para o equilíbrio das praias) tem alguma razão de ser, quero ficar a conhecer quem é o responsável ou responsáveis por mais esta iniciativa, quero que os meus autarcas “não andem a leste” do que se passa nas nossas praias, e gostava (se não for já pedir demais) que......por favor, não inventem!
            Vão aprender com quem sabe. Há de certeza quem consiga lidar com a gestão das Zonas Húmidas de uma forma ambientalmente mais agradável, mais racional, ou usando uma expressão dos miúdos do meu tempo, ... uma forma ‘mais melhor boa’!

(Artigo publicado a 16.02.06 no Jornal de Ovar)


07.04
Areia branca, negócio preto

            Com este mesmo título dei corpo a um dos capítulos do meu último livro, “A Praia dos Tubarões”, capítulo esse dedicado à extracção e negócio das areias; negócio que umas vezes se efectua sob a capa da legalidade, outras vezes (muitas, infelizmente) tão-somente em torno de actividades furtivas.
            No referido texto procurei documentar a crescente actividade de extracção de dragados portuários ao longo das últimas décadas, como resposta às necessidades de manutenção dos canais de navegação; procurei, ademais, deixar também em registo a necessidade urgente de uma mudança na política de distribuição desses mesmos dragados portuários, já que estes ao serem vendidos, isto é, ao saírem da orla litoral nunca mais poderão cumprir a missão de formarem dunas nem robustecerem praias. Ora é precisamente por estes factos que teimo em afirmar que, esta actividade económica, embora decorrendo na maior das legalidades, constitui efectivamente um grave atentado ambiental pelo défice de areias que induz na costa portuguesa, à data extraordinariamente erodida.

            Também no referido capítulo de “A Praia dos Tubarões” foi abordada a extracção ilegal de areias em depósitos consolidados afastados da linha de costa, frequentemente florestados, alguns deles no nosso concelho, flagrantemente localizados nas proximidades do centro da cidade. Nestes locais será pela calada da noite que a areia é abusivamente carregada e despachada também para fora do circuito litoral, numa acção de delapidação de um recurso natural não renovável, que por tal motivo deveria merecer uma atenção muito cuidada por parte dos governantes locais, algo que infelizmente parece não estar a acontecer. Estes depósitos de areia, refiro também num outro capítulo do mesmo livro, deveriam ser hoje preservados, já que num futuro próximo poderão vir a ser necessários para abastecimento das nossas praias e dunas.

             O presente texto pretende abordar um terceiro cenário, diferente dos dois anteriores, mas composto por elementos de ambos: a legalidade dos actos comerciais, por um lado e os depósitos arenosos florestais, por outro.
             Vem isto a propósito do empreendimento em curso na zona florestal a norte da cidade e que inclui a construção do Pavilhão Multiusos (Sportsforum), um projecto que à partida parece vir a ser de grande interesse para o desporto e para a cidade de Ovar. Efectivamente são cerca de 240 000 metros quadrados de floresta derrubada surgindo em seu lugar um pavilhão, várias lojas e algumas salas de cinema, segundo consta. Mas é também daqui, desta enorme clareira que está a ser retirada areia, muita areia, a qual empilhada no local forma já um autêntico cordão dunar. 
              E qual será o destino de toda esta areia que, segundo parece, não é propriedade dos investidores mas sim da Câmara Municipal de Ovar?
              Não será muito difícil admitir que a mesma deverá vir a ser comercializada, seguindo os circuitos habituais neste poderoso segmento de mercado. Se assim vier a acontecer, mais uma vez, algo está mal nesta visão de gerir os bens públicos, pois como referi antes, esta areia (que outrora foi areia de praia tendo sido retida ao longo dos anos pela mata) deveria hoje voltar novamente ao litoral para minimizar os efeitos da erosão costeira.

               Deste modo sugiro a quem tem a posse destes areeiros, precisamente a Câmara Municipal de Ovar, que procure fazer uma utilização racional desta areia, utilizando-a na reconstrução do cordão dunar ovarense.
               Uma iniciativa destas, devidamente planificada, além de pioneira, marcaria uma verdadeira mudança no estilo de liderança autárquica vigente nos últimos doze anos, pautado este, entre outros, por uma insensibilidade perante a contínua degradação do litoral vareiro e uma incapacidade de um diálogo construtivo no sentido de uma melhor resolução dos problemas costeiros.

 (Artigo publicado a 20.04.06 no Jornal de Ovar)



04.05
A propósito do Dia Mundial das Aves (9 de Maio) e do Dia Internacional para a Diversidade Biológica (22 de Maio)


       As aves desde sempre atraíram o homem, quer pelos seus voos majestosos, quer pelas suas plumagens atraentes, quer ainda pelos seus magníficos cantos. Contudo, a importância que as aves representam para os homens vai muito para além destas características primárias que as tornaram deste modo seres apetecíveis a uma convivência doméstica. 
       Perseguidas ilegalmente sempre que a sua dieta alimentar inclui espécies com interesse para o homem, perseguidas também ilegalmente sempre que sobre elas pendem crenças obscuras, ou perseguidas simplesmente porque pertencentes a um grupo de seres relativamente aos quais o abate é permitido por lei, as aves que não gozando do estatuto de «domésticas» e que por isso fazem parte da fauna selvagem têm vindo a sofrer fortes declínios populacionais um pouco por todo o mundo.
       
A importância das aves na agricultura e na silvicultura

        É conhecido de todos que quer os campos incultos quer os campos cultivados, as searas, as florestas, as hortas e os jardins são locais onde abundam para além de muitas sementes de ervas daninhas uma multidão de insectos. Ora, são estes dois elos orgânicos que constituem a base da dieta alimentar de um grande número de espécies de aves.
         Entre nós, os indivíduos adultos de várias espécies como os pombos-bravos, os pardais ou os tentilhões figuram entre as espécies granívoras, enquanto as formas juvenis destas mesmas espécies, as andorinhas, os andorinhões, os chapins e as toutinegras pertencem ao grupo dos consumidores de insectos.
Saindo fora das nossas fronteiras lembremo-nos da grande variedade de insectos existentes por todo o mundo, especialmente abundantes nos países tropicais e equatoriais (só na Índia já se encontraram mais de 30 000 espécies), bem como, a sua enorme capacidade reprodutora (um só casal numa única estação reprodutora pode chegar a produzir várias dezenas de milhar de descendentes) e a sua enorme voracidade (uma só larva pode ingerir por dia uma quantidade de carne duzentas vezes superior ao seu peso inicial). Além do mais, os insectos constituem frequentes pragas (as nuvens de gafanhotos, por exemplo, chegam a encobrir a luz do Sol destruindo em apenas algumas horas toda a vegetação existente numa extensão de vários quilómetros), conduzindo à destruição das culturas e das madeiras e a enormes prejuízos económicos, pelo que será difícil imaginar o sucesso da agricultura, bem como, a sanidade dos povoamentos florestais sem as aves insectívoras.
Por incrível que possa parecer, até pelas falsas ideias que proliferam entre algumas populações campesinas, que vêem nestas aves atributos malignos, as corujas, os mochos e as aves de rapina diurnas são igualmente um auxiliar precioso do agricultor na medida em que exercem um controlo muito apertado sobre as populações de roedores, os quais podem representar também sérias pragas em algumas regiões do globo.


