quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Quadros de Outono (IV)

                                   


 

Além das árvores, arbustos, fungos, líquenes e musgos, outros grupos de seres vivos habitam as florestas caducifólias. Os animais.

Infiltrados no subsolo, rastejando por entre a manta morta, escondidos por entre os arbustos ou vivendo por entre as altas copas das árvores, são muitas as espécies zoológicas que dependem do bosque.

No subsolo vivem milhares e milhares de seres unicelulares, como as bactérias e os protozoários. A estes juntam-se uma diversidade de vermes.

À superfície do solo vive uma fauna imensa de invertebrados, como escaravelhos, ácaros, centopeias, caracóis, formigas e lesmas, como a lesma-preta (Arion ater), um decompositor e predador de matéria vegetal.

 



Entre os escaravelhos da floresta destaca-se, pelo seu aspecto e dimensão - o maior da fauna europeia - a cabra-loura (Lucanus cervus), que se alimenta no estado adulto da seiva das árvores, e a cujas fêmeas, bastante negras, como a da foto, faltam as gigantescas mandíbulas dos machos.




Esta fauna rastejante alimenta um conjunto de espécies que vasculham por entre a manta morta do bosque, tal como acontece com répteis, anfíbios, roedores, toupeiras e outros mamíferos insectívoros. 


Um outro grupo de invertebrados, que frequentemente passa despercebido no emaranhado do sub-bosque da floresta, é o dos aracnídeos, em que a tecedeira-de-cruz-cosmopolita (Araneus diadematus) é um atraente representante do grupo.





Também nos estratos arbustivo e arbóreo, pequenos e grandes invertebrados, como insectos, aranhas e escaravelhos, vão servir de alimento a outros tantos seres da floresta. Os pássaros insectívoros são, desde logo, os mais sérios clientes de toda essa biomassa.

Os chapins, enquanto família numerosa, podem-se considerar fiéis habitantes do bosque. Por vezes, os bandos em movimento contínuo sobre o dossel florestal, são formados por mais do que uma espécie. 

Uma das espécies que integra estes grupos mistos é o chapim-carvoeiro (Parus ater), que apesar da sua pequena envergadura é facilmente detectado pelo timbre do seu chamamento, lá do alto das árvores. 



A vida nas alturas para esta família de aves é deveras afadigada. Pequenos, ágeis, acrobáticos, vorazes, assim são os chapins. 

Como testemunho de toda esta adjectivação está o seu modo de caçar, ilustrado pela sequência de recolha de alimento registada por um outro membro da família, o chapim-azul (Parus caeruleus).


Acabado de pousar num ramo de carvalho-alvarinho (Quercus robur), revestido de Parmotrema chinense, um dos líquenes mais frequentes da floresta, o chapim-azul olha em redor certificando-se de que se encontra em segurança. 




Confiante, começa de imediato a debicar os pequenos xilófagos que vivem no galho.





Após este aperitivo vira-se para o tronco onde à custa de bicadas ...





... consegue extrair uma pequena porção de casca, rica em nutrientes.




Não perdendo tempo e com o seu troféu preso no frágil bico, parte para um local seguro, onde mais à vontade poderá terminar a sua refeição. 




Outro pássaro insectívoro que habita as florestas de coníferas, caducifólias e mistas é a estrelinha-de-cabeça-listada (Regulus ignicapillus), a mais pequena ave da fauna europeia, juntamente com a carriça





Mas se as aves, sobretudo os passeriformes, abundam na floresta, os mamíferos não lhes ficam atrás.

Os esquilos-vermelhos (Sciurus vulgaris) estão nesta estação do ano muito ocupados no aprovisionamento de sementes, bagas, fungos e bolotas, importantes reservas de alimento para o Inverno. As suas correrias pelos troncos e pelas copas do arvoredo complementam-se com as suas descidas ao solo em busca do alimento que caiu do alto.




Embora de hábitos predominantemente crepusculares e nocturnos, o javali (Sus scrofa) pode por vezes ser avistado durante o dia, geralmente de forma inesperada! O Outono é, também para ele, um período de engorda, pois, como omnívoro, quase tudo lhe serve de alimento (bolbos, tubérculos, bolotas, castanhas, plantas, invertebrados, roedores entre outros).





