sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Raposa: entre a fábula e o realismo

 





O ar frio e húmido de Inverno parece uma faca sobre a pele sempre que o vento sopra forte. Nos campos abertos, desprotegidos pela falta de arvoredo, a vida selvagem decorre mas sem grande alarido. 



Os insectos são escassos, os pássaros procuram a protecção dos arbustos face à escassez de folhas, os roedores passam muito mais tempo abrigados no subsolo e os predadores, como a águia-d'asa-redonda (Buteo buteo), aguardam pacientemente pela sua oportunidade.




Nesta natureza bela e selvagem, que vai subsistindo por entre a antropogenia crescente do meio ambiente, a raposa (Vulpes vulpes) constitui um desses seres predestinados a estreitarem a ligação entre o campo e a cidade.

Mamífero de médio porte, de andar gracioso e de comportamento esquivo, deambula por campos lavrados, terrenos baldios, pomares, dunas e outros tantos habitats. Contudo, é no bosque que encontra maior protecção, razão pela qual, quando assustada, rapidamente para ele se dirige, escondendo-se.



A raposa apresenta focinho esguio, orelhas pontiagudas e pelagem dominante castanha-avermelhada (que justifica a sua designação específica de raposa-vermelha), da qual sobressai o branco do peito e do focinho.



A este conjunto de características morfológicas juntam-se o negro da parte inferior das patas, uma cauda comprida, farta e tingida frequentemente de branco na extremidade, que fazem deste ser um animal inconfundível e muito atraente.



Desde a nossa infância que este personagem ficou bem enraizado nos nossos sentimentos, pois fez parte de variadíssimas histórias e fábulas que nos faziam encantar e sonhar, frequentemente antes de encerrarmos o dia. Nelas, quase sempre era retratada como uma espécie astuta, espertalhona e surripiadora. Em última instância, um animal daninho!




Pois bem, é neste ponto que as histórias fabulosas que se escreveram ao longo dos tempos estão em desacordo com a realidade. Na verdade, os seus métodos de obter alimento fácil e ludibriar os inimigos e que causaram grande admiração e revolta no homem, devem-se ao seu elevado coeficiente de inteligência, à sua grande capacidade auditiva e à sua grande adaptabilidade às mudanças do meio.

 

A alimentação da raposa é maioritariamente constituída por roedores, matéria vegetal (bagas, sementes e fruta caída), ovos, coelhos, cadáveres e lixo. As aves, os répteis, os peixes, os insectos e outros invertebrados, também fazem parte da sua dieta, mas entrando em menores proporções.



Constata-se, deste modo, que face aos seus hábitos alimentares, este canídeo selvagem contribui para o controlo das populações de roedores, para a sanidade do meio ambiente e consequentemente para o bem-estar do homem, contrariando a fama que lhe foi imputada de animal daninho.



domingo, 24 de dezembro de 2023

Natal na serra

 





As noites frias, de vento forte e cortante, remetem os seres da serra para os abrigos mais recônditos. As suas prospecções nocturnas ficam, deste modo, adiadas até às manhãs subsequentes, quando alguns graus mais se conseguem impor na escala dos termómetros.

É a invernia da serra, capaz de tornar o Natal de uma alvura deslumbrante.



Apesar da tridimensionalidade da paisagem querer desaparecer na imensidão da neve que cai, o que permanece a descoberto consegue pintar o cenário idílico que os nossos sentidos tanto querem apreciar.



Nestes dias, que vão passando silenciosos e gélidos, numa tranquilidade obrigatória, a silhueta dos seres impõe-se, pela forma e cor, sobre este fundo profundo.




E quando, mais uma vez, o dia se põe, uma outra noite se aproxima. É, então, a altura para todo e qualquer ser vivo procurar resguardo e conforto.




Bom Natal! 



sábado, 16 de dezembro de 2023

Competidores alados do homem

 




Félix Rodríguez de La Fuente mostra em "A estepe cerealífera:4-competidores alados do homem", como algumas espécies de aves conseguiram adaptar-se às transformações levadas a cabo pelo homem no meio natural, prosperando de tal maneira que se transformaram em verdadeiras pragas.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

O porco-bravo

 





Estamos quase em meados de Dezembro.

No denso carvalhal (Quercus robur), onde também coexistem grandes castanheiros (Castanea sativa), choupos-negros (Populus nigra), freixos-europeus (Fraxinus excelsior), teixos (Taxus baccata), pinheiros-mansos (Pinus pinea) e com menores dimensões, carrasqueiros (Quercus coccifera) e aveleiras (Corylus avellana) ...



... deambula uma espécie primitiva, robusta e destemida. Trata-se do javali (Sus scrofa), vulgarmente apelidado de porco-bravo. 



Com um corpo maciço e alongado, focinho aguçado e revestido por uma pelagem cerdosa, de cor cinza-escura ou negra (mais clara no Verão), e libertando um odor característico... 