Relação custo/benefício das aves

         As ideias expostas parecem não deixar dúvidas sobre o papel benéfico das aves na rentabilidade das actividades agrícolas e florestais humanas. Contudo, não deixa de ser também uma verdade que em certas regiões e durante determinados períodos de tempo pode ocorrer um excesso de indivíduos de uma dada espécie ornitológica (excesso de pardais ou de estorninhos, por exemplo) conduzindo a um desequilíbrio nos ecossistemas.
No entanto, será bom não esquecer que estes excessos a acontecerem devem-se ao facto de actualmente, com o intuito de se obterem mais alimentos, se praticarem monoculturas diversas (pinhais, eucaliptais, searas, monoculturas específicas) em vez do que seria ecologicamente sustentável que seria o fomento da diversidade de culturas, permitindo a ocorrência de diferentes nichos ecológicos (como por exemplo acontece com a floresta caducifólia). De facto, a monocultura intensiva ao disponibilizar um determinado tipo de alimento promove o rápido crescimento populacional de uma dada espécie de aves: a espécie melhor adaptada e mais competitiva por esse mesmo alimento. 
Se a abordagem feita sobre o papel das aves terrestres na economia humana se revela de um interesse particular, o papel das aves marinhas e aquáticas no equilíbrio dos recursos pesqueiros oceânicos e lagunares é igualmente significativo. Gansos-patolas, tordas-mergulheiras e airos são algumas das espécies que no mar são responsáveis pelo controlo das populações de peixes enquanto garças, maçaricos, patos e galeirões cumprem as suas funções reguladoras nos ecossistemas de água doce.
A exploração intensiva de determinadas espécies piscívoras (espécies com valor comercial) conduz não só à redução destes stocks, como também, à redução de determinadas populações de aves que delas se alimentam. Em compensação, assiste-se ao crescimento de outras populações de aves, mais competitivas face às espécies piscívoras menos capturadas, conduzindo mais uma vez a desequilíbrios nos ecossistemas.

Assim, poder-se-à afirmar em termos conclusivos e no sentido de reconhecer às aves o seu importante papel na conservação dos ecossistemas humanos, que é absolutamente crucial que se proceda a investigações cuidadas sobre as mesmas e sua ecologia, de modo a esbaterem-se de forma conveniente os conflitos entre as aves consideradas «nossas aliadas» e as aves consideradas «nossas inimigas».

(Artigo publicado a 25.05.06 no Jornal de Ovar)


02.07
A propósito do Dia Nacional da Conservação da Natureza: APPFC, ICN & CMO


        É já no próximo dia 28 do corrente mês que mais uma data ecológica surge no calendário nacional – o dia dedicado à conservação da natureza, que o mesmo quer dizer, à conservação dos recursos naturais existentes no planeta, muitos dos quais de reposição demorada e por conseguinte ditos não renováveis. Florestas, animais selvagens, espécies piscícolas, minérios ou combustíveis fósseis são alguns dos recursos que o homem tem vindo a explorar frequentemente de forma irracional tendo já conduzido à extinção de muitas espécies vivas, colocado outras em vias de extinção e em estado de grande vulnerabilidade, muitas mais.
        Falar de conservação da natureza e de conservação dos recursos naturais seria falar, por conseguinte, entre outros, de personagens que afirmam ter grandes preocupações ambientais e que simultaneamente, pelos cargos que ocupam, reúnem capacidade de intervenção em prol dessas mesmas preocupações, com competências para corrigir o que está mal ou tentar melhorar aquilo que merece cuidados. Contudo e infelizmente, este é o falatório que menos interessa recordar, numa época de líderes e gestores públicos, para a maioria dos quais o ambiente é efectivamente menosprezado e se fala de políticas ambientais apenas para dar um ar “democrático” à causa, assumindo-se, deste modo, uma postura “politicamente correcta”.
        Assim, falar de conservação da natureza e de conservação dos recursos naturais é importante, muito importante mesmo, mas desde que em torno de personagens que demonstram efectivamente coragem em levar à prática os seus discursos sobre a resolução dos problemas no âmbito das suas áreas de intervenção. Vem isto a propósito de uma ideia lançada há doze anos e apelidada de “Área de Paisagem Protegida da Foz do Cáster” (a partir daqui referida como APPFC). Uma ideia para conservar um rincão de território da beira-ria no concelho ovarense e que foi a essa data proposta à Câmara Municipal de Ovar (a partir daqui referida como CMO), para ser concretizada em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza (a partir daqui referido como ICN).
        A APPFC pretendia ser a figura jurídica que iria permitir preservar as Moitas e Marinhas de Ovar (localizadas na parte sul do concelho, em plena área da Ria de Aveiro), com todos os recursos naturais a elas associados. De facto, entre os objectivos que se pretendiam alcançar com esta área protegida, contavam-se a garantia da manutenção da nidificação de várias espécies de aves vulneráveis, entre as quais, a águia-sapeira (Circus aeruginosus) e a garça-vermelha (Ardea purpurea), bem como, o ordenamento do local para a promoção da educação ambiental e do turismo ”verde”.
        E o que foi feito, então? Após o interesse inicial (pelo menos aparente) por parte da CMO na ideia, e logo após a visita de alguns técnicos do ICN que demonstraram grande satisfação pela área visitada e pelos recursos que esta apresentava, garantindo ter a mesma condições para poder usufruir do estatuto de APPFC, simplesmente, o projecto desapareceu... desapareceu dos interesses municipais sem qualquer justificação... desapareceu, porque decerto alguém, pelo cargo que ocupa, decidiu engavetá-lo nalgum gabinete dos Paços do Concelho vareiro. Contudo, é importante salientar que com mais este imprudente desleixo da CMO... desapareceu a importante colónia de garça-vermelha que à data existia no local.
São exemplos destes que reforçam, assim, a malfadada verdade contida no segundo parágrafo deste texto e que obrigam aqueles que desejarem fazer a diferença a enquadrar-se antes na letra do quarto parágrafo, para um dia poderem afirmar que no âmbito das suas responsabilidades também contribuíram decisivamente para a conservação da natureza e dos recursos naturais da sua região.
A natureza ovarense agradecerá.
        
(Artigo publicado a 13.07.06 no Jornal de Ovar)


01.09
A propósito do Dia Internacional da Limpeza das Praias


Por certo que, na mente ou nas mentes de quem idealizou um dia especialmente dedicado a esta temática, não estaria, como objectivo principal do mesmo, fazerem-se ouvir meras declarações públicas institucionais, o anúncio de um conjunto mais ou menos elaborado de boas intenções inconsequentes ou até mesmo a demonstração pública de uma qualquer coreografia realizada à beira-mar. Creio não errar ao afirmar que, em vez disso, se pretenderá com esta comemoração definir um conjunto, mesmo que simples, de intervenções a serem efectivamente levadas à prática, no sentido de se melhorar a qualidade das areias e da água das praias em todo o mundo.
Mundo esse onde estamos nós. Nós, habitantes de Portugal e concretamente do concelho de Ovar. Nós, juntamente com os nossos representantes do Poder Local, escolhidos como os melhores para servirem o Bem Público da nossa terra. Contudo, a realidade deixa de ser o que deveria ser, para ser aquilo que infelizmente é. E então, o que constatamos nós, ovarenses?
Todos os anos ao abrir oficialmente a época balnear e em plena praia soam de forma desconcertante discursos, com pompa e circunstância, proferidos por responsáveis – os senhores das praias - enquanto Bandeiras Azuis são hasteadas ao som das palmas inocentes batidas pelos meninos e meninas que para lá são conduzidos, com o intuito de dar cor e moldura ao cenário. Fotografias, reportagens na imprensa, muitos registos para a posteridade. Tudo muito bonito, obra feita têm a descaradez de dizer alguns, mas... o lixo ou as descargas de águas sujas provenientes da Barrinha de Esmoriz, parecem ser a partir dessa mesma data condição sine qua non para se manter a tradição, que o mesmo é dizer, o cartaz turístico vareiro oferecido em pleno período de veraneio.
E este cartaz turístico é uma chatice. Uma chatice, pois os efluentes acabam por ficar muitos dias nas praias do concelho, mais ou menos diluídos, com mais ou menos coliformes fecais, mas sempre, sempre, a colocarem em risco a saúde das pessoas e a contaminarem as praias.
        Mas a seguir vem o pior. Pois, se entretanto e perante tal cenário há alguma alma deste rincão português que clama com motivos mais do que justos que a água do mar cheira mal ou que a areia da praia está suja, ouve-se invariavelmente da parte dos responsáveis, que são acusações injustas, que não é da responsabilidade deles, que não têm competências, que a culpa é de desconhecidos, blá, blá, blá, ... blá, blá, blá. Isto acontece porque simplesmente estes “senhores das praias” se “esqueceram” de que poluição das praias constitui um problema de saúde pública e não um obstáculo político-partidário a contornar. “Esqueceram-se” estes senhores que, saúde pública e qualidade do ambiente constituem assuntos com os quais, certamente, se comprometeram quando assumiram os respectivos cargos.
Ninguém pede que os problemas das praias se resolvam todos, do dia para a noite. Mas nada justifica que, alertados para os diferentes problemas ambientais associados à qualidade das praias, os responsáveis queiram arrastar eternamente, ano após ano, o adiar de soluções, culpabilizando terceiros sempre que um acidente ambiental acontece, como seja a abertura extemporânea da Barrinha de Esmoriz.