Outro encantador habitante da floresta, de avistamento quase sempre acidental e distante, dado o seu apurado olfacto o manter afastado da presença humana, é a raposa (Vulpes vulpes). Nesta época do ano, as bagas e as frutas são dos principais componentes da sua variada dieta, onde se incluem coelhos, roedores, aves, besouros, etc.





toirão (Mustela putorius), de hábitos essencialmente nocturnos e com uma pelagem escura que o ajuda a camuflar-se, apresenta um amplo espectro alimentar, bem como, ocupa habitats diferenciados, entre os quais, a floresta caducifólia ocupa lugar de destaque.





Sempre que se fala de Outono no bosque é obrigatório falar dos cervídeos que o habitam. Corços, veados e gamos são verdadeiros ícones da floresta caducifólia.

Os líquenes, que como se viu antes, constituem um saboroso alimento para várias espécies animais, são também apreciados pelos cervídeos, como fica demonstrado por este macho de gamo (Dama dama), deliciando-se com os que revestem um tronco por ele descascado.



Os carvalhais são dos agrupamentos arbóreos que, por um lado, adquirem folhagem mais tardiamente na Primavera, mas por outro, também a perdem mais tardiamente no Outono. É devido a este desfasamento temporal no envelhecimento da folhagem das diferentes espécies de árvores, que o bosque caducifólio conduz a uma tal profusão de cores, que o olhar, repousando nelas, tem dificuldade em afastar-se. 





 
O bosque de Outono, pleno de vida, apresenta-se belíssimo e a estação, com mais algum tempo disponível, vai continuar, por certo, a  acicatar-nos os sentidos ... até que o Inverno chegue!

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Quadros de Outono (III)


 

O arvoredo é, seguramente, o melhor indicador do Outono! 

Esta estação do ano sente-se, de facto, nos parques, nos pinhais, em todo o lado onde cresçam árvores e arbustos que experienciem transformações significativas na sua aparência, textura e cor.

Contudo, é na floresta caducifólia, que esta estação encontra o seu apogeu. Que o arvoredo exprime toda a harmonia e beleza próprias de um meio natural. 

Ulmeiros (Ulmus sp.), carvalhos (Quercus sp.), castanheiros (Castanea sativa), faias (Fagus sylvatica), nogueiras (Juglans regia), bétulas (Betula sp.) e várias outras espécies de grande porte formam, em conjunto, um ecossistema surpreendente, mágico quando por ele nos embrenhamos. 



Devido às múltiplas intervenções humanas, esta floresta caducifólia viu-se modificada pela inclusão de coníferas, como os pinheiros, os cedros e os abetos, transformando-se na denominada floresta mista.



Devido ao elevado porte arbóreo característico desta floresta, a luz solar é filtrada pelas copas, chegando com dificuldade ao solo, condicionando deste modo a implantação de uma flora de menor porte. Face a esta realidade, a floresta caducifólia deve ser encarada como um todo, apesar de se apresentar estratificada, grosso modo, em três patamares. Os estratos arborícola, arbustivo e herbáceo.


Assim, a um nível inferior a este mundo de altas copas, no denominado estrato arbustivo, crescem várias espécies de plantas, as quais formam um intrincado e denso habitat, frequentado por diversas espécies da fauna, nomeadamente invertebrados, répteis, mamíferos, entre outros.




O andar mais baixo do bosque, o estrato herbáceo, é de uma enorme pujança para a manutenção de todo o ecossistema florestal. Aqui e sobretudo quando o solo é húmido, ocorrem grandes tapetes de fetos, que conferem uma beleza sublime ao interior da floresta.




Por baixo destes fetos encontra-se uma enorme quantidade de folhas caídas, formando a denominada manta morta. Esta biomassa vegetal, após decomposição, representa uma importante fonte de nutrientes para a manutenção da vida das árvores, arbustos e fungos da floresta.