... o porco-bravo ibérico, apesar de ser menos corpulento que os seus congéneres do norte e leste da Europa, é um bicho (os velhos machos rondam os 130 Kg) talhado para atravessar os espessos matagais que formam o estrato mais baixo do bosque caducifólio, tal qual, uma autêntica máquina de rasto.




As suas quatro defesas, duas em cada maxila, constituem uma poderosa arma nos machos, para além de servirem de ferramenta de desbaste durante a procura de alimento. Esta poderosa arma resulta do facto dos caninos inferiores (os punhais), de maior comprimento, estarem em contacto permanente com os caninos superiores (as amoladeiras), resultando deste facto encontrarem-se aqueles sempre afiados.



O javali, com uma visão fraca, possui grandes capacidades olfactiva, auditiva e extra-sensorial, denotando um alto coeficiente de inteligência, que se traduz, por exemplo, nas formas mais expeditas de procurar os seus alimentos. 

O porco-bravo, tal como o porco-doméstico, é um animal de hábitos omnívoros. Na sua dieta destaca-se a matéria vegetal disponível no solo do bosque, sendo um apreciador de raízes, tubérculos, castanhas e bolotas. Mas é igualmente um carnívoro de excelência, alimentando-se de invertebrados, coelhos, roedores, répteis e cadáveres.

Nesta tarefa de procura de alimento, o javali vai emitindo grunhidos enquanto vai "lavrando" o solo, promovendo o arejamento do mesmo e consequentemente a sua capacidade produtiva.




Os ribeiros, charcos florestais ou simples poças propiciam zonas onde o javali gosta de se banhar, tanto de água como de lama, de forma a eliminar parasitas e cuidar da pele, contrariando o epíteto de javardo, como também é conhecido. 


Apesar da época de reprodução se poder iniciar mais cedo, este período do calendário corresponde ao principal momento para o cio das porcas, que se prolongará até finais do mês. 



sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Chega o frio ... (II)

 





(continuação)

 

O final de Novembro, é um momento especial para a natureza. 

É o período do ano em que a magnífica palete de cores outonais começa a soçobrar, acabando por desaparecer do arvoredo.



É então, que os ramos despidos deixam a descoberto alguns dos seus inquilinos, como o eclético melro-preto (Turdus merula), ...



... enquanto no verde rasteiro, outros vorazes especialistas em vermes e insectos, como a alvéola-branca (Motacilla alba), deambulam em correrias frenéticas.



Depois do tempo chuvoso e relativamente ameno das primeiras semanas de Novembro, chega o frio, que irá acertar definitivamente o calendário biológico dos seres vivos nesta aproximação ao Inverno.

O ar carregado de humidade arrefece muito durante a noite, provocando a condensação do vapor de água e a consequente formação de neblinas. 

As manhãs, acordam assim. 




No parque, a vida parece ressuscitar quando a bruma se levanta. Ouve-se, então, o canto aflautado do melro-preto e os roucos chamamentos do gaio (Garrulus glandarius) enquanto esvoaça rapidamente de uma grande árvore para outra não menos imponente.






Os campos encharcados que envolvem a cidade são ponto de atracção para a narceja-comum (Gallinago gallinago), que bem passa despercebida graças ao mimetismo da sua plumagem.



Por aqui, também abundam alvéolas-cinzentas (Motacilla cinerea)...



... e petinhas-dos-prados (Anthus pratensis), ambas dando caça aos insectos escondidos nas ervas.



Gralhas-pretas (Corvus corone corone) caçam ratos, pequenas aves e invertebrados, não desprezando carcaças, grãos e insectos.





À marisma continuam a chegar hordas de migradores, empurrados pelo frio e neves do norte. Patos, são cada vez mais, como as marrequinhas (Ana crecca).



Também a presença de alguns gansos-comuns (Anser anser), enriquecem a biodiversidade destas zonas húmidas.




O frio também arrasta na migração os predadores, que aqui se instalam para passar o Inverno. As águias-pesqueiras (Pandion haliaetus) avistam-se com frequência em actividade no interior da marisma.



Às rapinas migradoras juntam-se as residentes, como o pequeno peneireiro-de-dorso-malhado (Falco tinnunculus), especialista em caçar ratos-do-campo e ratazanas.




Na areia da praia, agora com o mar a dar alguma acalmia, pilritos-sanderlingos (Calidris alba) correm velozmente atrás dos pequenos camarões trazidos pelo último espraio...



... enquanto, do cimo da berma arenosa, o ostraceiro (Haematopus ostralegus) observa, imponente, as melhores oportunidades para também obter alimento.




O bosque, ensopado de água sobretudo nas zonas depressionárias, está repleto de insectos, que se sentem no ar e na pele, sobretudo de manhã cedo e ao cair da tarde.



É também nas proximidades do bosque, que as águias-de-asa-redonda (Buteo buteo) espreitam, pousadas nalgum ponto destacado, os movimentos descuidados das suas presas.




O frio parece ter vindo para ficar, mesmo com o retorno da chuva, que embora caindo ao de leve, volta a molhar a natureza, já de si muito ensopada. 



Enquanto isso, a natureza evolui ao sabor dos diferentes condicionalismos climatéricos.