Seria bom, de facto, que os responsáveis pelas praias do concelho de Ovar fizessem o favor (leia-se antes, o dever) de no próximo ano falarem de qualidade das praias, associando a este conceito a exposição da dita Bandeira Azul, somente quando diariamente houver a certeza de que os parâmetros mais sumários (cor, aspecto e cheiro) das águas do mar estiverem em conformidade. É necessário ter a honestidade de arriar a Bandeira Azul e manter hasteada a Bandeira Vermelha sempre que se constatar que a água do mar se encontra suja ou de aspecto duvidoso.
A terminar este artigo dedicado ao Dia Internacional da Limpeza das Praias, assinalado no próximo dia 22 do corrente mês, lembro, que já decorreu tempo mais do que suficiente e acidentes ambientais mais do que numerosos na costa ovarense para que se tivesse tido a iniciativa de reduzir o intervalo de tempo que medeia a recolha de amostras nas praias do concelho, aumentando, assim, a confiança nos resultados oferecidos aos utentes destas praias tão permeáveis a factores ambientais negativos.

 (Artigo publicado 07.09.06 no Jornal de Ovar)


17.09
A propósito do Dia Mundial do Habitat


         2 de Outubro de 2006, Dia Mundial do Habitat. Um dia especialmente dedicado à preservação do “lugar” onde habita uma dada espécie; do lugar onde os organismos de cada espécie animal ou vegetal vivem, quer sob a forma de comunidade quer sob a forma de população. Caniçais, dunas costeiras ou escarpas de ilhas oceânicas são apenas três dos variadíssimos espaços existentes no planeta Terra, onde conjuntos determinados de organismos vivos precisam impreterivelmente de assentar “lugar”. Organismos esses que nestes três casos específicos poderiam bem ser, por exemplo e respectivamente por sequência, a garça-vermelha, o estorno e o airo-comum.
         2 de Outubro de 2006, um dia que servirá, então, para uma reflexão profunda sobre as estratégias usadas ou a usar de modo a conseguir-se fazer a conservação dos espaços biofísicos do planeta e consequentemente a conservação das espécies que os ocupam; um dia que servirá contudo, noutros casos, para finalmente dar ‘o primeiro passo em frente’ na adopção de uma política de ambiente ou para, pelo contrário, abandonar metodologias de inércia e inconsequentes.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, comemorar os 25 anos de trabalho em prol da preservação do arquipélago das Berlengas (a Reserva Natural das Berlengas), um espaço biofísico tão importante para as aves marinhas e cuja conservação tem sido possível graças a um trabalho de parceria levado a cabo entre o Instituto de Conservação da Natureza e a Câmara Municipal de Peniche.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, rejubilar perante iniciativas autárquicas em prol do ambiente, como as da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que entre outras, criou o Parque de Dunas da Aguda, numa estratégia de educação e de protecção dos habitats costeiros e das espécies que neles vivem.
          2 de Outubro de 2006. Neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ é, por exemplo, lamentar a falta de iniciativa da Câmara Municipal de Ovar em levar por diante a valorização e conservação da zona lagunar do concelho (repleta de habitats), nomeadamente ao virar as costas ao projecto de criação de uma área protegida.

         ‘Habitat’, uma só palavra mas plena de conteúdo, pois encerra em si todo um conjunto, muito diverso, de condições ecológicas características do local ocupado por uma dada espécie. E é importante referir que ao falar de ‘espécie’ não se deve reduzir este conceito somente aos animais inferiores ou às plantas; pelo contrário, o conceito tem a ver também connosco, ele é inerente ao homem, como espécie entre as demais. Assim, a cidade ou a aldeia, o bairro A ou o bairro B, a casa rural ou o apartamento urbano, etc, constituem também eles exemplos de ‘habitats’.
         Habitats humanos, que cada um de nós procura preservar, porque deles depende para viver, tal e qual como acontece no mundo dos seres vivos inferiores; vida essa que cada um de nós pretende levar com a máxima qualidade possível, tal como de forma instintiva, o fazem os seres vivos inferiores.
         Habitats humanos que, contudo e frequentemente podem ver-se ameaçados, tal como acontece no mundo das espécies irracionais e inconscientes; ameaçados, por exemplo, por factores ecológicos naturais incontornáveis, como seja, o avanço das águas do mar sobre a faixa costeira.
          Deste modo e neste dia, reflectir em Portugal sobre a importância dos ‘habitats’ passará também e obrigatoriamente por um esforço em tentar compreender as razões incongruentes assumidas pelas instituições governamentais a diferentes níveis, quando são capazes de demonstrar total insensibilidade perante a segurança dos ‘habitats’ humanos, que o mesmo quer dizer, perante a segurança de pessoas e bens (como exemplo, atente-se na extraordinária demora experimentada no realojamento dos moradores do bairro piscatório de Esmoriz, um ‘habitat’ indubitavelmente de alto risco).
          
           2 de Outubro de 2006. Face aos casos apresentados, reflectir em Portugal neste dia, sobre a importância dos ‘habitats’ deverá ser também uma ocasião para uma auto-análise por parte dos gestores ambientais no que respeita ao desempenho das suas funções. Uma auto-análise e uma auto-crítica, que em alguns casos deveriam conduzir à abdicação de cargos, sempre que a falta de vocação para a gestão ambiental se torne por demais evidente.


 (Artigo publicado a 05.10.06 no Jornal de Ovar)


18.10
Os novos incendiários

Como se não bastassem as tristes estatísticas de carácter sócio-económico que nos últimos anos têm revelado estar Portugal na cauda da Europa, surgem ainda, como agravante, os números negros da actividade incendiária no nosso país. Números que excluem, claramente, factores casuísticos como estando na base desta calamidade; números que excluem, seguramente, o significado da intervenção deste ou daquele deficiente mental ou deste ou daquele pirómano, como estando na base de tamanha criminalidade. Pelo contrário, o terror a que se assiste, de norte a sul do país, todos os anos nos períodos quentes, mais parece estar relacionado com planos criminosos bem arquitectados, com uma actividade mafiosa que tenta dissimular-se à sombra dos discursos ministeriais em prol de mais protecção, de mais aviões, de mais corta-fogos, de mais viaturas anti-fogo, etc, etc, etc.
Como se não bastasse a apocalíptica destruição que tem ocorrido de forma generalizada pelas matas plantadas nas serranias e vales deste país, assistimos agora a uma nova vaga de destruição direccionada para as matas litorais. Trata-se da desafectação crescente das áreas florestais, de que Ovar se deverá orgulhar obrigatoriamente por ser um dos concelhos líderes nesta matéria.