É neste mundo, escondido pelas folhas em decomposição, pelas raízes, pelas ervas e pelos musgos, que vivem os decompositores. Bactérias, protozoários, vermes, artrópodes, etc. fecham o ciclo biológico, transformando a manta morta em húmus que irá ser aproveitado como novo alimento para as plantas do bosque.



Os fungos, de formas e aspecto variados, constituem um reino à parte das plantas e animais. Presentes ao longo de todo o ano na floresta, é nesta época que se tornam especialmente visíveis, sobretudo quando emergem do solo sob a forma de cogumelos. Os fungos têm um papel fundamental na decomposição da matéria orgânica morta e na produção de nutrientes.

Muito bonitos, alguns podem-se revelar potencialmente perigosos para o homem, como o Amanita-vinosa (Amanita rubescens) ...


... mas outros, porém, não representam qualquer perigosidade, como é o caso da trombeta-negra (Cantharellus cinereus).







Os líquenes constituem outro belo grupo de seres que ornamentam a floresta. Tanto recobrem os troncos e ramos das árvores, como as rochas do solo. Alguns, como Usnea sp. pendem dos troncos, tal qual, longos cabelos.




O líquen é um organismo simbiótico, frequentemente, de uma alga e um fungo, com um papel decisivo no ciclo dos nutrientes e na regulação da humidade dos substratos onde se encontram implantados. 

Na verdade, a presença deste grupo de seres, não só confere às árvores um belíssimo aspecto cénico, como também, juntamente com os fungos, constituem garantia de uma boa qualidade do ar local. 




Os musgos, essas pequenas plantas que se desenvolvem em densos tufos aveludados, ocorrem no estrato inferior do bosque. Agarrados aos troncos das árvores, mesmo quando estas já se encontram tombadas, apresentam normalmente uma cor verde intensa, como o musgo-sedoso-penado (Homalothecium sericeum).





Os musgos têm a particularidade de captarem muito facilmente a água do solo libertando-a lentamente para a atmosfera. Por esta razão, controlam, quer o encharcamento do solo, quer a humidade atmosférica. 

Com um papel muito importante na formação e estabilização do solo, os musgos constituem-se, também, como um excelente indicador da qualidade do ar e da água.





(continua)

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Quadros de Outono (II)

 




As matas de pinheiro-bravo (Pinus pinaster) - os pinhais - constituem um  interessante ecossistema, dada a biodiversidade que, apesar de tudo, conseguem apresentar face a outras monoculturas, nomeadamente aos eucaliptais.

Nos seus altos ramos, movimentam-se tanto de dia como  de noite diversas aves, mamíferos e insectos, que neles encontram habitats adequados.



O sub-bosque, diversificado em arbustos, constitui também ele um habitat importante para diferentes espécies animais que nele encontram abrigo e alimento, nomeadamente mamíferos, répteis, anfíbios, insectos e outros invertebrados.




Neste sub-bosque encontram-se plantas aromáticas como o rosmaninho (Lavandula stoechas) e a urze-roxa (Erica cinerea). Muito comum é o tojo-arnal (Ulex europaeus), capaz de oferecer na Primavera um mosaico amarelo sobre a mancha escura do pinhal.




Também a camarinheira (Corema album), que a partir do final do Verão disponibiliza o seu saboroso fruto, não só ao homem como aos demais seres, constitui um ex-libris da mata.




O solo húmido dos pinhais, coberto de agulhas e musgos, é nesta altura do ano pródigo em diferentes tipos de cogumelos. Além daqueles que vivem sobre o solo há outros que apresentam como substrato os próprios troncos dos pinheiros, como o belo saprófito Gymnopilus spectabilis.





É, também, neste meio quase silencioso que se conseguem captar alguns abafados chamamentos dos pequenos pássaros, como os dos atraentes chapins-reais (Parus major) ...



...ou das tímidas carriças (Troglodytes troglodytes).




Do alto e em amplos círculos sobre a mata, a águia-d'asa-redonda (Buteo buteo), predominantemente silenciosa, deixa escapar um pio de quando em vez, como aviso de que também por ali habita.





Sim. A mata irá continuar muito silenciosa até à próxima Primavera, mas nem por isso deixará de constituir um ecossistema repleto de vida!


(continua)