sábado, 30 de outubro de 1999

O mar, as praias do concelho e o "POOC"


        Essa enorme massa de matéria fluida que cobre 71% da superfície do nosso planeta e que constitui as águas oceânicas joga um papel crucial na regulação dos diversos processos físicos, químicos, climáticos e biológicos que decorrem à superfície da Terra.
       Mas neste jogo feito de muitas cambiantes, ora espectaculares ora assustadoras, o desejável à escala da vida humana, seria que o mesmo (jogo) tendesse para uma situação de equilíbrio, para uma situação sustentável, como está na moda dizer-se.
        Talvez a esta escala o equilíbrio não venha a ser perceptível, tal como não o foi no passado; no entanto, parece indiscutível aos olhos da maioria que será o “presente” a decidir o “futuro”, nomeadamente no que respeita à evolução e configuração do litoral.
E não digo aos olhos de todos, somente porque tal análise parece não ser consensual.
É que, mesmo quando perante os efeitos de uma tempestade ou de uma maré-viva, como a que aconteceu nos últimos dias do passado mês de Outubro, em que o mar devorou toneladas de areia às praias do concelho, escavou e fez recuar o cordão litoral em vários metros e inclusivamente veio buscar alguns bens materiais que se encontravam mal acautelados na praia, há quem teimosamente insista em avançar sobre os “domínios” do oceano.

        Não basta afirmar e acreditar que o mau estado das praias se deve ao facto do nível do mar subir em média ..... 1.5 mm/ano, devido a um conjunto de factores, entre os quais se destaca nas últimas décadas o chamado “efeito de estufa”.
      Não basta afirmar e justificar que, perante os fenómenos naturais (sísmicos e climáticos) ao homem nada é possível fazer para minorar os efeitos da erosão costeira.
         Antes, temos que ouvir e perceber que tem sido outra ordem de factores bem diferentes a governar o destino dos mares e das costas em Portugal.
         Poluição;
Exploração excessiva e descontrolada das areias das praias, dos rios e das dunas;
Retenção de grandes volumes de sedimentos nas barragens, nos molhes portuários e nos demasiados esporões existentes ao longo do litoral;
Fortes interesses na construção urbanística (mesmo que em derrocada potencial) em cima da linha da costa;
Excesso de comodismo técnico, superficialismo estratégico e falta de zelo na gestão por parte dos organismos governamentais (a todos os níveis) responsáveis;
E mais uns quantos factores intervenientes no estado de “saúde” do litoral vêm justificar a falta de consenso, a que antes aludia.

E como sempre deve acontecer numa situação de impasse, onde o consenso falta, há que arranjar um árbitro que faça cumprir regras, bem entendidas por todas as partes. Nascem assim os Planos de Ordenamento da Orla Costeira, mais familiarmente identificados como POOC’s.
Embrionários, sujeitos a naturais imperfeições propõem-se ser lidos e discutidos. Até porque a lei contempla uma Consulta Pública, no sentido de que cada cidadão possa e queira contribuir para essa discussão. Será mesmo a sério?
Bom, pelo que foi dado perceber houve quem no nosso concelho assim o entendesse e respondesse a essa solicitação de forma viva e entusiástica. Pela minha parte também o fiz esperando que estes meus “comentários” possam vir também a ser comentados.
           
         Assim, com base na informação contida nos documentos do Plano de Ordenamento da Orla Costeira “Ovar-Marinha Grande”, disponibilizados para Consulta Pública e no que respeita ao litoral concelhio, entendo referenciar alguns pontos que se me afiguram pertinentes:

1- O Plano de Ordenamento da Orla Costeira Ovar/Marinha Grande, tal como os demais POOC’s, enferma de uma grave lacuna, a qual poderá limitar à partida a capacidade de resposta e eficácia destes planos. A exclusão que os referidos instrumentos de ordenamento fazem das áreas sob jurisdição portuária, não permite que os mesmos se debrucem sobre uma das principais causas de erosão do litoral: a actividade portuária.