A pretexto do desenvolvimento do concelho ovarense, que por muito esforço que se faça não se consegue perceber como e onde, os líderes políticos locais deixam que a mata litoral que se estende por todo o concelho vá sendo esventrada. Sportsfórum, Dolce Vita, hipismo, ténis, golfe, enfim, tudo aquilo que não interessa ter a custo da destruição de uma riqueza natural que esses mesmos líderes nunca souberam valorizar.
Creio que qualquer dos nossos vizinhos mais próximos, espanhóis e marroquinos, estão bem mais sensibilizados para a preservação dos seus espaços verdes do que nós. Espanha, porque não só tem uma grande porção do seu território com estatuto de protecção, mas sobretudo porque tem uma política nacional de ambiente articulada com as políticas das comunidades locais; Marrocos, porque sendo um país seco e árido tem naturalmente a preocupação de salvaguardar todos os oásis e jardins que possui.
Nós por cá é que não, pois queremos marcar a diferença.

Todas aquelas infra-estruturas que atrás citei, pensadas para Ovar e que poderiam muito bem ser construídas em terrenos sem qualquer valor natural (valorizando assim esses mesmos terrenos) vão, numa iniciativa de puro empreendedorismo cego (ou de qualquer outra forma de sentimento de... desprezo por Ovar), ser construídas no lugar onde antes se encontravam árvores centenárias, verdadeiros “pulmões” do concelho.
É caso para dizer, viva a diferença!

Vêm estas considerações a propósito de recentemente a comunidade ovarense ter sido informada pelos media locais de que havia sido aprovado por unanimidade em reunião de Câmara o “Ante-Plano do Plano de Pormenor do Centro Hípico Equestre do Furadouro”. Há muito, muito tempo que tal assunto não vinha sendo mencionado nos meios de informação, aparentemente quase parecia esquecido, muito provavelmente porque dada a delicadeza do assunto se entenderia, por bem, não haver vantagem em “fazer muitas ondas” em torno deste projecto, que implica desafectações à Reserva Ecológica Nacional e ao Regime Florestal.
Para quem possa andar mais distraído, ouvir falar deste projecto poderá induzir àquela ingénua sensação de se pensar que finalmente vai ser levada à prática uma iniciativa em prol da população de Ovar, uma iniciativa que poderá permitir, quanto mais não seja, aos mais jovens, aos filhos e netos vareiros poderem usufruir de uma actividade desportiva, habitualmente dispendiosa e por conseguinte muito pouco praticada no nosso país. 
Pois enganem-se os pais e os avós desta terra. Podem mesmo “tirar o cavalinho da chuva”, pois, por detrás da designação deste pomposo projecto está, nada mais, nada menos, do que...ora adivinhem lá?...se não conseguiram adivinhar eu digo...mais um projecto imobiliário para construção de habitações de luxo predominantemente do tipo unifamiliar.
Refira-se que esta ideia já não é nova e já teve até outros projectos percursores que, felizmente nunca saíram do papel.

De facto, um projecto desta natureza, centrado à partida em torno do hipismo, poderia enquadrar-se bem na paisagem de uma mata, caso esta não constitui-se, à presente data, a única forma de travar naturalmente o desgaste do campo dunar litoral e por conseguinte necessitar obrigatoriamente de estrita protecção.

Não está em causa a aceitação de projectos que possam trazer desenvolvimento para o concelho, antes, a forma como se faz a aceitação dos mesmos. O concelho de Ovar tem, por certo, entre as suas diferentes freguesias muitos espaços baldios propícios para a instalação de um projecto desta natureza, sem que o mesmo ponha em causa o equilíbrio natural da zona de implantação. Mais, Ovar tem superfícies, outrora industriais, hoje infelizmente devolutas e que poderiam ser reconvertidas para a concretização deste (ou de qualquer outro futuro!) novo projecto.
 Falemos claro.
 Estamos em Portugal e não em Inglaterra, Nova Zelândia ou Argentina, onde os desportos equestres são múltiplos e tradicionais, fazendo parte da própria herança cultural desses povos. Estamos em Ovar e não no Estoril ou no Algarve, onde o fluxo de turistas ou utentes deste tipo de infra-estruturas pode manter alguma afluência e regularidade proporcionando divisas à região.
  Falemos claro.
        Este projecto equestre assenta em 6 pólos (4 pólos residenciais, o pólo hoteleiro e o pólo dos equipamentos) todos com espaços comerciais, arruamentos e passeios associados. O denominado pólo de equipamentos engloba, aquilo que à partida é o chamariz do projecto (em termos de marketing, entenda-se) - o centro hípico e a área destinada ao ténis.
Contudo, uma análise do projecto permite constatar que entre a versão proposta pelos seus promotores em 2005 e aquela que foi proposta este ano houve, claramente, uma inversão no que respeita ao objectivo principal do mesmo – a promoção das actividades hípicas. De facto, e no que toca a equipamentos desportivos, a nova versão suprime a estrutura destinada à prática do Pólo, bem como, reduz para metade o número de courts de ténis; ou seja, verifica-se uma redução de cerca de 30% na área de parcelas destinada aos equipamentos desportivos.
Pelo contrário, entre as duas versões, a área das parcelas para habitação unifamiliar aumentou em mais de 150%, com o número de fogos a aumentar em cerca de 40%.
Um outro dado curioso do projecto parece revelar, muito bem, as reais expectativas dos seus promotores. Assim, a área do pólo hoteleiro diminuiu, entre as duas propostas, em cerca de 35%, sendo acompanhada de uma diminuição de mais de 15% no número de camas.
Falemos claro.
Não queiram atirar areia para os olhos dos munícipes. Este projecto poderá, a muito curto prazo, ficar reduzido à componente habitacional de luxo numa zona privilegiada de mata; que o mesmo é dizer a uma habitação de grande privacidade e simultâneamente muito próxima do mar, da Ria, da auto-estrada, do Casino, da cidade do Porto, do Europarque, etc, etc. De uma habitação, cujos proprietários quererão rasgar novas vias através da mata para chegarem mais rapidamente a Ovar ou a outro qualquer destino. De proprietários que se assim o desejarem (e apesar de proibitivo) poderão cruzar a mata a seu bel-prazer, longe da vista de todos, em veículos todo-o-terreno, sem respeito pela integridade do ecossistema.
Enfim, sem se vislumbrar que contrapartidas de efectivo desenvolvimento trará para o concelho, este projecto prepara, sem dúvida, a destruição de um secular recurso natural da região.  

Falemos claro.
A classe política de Ovar, seja qual for a sua cor, foi eleita para cuidar do bem público e para promover o desenvolvimento e bem estar dos munícipes locais; esta obrigação não implica, de modo algum, que se tenha que desencadear a delapidação dos recursos naturais e paisagísticos herdados, bem pelo contrário.
Segundo a ordem lógica, e por conseguinte esperada, para a evolução deste processo, ainda nada estará definitivamente decidido quanto à exequibilidade deste projecto, de consequências ambientais muito negativas. Caberá, então, à autarquia ovarense saber gerir esta iniciativa em nome do desenvolvimento sustentável do concelho, nomeadamente, ao disponibilizar outro espaço territorial para a implantação desta obra.

 (Artigo publicado a 02.11.06 e a 09.11.06 no Jornal de Ovar)



07.11
Seminário “Protecção do Litoral – Educação para o Desenvolvimento Sustentável”


Organizado pelo FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens) e realizado no passado dia 03 de Novembro no Salão Nobre da Câmara Municipal de Ovar, este seminário contou com a presença, entre outros, de duas personalidades de quem à priori se esperavam importantes considerações; eram elas, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades e um especialista em engenharia costeira e professor na Universidade do Porto. Ambos os personagens poderiam, efectivamente, ter dado um grande contributo no esclarecimento daquilo que irá ser feito a breve prazo para protecção do litoral português e concretamente do litoral ovarense.
Da parte do Secretário de Estado nada foi adiantado, infelizmente, sobre a nova estratégia do litoral para 2007, pese embora e segundo o mesmo, esta mesma estratégia ainda vir a ser revelada durante o mês de Novembro; foi, contudo, adiantado por este membro do governo que o orçamento previsto não irá chegar para resolver todos os problemas da orla costeira.
Da parte do professor especialista em engenharia costeira e que segundo o mesmo tem coordenado vários grupos de trabalho sobre gestão do litoral ao longo dos sucessivos governos, tendo contribuído, desse modo, para o aparecimento de múltiplos documentos legais sobre a mesma matéria, também nada foi referido quanto a novas estratégias a aplicar sobre o litoral português; pelo contrário, quando confrontado com a falta de coragem que tem existido em Portugal para substituir as intervenções da “pedra” por intervenções eficazes, o professor quis de uma acentada pôr por terra todas as opções alternativas que são defendidas em “A praia dos tubarões”, cantarolando a costumeira “canção do ceguinho”, de que a nossa costa é tão agitada que nada resulta a não ser pedra. Era tão bom que este senhor professor abrisse os olhinhos quando anda lá por fora a viajar e a palestrar em congressos e trouxesse para Portugal aquilo que se faz noutras paragens e em costas bem mais agitadas que a nossa. Era tão bom!
Uma das participações técnicas mais relevantes do evento foi logo a primeira, realizada por uma docente da Universidade Nova de Lisboa, subordinada ao tema “O projecto europeu de Desenvolvimento Sustentável”. Nesta comunicação ficou bem notório, sobretudo para quem anda menos atento a esta problemática, o grande fosso existente entre os objectivos delineados na Estratégia Europeia para o Litoral e o que efectivamente foi concretizado no nosso país até ao presente. Não restam dúvidas de que há, de facto,  um enorme percurso a percorrer. Um percurso que tem que começar, sem dúvida, na mudança de perfil dos actuais gestores do litoral. 
Um segundo momento importante neste seminário ocorreu com a apresentação dos projectos de Educação para o Desenvolvimento Sustentável desenvolvidos por alunos e professores de algumas escolas do concelho, no âmbito de um trabalho mais amplo, que o FAPAS vem implementando de modo análogo com várias outras escolas do país. Os referidos projectos, desenvolvidos pelas escolas   ovarenses, denotam a preocupação geral das comunidades educativas por questões tão importantes, como a conservação do ecossistema dunar.
O terceiro momento significativo deste seminário ocorreu no dia 04 de Novembro aquando da visita guiada pelo litoral do concelho. De facto e pese embora o tempo chuvoso que se fazia sentir nesse dia, os participantes na visita – aqueles que realmente se interessam por conhecer a realidade do litoral e que por tal razão trocam de bom grado o fato e a gravata pelo corta-vento e pelas sapatilhas - puderam apreciar no terreno como o litoral de Ovar está a desaparecer. A desaparecer, não ao ritmo anunciado numa das intervenções do dia anterior (informação descontextualizada que se baseou em valores citados na pág. 85 de “A praia dos tubarões”), mas a um ritmo bem maior (fornecido este, na pág. 87 do mesmo livro) e com consequências desastrosas para a manutenção do ecossistema costeiro.
Os participantes na visita constataram, ainda, como os diferentes factores, naturais e antrópicos, interferem na dinâmica do litoral arenoso, além de terem constatado ao vivo as perigosas plataformas de galgamento existentes em torno do Furadouro, as construções recentes em zonas de alto risco e o avanço impressionante do mar em Maceda, devido à acção nefasta dos esporões. A visita terminou na praia de Esmoriz com a visualização de fotografias antigas da praia e da Barrinha, antes de as mesmas terem chegado ao estado calamitoso em que se encontram.
Estão de parabéns o FAPAS e todos aqueles que se inscreveram entusiasticamente no seminário para aprenderem mais sobre Protecção do Litoral. Pelo contrário, não podem estar de parabéns aqueles que não quiseram dar a informação que todos esperavam ouvir, nem aqueles que continuam a ter medo de ajuizar em público se as situações existentes no terreno estão bem ou mal. Esperemos, também, que num próximo seminário sobre esta temática, todos os oradores (investigadores?) procurem que os seus “Power Point”s não se resumam a dados, fotos e mensagens já conhecidos e publicados por outros investigadores (abusivamente não referenciados, como vem sendo costumeiro)! 
Por último, não posso deixar de referir e de louvar aquele que foi efectivamente o primeiro painel deste seminário, porque introduzido antes da ordem do dia e que eu tomo a liberdade de caracterizar como o painel dos «porquês?». Sob a forma de desdobrável distribuído a todos os que acorriam ao local, o painel dos «porquês» traduziu o descontentamento da população ovarense atenta às práticas irresponsáveis da administração central e local no que se refere à gestão da zona costeira; daquela população que não tendo tido condições para conquistar um assento no salão nobre sente o dever de alertar que iniciativas destas não podem servir para tentar branquear a escuridão da incompetência. Um painel que levantava questões tão importantes, como: desbaste do pinhal de Ovar e da mata da Bicha, porquê? Ria de Aveiro, assoreada e abandonada, porquê? Continuação da construção na orla costeira, porquê? Corte das verbas para o ambiente, porquê? Olhos fechados à extracção ilegal de areias, porquê? Populações piscatórias em risco, porquê?
E foram estes «porquês» que ficaram sem resposta nessa sexta-feira, após uma maratona de quase doze horas de muito se ter falado, discursado, falado, discursado.... vai-se lá saber para quê!!!
E a todos um Bom Natal.

(Artigo publicado a 07.12.06  e a 14.12.06 no Jornal de Ovar)