     Era essencial que os POOC’s tivessem a capacidade de recomendar propostas de actuação no sentido de minimizar os graves efeitos erosivos provocados no litoral a sul dos referidos portos. De facto, a natureza e as exigências das actividades portuárias tem originado, por um lado, a acumulação sedimentar a norte destes molhes, impedindo o trânsito de sedimentos e a alimentação das praias a sul dos mesmos e por outro, as dragagens efectuadas nos canais de navegação e nas barras têm acentuado este déficit de sedimentos tão necessários às praias e às dunas desta faixa costeira.
Parece pois, absolutamente necessário e independentemente da limitação antes referida, que os POOC’s recomendem como prioridade urgente, a necessidade de uma articulação entre as Administrações Portuárias e o Ministério do Ambiente, no sentido da execução urgente de operações de “by-passing” nos portos e de recarga de praias em zonas erodidas.
Caso contrário e pese embora o facto de este POOC Ovar – Marinha Grande considerar estes pressupostos como “cenário” das suas Opções Estratégicas, os mesmos não passarão de um cenário virtual, tal como aliás parecem sugerir as medidas referentes às Intervenções do INAG para defesa do litoral.

2- O artigo 26º. do Volume I contempla como «Área Natural de Interesse Internacional a zona marinha entre a Ria de Aveiro e a Figueira da Foz».

        Sem conhecimento dos motivos que ditaram o limite norte desta zona, parece-me poder ser a mesma alargada (pelo menos até à latitude da praia de S. Pedro de Maceda), de modo a preservar-se toda uma área habitualmente procurada como pesqueiro para o arrasto costeiro.

3- O artigo 28º. do Volume I estabelece «a Barrinha de Esmoriz como Área Protegida de Interesse Local».

De acordo com os estudos disponíveis, realizados neste local, parece ser bastante maior o interesse pela protecção desta lagoa costeira, pelo que seria conveniente enquadrá-la como «Área Protegida de Interesse Nacional».
A reforçar o interesse deste estatuto encontra-se o facto de a referida lagoa ser domínio de dois municípios, o que poderá de acordo com esta proposta, ultrapassar dificuldades de co-gestão.

4- No âmbito do ponto 1, alínea b), do artigo 28º. do Volume I (Áreas Protegidas de Interesse Local) não foi considerada a faixa terrestre entre o Furadouro e S. Pedro de Maceda.

A protecção desta faixa litoral, à semelhança do que acontece com outros sectores contemplados e igualmente ameaçados, constitui uma garantia da biodiversidade ainda proporcionada pelo conjunto de biótopos disponíveis (mata/zona inter-dunar/cordão dunar/praia).

5- A inexistência no Volume II, do Plano de Praia de Esmoriz, suscita total desconhecimento quanto à localização dos acessos pedonais  a esta praia.

6- O “Resumo Não Técnico” poderia (e deveria ) ter valorizado mais os recursos marinhos ocorrentes na faixa do POOC “Ovar-Marinha Grande”, nomeadamente  no que respeita aos vertebrados de maior porte (cetáceos, répteis e aves), entre os quais são várias as espécies ( e não apenas o boto !) protegidas por lei.

Este pormenor, especialmente válido na extremidade norte da área marinha do referido POOC, justificará também o interesse manifestado no ponto 2 destes comentários.

7-          Algumas das propostas apresentadas para o Plano de Praia do Furadouro não parecem enquadrar-se no espírito de um ordenamento que deverá privilegiar o descongestionamento da faixa litoral e a minimização dos efeitos antrópicos responsáveis pela erosão. Assim:

a)      - deveria ser contida a ocupação longilitoral a norte da praia do Furadouro, mesmo que para uso exclusivamente balnear. Para o efeito devia ser suprimida a expansão proposta para Área de Apoio de Equipamentos, bem como os dois Apoios de Praia Mínimos localizados ao norte da praia.

b)      - deveria ser suprimido o acesso à praia sobre a duna, proposto para a extremidade norte da praia, impedindo o agravamento do estado de degradação actual do cordão dunar.

c)      - deveria ser promovida a recuperação dunar no topo norte da praia e construído um passadiço elevado sobre as dunas, permitindo o acesso à praia desde o parque de estacionamento interior, inflectindo para W e passando junto ao parque de estacionamento próximo da praia.


       Esperando que a Consulta gere diálogo e que do diálogo se faça outra luz.
                                                                     
 (Artigo publicado a 02.12.99 no Jornal Notícias de Ovar)