2007

25.01
De Ovar à Caparica


De Ovar à Caparica dista apenas a distância de uma bofetada de luva branca.
A 4 de Dezembro do ano findo - no decurso do Fórum realizado pelo FAPAS em Ovar sobre os problemas da zona costeira - após ter sido por mim interpelado acerca da necessidade urgente de se proceder à alimentação, com areia, das praias do concelho face ao avanço dramático do mar e à ineficácia das obras em pedra construídas, o eng.º Veloso Gomes, consultor do INAG (entidade responsável por todas as intervenções no litoral português) e um dos oradores do dia procurou contrariar esta ideia, empregando para isso argumentos da maior debilidade e credibilidade. Acredito, contudo, que com esta sua argumentação frágil pretendesse apenas estar em sintonia com a retórica do seu anfitrião, o qual momentos antes e em jeito de abertura do fórum tinha falado de “alarmismos exagerados da parte de alguns” e de “as opções alternativas propostas serem pouco credíveis”. Na altura ficou por se saber a quem se referiria este senhor, mas hoje sabemos todos que se cumpriu o velho ditado popular que diz que “pela boca morre o peixe”.
É que duas semanas depois destas posturas críticas, assumidas de forma excitada naquele fórum, o mar atacou na costa da Caparica destruindo o cordão dunar e pondo em risco infra-estruturas de apoio. De imediato e para espanto de quem acompanha de perto esta problemática assistiu-se ao anúncio nos media por parte da presidência do INAG (Instituto da Água) de que, como medida de intervenção urgente, seria feito o reforço do cordão dunar com, imagine-se, ... areia (lembremos que a estratégia desta entidade ao longo dos anos foi sempre de desprezo por esta opção da alimentação artificial em prol da construção de defesas em pedra). Finalmente, a revolução de ideias havia chegado ao litoral! Mas o mais incrível estava para se ver e ouvir. Um ou dois dias depois deste posicionamento do INAG vem também à TV o referido engenheiro, consultor do mesmo instituto e que com a maior das naturalidades defende então aquilo que em Ovar havia condenado - a alimentação artificial das praias e a necessidade de abandono da frente litoral!
A importância desta postura contraditória (e simultaneamente patética) teria sido minimizada, passado mesmo despercebida, caso a mesma não tivesse representado uma enorme bofetada de luva branca naquele que levianamente continua a demonstrar não ter “dentes para as nozes que lhe são oferecidas”. Para aquele que há muito tempo, porque suficientemente alertado e documentado com estudos científicos locais, poderia ter sido o principal sujeito na reivindicação para o litoral ovarense destas intervenções agora desencadeadas na área da grande capital. São precisamente os 3 milhões de metros cúbicos de areia que na Caparica vão ser depositados de forma determinada que tanta falta fazem ao litoral do nosso concelho.
É com tristeza que se constata que, enquanto as autarquias (salvo honrosas excepções) continuarem a assumir posturas destas (como aquela assumida pela edilidade vareira a 4 de Dezembro) o país continuará dividido somente em duas grandes regiões geográficas: uma, a grande capital e a outra, a enorme paisagem! E não é isto que eu quero como cidadão e como munícipe que pago todos os impostos que me cobram. Não quero ver o município de onde sou natural e onde vivo, sem estratégia de desenvolvimento, sem alma para crescer, sem visão de futuro e com uma memória que se continua a apagar no tempo.
Mas não se pense que tudo foi mau naquele importante fórum. Antes pelo contrário. Este fórum poderá ter sido a gota de água que esteve na origem da reviravolta operada pelo INAG em finais de 2006 sobre como abordar a gestão da orla costeira portuguesa. Uma abordagem que está no começo, pois a metodologia usada terá que ser optimizada.
Pessoalmente congratulo-me com esta viragem na forma de olhar o litoral, que reflecte todo um esforço de vários anos a defender sozinho (e contra aqueles que hoje são adeptos) a alimentação artificial das praias e dunas e a deslocação dos povoados litorais para o interior, contra a mentalidade instituída de incentivo às obras em pedra e ao crescimento urbanístico nas frentes litorais. Uma viragem que permitiu também e subitamente fazerem-se ouvir mais algumas vozes que antes permaneciam caladas e que hoje já defendem, se bem que ainda timidamente, a alimentação artificial. Estou em crer, contudo, que estas vozes irão progressivamente aumentando de número e de tom para bem do litoral português.

(Artigo publicado a 01.02.07 no Jornal de Ovar)


01.05
A propósito do Dia Internacional da Terra


        No passado dia 22 de Abril celebrou-se o Dia Internacional da Terra. Acredito que para a maioria das pessoas esta data seja totalmente desconhecida e para as restantes, acredito mesmo, que a data pouco ou nada diga de concreto. Mas a verdade é que a mesma existe, porque alguém entendeu haver razões para isso. Alguém entendeu (e bem no meu ponto de vista) que a resolução dos problemas ambientais tem de ser encarada numa perspectiva global, balizando, corrigindo e incentivando o contributo dado por cada um em particular. Terá sido com estes objectivos que ocorreu a nascença deste memorial.

Caberá perguntar: qual o contributo dado pelos responsáveis políticos cá de Ovar para esta preocupação mundial? Entre vários outros, há dois que se destacam este ano e por esta ocasião.
        Primeiro contributo. Alguns meses antes desta data comemorativa inicia-se em Ovar, em zona anteriormente florestada e protegida, presentemente desafectada e destruída, a construção daquela que viria a ser encarada, de modo particular pelos autarcas locais, como um marco no desenvolvimento do concelho e uma panaceia para minimizar o desemprego local. Estou a referir-me, evidentemente, ao tão esperado Dolce Vita, uma obra que cresceu numa corrida contra o tempo, como se ela própria do tempo tivesse necessidade de fugir. Mas o que é afinal este Dolce Vita?
        Não é o moderno e espaçoso museu onde o espólio ovarense bem merecia ter assento, nem tão pouco a casa da cultura há tanto requisitada, nem qualquer outra infra-estrutura de desenvolvimento social, cultural ou desportiva vocacionada para usufruto generalizado das colectividades locais ou da população vareira. É antes e tão-somente um centro comercial, associado a uma arena desportiva dita multi-usos (mas efectivamente de uso muito restringido) e baptizada com um nome bastante jocoso (pois Dolce Vita será sem dúvida a dos promotores do projecto, pois tanto quanto é conhecido dos grandes grupos económicos, estes não dão nada a ninguém e quando dão umas migalhas é com o sentido de irem buscar o bolo por inteiro).
E foi assim, entre a correria do povo a este local nos primeiros dias de inauguração, as promoções, a festa, os convidados vip’s e o samba, que o governo local quis mais uma vez fazer esquecer os exemplos de outros aqui bem perto de nós que marcam a diferença pela positiva. Outros que não tendo no seu território apenas um mas vários centros comerciais não necessitaram, contudo, de agredir a natureza desencadeando um processo de destruição maciça dos espaços verdes existentes.
Creio, pois, que este não será de modo algum, um evento que fique para a história por motivos nobres. Tão pouco esta hora é de regozijo, como alguns querem fazer crer.
        Não é de regozijo ver a destruição da mata a norte da cidade, como resultado da voracidade dos grandes grupos económicos, que fazem no Portugal desgovernado aquilo que não podem fazer noutros países, nomeadamente em Espanha.
Não é de regozijo perspectivar que este empreendimento torne mais justificável a ocupação imobiliária entre Ovar e o Furadouro daqueles que foram e deveriam continuar a ser solos florestais.
Não é de regozijo continuar a ver que Ovar não tem um plano estratégico de desenvolvimento sustentável para a sede do concelho.
        Não é de regozijo contemplar a impunidade com que se deixa rasgar uma estrada florestal, à pressa e sem qualquer estudo sobre o impacte ambiental da mesma, transformando aquilo que era um recanto habitacional numa das mais movimentadas vias da cidade.
        Não é de regozijo ver a grande quantidade de areias que foram retiradas dos campos dunares intervencionados, bem antigos e conservados e que estiveram este tempo todo à espera de serem finalmente saqueadas.
        Não é de regozijo, já o tenho afirmado várias vezes, constatar que o ‘ambiente´ ovarense continua a não ter a nível institucional quem por ele olhe.
        É claro que também não é de regozijo ver os números de desemprego na cidade de Ovar. Seiscentos, quinhentos ou até mesmo outro qualquer número menor de desempregados devem constituir sempre motivo de preocupação. Não está em causa a criação de mais postos de trabalho, mas antes, a forma irreflectida como se aceitam as propostas que conduzem à empregabilidade na nossa cidade.
Refira-se, que também não é de regozijo para qualquer ovarense saber que é grande o buraco financeiro herdado por esta câmara e que é difícil fazer obra sem fundos. Mas, de modo algum se pode continuar a pactuar com a política de “dar a mata e cinco tostões” ao primeiro que aparece, como forma de tapar rapidamente esse buraco. Há que arranjar alternativas credíveis, substituindo os métodos politiqueiros do século passado por uma moderna e arejada gestão autárquica.
Resta esperar, que o projecto Dolce Vita depois de ter constituído um elevado custo ambiental, pelo menos traga para Ovar benefícios económicos efectivos resolvendo as situações dramáticas do desemprego. Se assim for poder-se-á justificar, que afinal, Dolce Vita em Ovar não é um enorme elefante branco.
        Segundo contributo. É natural, que ao longo do passado século, os ovarenses tivessem sonhado e arquitectado projectos de desenvolvimento turístico ao longo do litoral do concelho. Mas, o que provavelmente esses sonhadores de então não sonhavam era que o mar estava a tornar-se cada vez mais implacável na sua vontade de avançar sobre terra firme. E assim, ideias tão “bonitas” como aquela de fazer atravessar o cordão frontal por uma avenida marginal, que ligasse o topo norte ao topo sul do concelho, tiveram que ficar com data de inauguração agendada para as calendas gregas.
Vem isto a propósito de que, actualmente, parecem continuar omnipresentes no nosso concelho esse tipo de almas peregrinas, completamente desenquadradas do contexto temporal em que se encontram e até das funções de que estão imbuídas, teimando em levar por diante ideias sem nexo e ambientalmente insustentáveis, como aquela de realizar um projecto turístico para o golfe entre a ria de Ovar e a zona sul do Furadouro. 
Há muito, muito tempo, que venho alertando para o avanço do mar em todo o litoral do concelho, chamando particular atenção, precisamente para a zona localizada a sul do Furadouro. Independentemente da insistência dos autarcas ovarenses em quererem fazer ouvidos moucos dos alertas lançados (uma atitude que só lhes tem trazido desilusões e contrariedades) a verdade é que, como se viu recentemente com a reprovação do referido projecto por parte do Ministério do Ambiente, estes autarcas insistem em continuar a criar situações de risco em vez de as evitarem.

Incrível, não é? É caso para pensar o que levará esta gente a estrebuchar tanto, a clamar justiça e intervenções ao mais alto nível, quando está em causa o ‘chumbo’ de um projecto imobiliário planeado para uma zona de risco... Insistir em edificar sobre a orla costeira, mesmo quando o avanço do mar é cada vez mais evidente... É, sem dúvida, esta teimosia em projectos contra natura que revelam, muito claramente, como algumas pessoas se encontram desfasadas da sua missão sócio-política...

Perante a inviabilização por parte do Ministério do Ambiente do complexo turístico a construir no Carregal, face às previsões que apontam para 2140 o posicionamento da linha de costa neste local, a Câmara Municipal de Ovar reagiu, classificando esta medida como “irresponsável”. Irresponsável porque, segundo a Câmara, este intervalo de tempo de cerca de 130 anos chegaria sobejamente para o projecto em causa atingir os objectivos dos seus promotores!
Não conheço, de facto, quais os objectivos (claramente financeiros, em última análise) dos promotores do projecto. Mas estou seguro de que não seriam precisos 130 anos, nem tão-pouco 30 anos, para o contribuinte anónimo, aquele que não irá usufruir qualquer rendimento do empreendimento em causa, estar a pagar mais impostos por causa deste mesmo projecto. 
É que daqui a 3, 4 ou meia dúzia de anos apenas, quando o mar a sul do Furadouro começar a derrubar os primeiros pinheiros da mata, alguém irá entender com a maior das razões, que o empreendimento turístico estará, então, a ser ameaçado pelo mar e que será necessário reivindicar a construção de mais defesas (em pedra, claro!), custe o que custar. E será nesta altura que entra em jogo o cidadão anónimo; aquele que nunca foi ao complexo jogar uma só partida de golfe, nem fez uso das instalações hoteleiras, mas que agora é “chamado à pedra”.
Chamado à pedra, porque as verbas que são gastas na defesa da costa para proteger empreendimentos bestiais, como este que em Ovar se quer construir, serão subtraídas ao orçamento do Estado (o que implicará menos verbas para a educação, para a segurança social, para a saúde, etc.). E se o orçamento não chegar, sobem-se os impostos e as taxas, disto e daquilo, ou então, cortam-se os subsídios e os apoios, daquilo ou daqueloutro. Sempre tudo muito linear para o cidadão anónimo, como eu.

E dizem os senhores autarcas de Ovar que, não sei quê..., que o PDM diz que aquele território é Espaço Turístico! Pois se diz, não devia dizer! Ou pelo menos não deveria permitir que o uso turístico daquela faixa costeira implicasse edificações fixas do género daquelas que se pretendem para o local.
Um PDM não é, nem nunca foi uma Bíblia. Não é, nem nunca foi um conjunto de dogmas irrefutáveis que não se possam alterar. Por isso é que existem revisões do mesmo. O PDM de Ovar tem de ser um documento alicerçado em condicionantes reais e não utópicas. Tem de ser um instrumento de ordenamento, com dinâmica suficiente para corrigir o que em cada momento deixa de fazer sentido, sobretudo quando estão em causa situações conflituosas como aquela que é provocada pelo mencionado projecto.

Talvez pela milésima vez afirmarei que a actual faixa costeira ovarense não reúne condições para que nela se executem, de forma conscienciosa, projectos de ocupação imobiliária, sejam eles de cariz turístico ou outro! E talvez pela centésima vez afirmarei que o actual Plano de Desenvolvimento de Ovar está errado nas suas premissas. Ovar não deve crescer na direcção do mar e da ria, mas sim em sentido oposto! 
Certo de que os autarcas de hoje acabarão por me dar razão num futuro próximo, termino este escrito, salientando que não será certamente com contributos como estes dois que retratei, que a autarquia de Ovar algum dia poderá celebrar de forma responsável o Dia Internacional da Terra.

 (Artigo publicado a 10.05.07 e a 17.05.07 no Jornal de Ovar)


18.07
Casos do Magreb: 
a verdadeira história de uma Bandeira Azul !


Na madrugada do passado dia 14 de Julho, sábado, mais uma vez e como que a cumprir uma fatal tradição por esta altura do ano, as águas da Barrinha de Esmoriz romperam com o frágil dique de areia que as sustém arrastando consigo um turbilhão de poluentes químicos e biológicos que conspurcaram a água do mar, a areia da praia e o ar que por aquelas bandas se respira.
Após este incidente procedeu-se de imediato ao hastear da bandeira vermelha na praia de Esmoriz, como forma de impedir os incautos banhistas de mergulharem na fossa em que entretanto se havia transformado o mar. No entanto e por incrível que pareça, a Câmara Municipal de Ovar não teve a sensatez (que seria de esperar) de ordenar a retirada imediata da Bandeira Azul, enganando deste modo todos os utilizadores daquela praia.

Nesse mesmo dia de sábado e face ao dramatismo da situação que se estava a viver em Esmoriz, foram efectuadas pela associação ambientalista “Palheiro Amarelo” várias chamadas telefónicas para os números disponibilizados pelas entidades governamentais envolvidas na gestão da Bandeira Azul (Câmara Municipal de Ovar e Associação da Bandeira Azul), tendo as mesmas mostrado-se infrutíferas, já que do outro lado da linha nunca ouve ninguém para atender o telefone.
Provavelmente, será natural ser assim em Portugal: não haver ninguém disponível durante o fim-de-semana para tratar de questões urgentes como estas; restou, então, aguardar por segunda-feira, apesar da Barrinha não ter parado de lançar os efluentes para o oceano durante todo o fim-de-semana! Por este facto, no Domingo, o Jornal de Notícias abordava já este desastre ambiental no concelho de Ovar.
Segunda-feira, dia 16. A RTP fazia também notícia do acontecimento. Apesar do grave atentado ambiental que decorria em Esmoriz, parecia que para a Câmara Municipal de Ovar a grande preocupação era que a Bandeira Azul, sinónimo de praia com qualidade, continuasse hasteada. Pois não é que a mesma lá continuava desfraldada ao vento no cimo do mastro! É caso para questionar: será que estes autarcas seriam capazes de se banharem no mar de Esmoriz no meio de tanta imundície? Ou de deixar os seus filhos brincarem no areal contaminado da beira-mar? Sinceramente, acho que não! E pergunto-me, porquê então, um “não” para os senhores da Câmara e um “sim” para os demais veraneantes?
Entretanto e novamente por diligências da associação ambientalista “Palheiro Amarelo” ocorrem uma série de contactos telefónicos entre a referida associação e a Associação da Bandeira Azul, quer a dinamarquesa, quer a portuguesa e entre esta última e a Câmara Municipal de Ovar, no sentido da autarquia proceder ao arriar da dita bandeira, pondo fim a uma reincidência de más práticas que têm servido apenas para descredibilizar o significado daquele galardão. A Bandeira Azul acabaria por ser retirada somente na tarde de terça-feira, dia 17, tendo sido necessário deslocar-se ao local uma autoridade marítima proveniente da Capitania do Porto do Douro.
Terça, dia 24. Durante a tarde, a Barrinha, que entretanto havia sido fechada, volta de novo a abrir continuando a poluir as praias do concelho.
Quarta, dia 25. Numa tentativa camuflada, a capitania (solicitada, sabe-se lá por quem!) volta a Esmoriz para proceder à entrega da Bandeira Azul, num momento em que a Barrinha ainda se encontrava a deitar para o mar. Imagine-se!!! A entidade marítima disposta a hastear a Bandeira Azul, quando na praia se encontrava afixado o seguinte edital: última colheita de água do mar realizada a 18/07 e respectivos resultados das análises com data de 20/07!!! Verdadeiramente inacreditável !!!
Quinta, dia 26. É o veredicto final. A presidente nacional da Associação da Bandeira Azul, finalmente cônscia da anarquia que em Ovar se vive, ordena que a Bandeira Azul não seja mais hasteada em Esmoriz até que se encontre uma solução para a Barrinha.

Aquela postura irreflectida demonstrada por parte da Câmara Municipal de Ovar acontece porque estamos em Portugal, onde o ambiente só é tido em consideração para efeitos de marketing eleitoralista. Porque estamos num país que, cada vez mais, reúne características terceiro-mundistas. Num país onde é possível a certos autarcas secundarizarem a saúde pública face à ambição cega por um galardão indevido, como seja a Bandeira Azul, mesmo que  hasteada numa praia poluída. Num país onde pululam autarcas, sem dúvida, habilitadíssimos para promoverem qualidade ambiental em favelas da América do Sul ou nalgum território do Magreb, mas sem capacidade para produzirem ganhos ambientais num concelho da Europa.

A terminar e perante atitudes como as que se viveram em Esmoriz saliento dois pontos relevantes.
Por um lado, o importante papel dos cidadãos (isolados ou em associações) na denúncia e correcção de situações ambientalmente insustentáveis, de que a celebração da festa da Bandeira Negra levada a cabo pelo Palheiro Amarelo pelo terceiro ano consecutivo é disso testemunho.
Por outro lado, a obrigação dos autarcas envolvidos nesta palhaçada assumirem as suas responsabilidades políticas por este atentado à saúde pública do concelho!

(Artigo publicado a 02.08.07 no Jornal de Ovar)



01.10
Casos do Magreb: o “Capitão Gancho”

Já nos aconteceu a todos, por certo, num dia de Verão estarmos sentados a tomar um café, um refresco ou outro qualquer alimento ou bebida na esplanada de um apoio de praia (já agora para os menos habituados a esta linguagem técnica, falar de apoios de praia é o mesmo que falar dos bares assentes no areal da praia!) e sentirmos a necessidade imperiosa de recorrermos à casa de banho. Teremos, tão-somente, que nos levantar e dirigirmo-nos para o local apropriado que, fazendo parte do mesmo apoio de praia, não distará da nossa mesa mais que uma meia dúzia de metros.
Ora este cenário que se acabou de desenhar acontecer-nos-á quer estejamos a desfrutar a praia na Póvoa de Varzim, na Figueira-da-Foz, na Caparica ou em Portimão. E isto deve ser mesmo assim e não de outra forma, até porque os chamados POOC’s (Planos de Ordenamento da Orla Costeira) assim o exigem! É que os POOC’s surgiram, precisamente, para ordenar os diferentes usos e actividades balneares de uma praia, estabelecendo critérios de ocupação e exploração destes espaços litorais, os quais se pretendem uniformes para o conjunto do território nacional.

E o que dizem concretamente estes Planos de Ordenamento sobre as praias ditas “urbanas de uso intensivo” (isto é, as praias adjacentes a núcleos consolidados e sujeitas a forte procura, como o são as nossas praias do Furadouro, de Cortegaça e de Esmoriz)?
Dizem que as referidas praias têm que respeitar os seguintes requisitos: a) possuírem vias de acesso automóvel e parques de estacionamento delimitados e pavimentados; b) possuírem acessos pedonais; c) apresentarem acessos à praia por parte das embarcações, bem demarcados; d) definirem os condicionamentos à pesca e à caça submarina; e) as suas águas serem submetidas a um controlo de qualidade; f) possuírem serviço de assistência e salvamento a banhistas; g) possuírem apoios de praia completos (integrando vestiário, balneário, instalações sanitárias, posto de socorros, comunicações de emergência, salvamento a banhistas, limpeza de praia e recolha de lixo, para além das eventuais funções comerciais); h) possuírem infra-estruturas de saneamento básico, de abastecimento de água, de energia e comunicações de emergência.

Se fizermos vista grossa sobre as três estâncias balneares atrás referidas, todas brindadas mais uma vez no início da época balnear com a cada vez mais desacreditada bandeirinha azul, até poderia parecer que tudo está conforme a lei. Mas se fizermos um ‘zoom’ sobre a praia de Esmoriz (um pouco mais a sul do local onde a Barrinha de tão cheia de imundice parece sentir-se tão enojada de si própria que só se alivia sempre que se abre ao mar) verificamos que as coisas não são assim tão claras e muito menos ambientalmente sustentáveis.
É que, pasme-se (!), existe um apoio de praia que pelo segundo ano consecutivo está a funcionar sem instalações sanitárias, obrigando durante o dia os seus clientes a procurarem instalações sanitárias noutro qualquer local (para chegarem ao WC mais próximo terão de atravessar o passadiço até à estrada onde se encontram duas cabines WC distanciadas cerca de uns 150 metros do dito bar). Refira-se, contudo, que à noite seja provável que este problema da distância seja minimizado já que os frequentadores do referido bar poderão sempre optar como alternativa, entre as dunas da praia ou o mar próximo, de modo a que se sintam mais rapidamente aliviados.
Ora bem, este foi assim e mais uma vez, um ritual de Verão na praia de Esmoriz, abrangendo várias horas por noite, todos os dias do mês, alguns meses no ano. Feitas as contas, imagina-se a quantidade de detritos espalhados entre a areia da praia de Esmoriz! Como se já não bastassem os detritos provenientes da Barrinha!
Pois que vivam as noites de Verão na praia de Esmoriz! Mas por favor, não ao estilo dos nómadas do Magreb. Evidentemente, que se o bar lá está é porque alguém o licenciou. Deste modo não se pode deixar de questionar muito directamente o papel da Câmara Municipal de Ovar em todo este processo.

Que se passa aqui? Que pesos e que medidas se aplicam nesta concessão que a tornam diferente das restantes? Porque se autoriza o licenciamento de um bar de praia sem condições sanitárias básicas? Será que existe alguma cláusula de excepção para o funcionamento deste bar? Ou será que pelo facto do referido bar se designar “Capitão Gancho” lhe confere automaticamente direito a uma arquitectura pirata?

(Artigo publicado a 11.10.07 no Jornal de Ovar)