segunda-feira, 1 de março de 2021

O Covid-19 e as aves da nossa cidade: em pleno Inverno

Frio, muito frio, faz este início de Inverno. Por esta razão e pelo facto da pandemia por Covid-19 não dar tréguas e obrigar a sucessivas medidas de confinamento, a circulação de pessoas pelos parques e jardins da cidade de Ovar é mínima e frequentemente solitária. 


As aves da cidade, embora não sendo afectadas pelo vírus, são-no pelo frio. Este, condiciona os seus movimentos e a geada, que dele deriva, condiciona a disponibilidade de alimento, sobretudo durante as primeiras horas da manhã.


De facto, as manhãs têm acordado quase sempre geladas, com a relva branqueada pela noite.



Outras vezes, as manhãs acordam rodeadas de intensas neblinas que dificultam encontrar a forma das coisas e dos seres.




O Gaio-comum (Garrulus glandarius), que durante o Outono era visto, logo pela manhã, em rápidos voos entre as grandes árvores, colhendo bolotas, tem agora necessidade de se aproximar de locais onde ainda encontra alimento de forma fácil.




A Pega-rabuda (Pica pica), a raínha do Parque Urbano durante quase todo o ano, não quer nada com estes dias frios, razão pela qual deixou de ser vista por aqui. Prefere, antes, os campos agrícolas, onde encontra alimento abundante.

É caso para dizer que os corvídeos, grupo de aves muito bem adaptadas à exploração de diferentes habitats, perante este tipo de condicionantes, arranjam estratégias alternativas para obterem alimento da forma mais eficiente.


Apesar das condições adversas, que ainda não permitem que se escutem grandes cantorias, nos parques ovarenses ouvem-se pela manhãzinha os chamamentos tímidos de algumas espécies de aves.

O rei dos parques e jardins, o Melro-preto (Turdus merula) é presença habitual mesmo durante estes dias frios. Diariamente, são vários os exemplares observados a alimentarem-se no solo, em voos entre o arvoredo e o solo, entre o solo e os muros ou entre quaisquer dois outros locais aprazíveis.



Esta espécie, nem mesmo em manhãs de reduzida visibilidade, se abstém de chamar alegremente do alto de uma árvore.


Também as Rolas-turcas (Streptopelia decaoto) são presença madrugadora em todos os parques e jardins. Tal como os melros, não deixam de esvoaçar, insistentemente, entre as ramagens, em voos de delicado exibicionismo. Sempre aos pares, até parecem que já se preparam para a futura criação. 




À medida que a manhã avança, o ar vai aquecendo e os relvados vão-se libertando da geada, pois o Sol tem aparecido radiante por estes dias.

Tanto a felosa-comum (Phylloscopus collybita) como o Chapim-real (Parus major) surgem, nestas manhãs solarengas, respectivamente, por entre os arbustos mais densos e nas ramagens ainda despidas dos choupos. É que por aqui encontram minúsculos pulgões, que para eles constituem saborosos repastos. 





Os Pombos-domésticos (Columba livia raça domest.) sempre muito activos esvoaçam, durante todo o dia sobre os telhados da cidade.



Presença diária no Parque Urbano, continua a ser, também, a do Corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo). Esta ave chega ao parque, bem cedo pela manhã vinda da Ria de Aveiro, onde pernoita em dormitórios de centenas de indivíduos. Durante a sua estadia no parque, é vista, frequentemente, a pescar no Rio Cáster. 




Após a pescaria, levanta voo, inicialmente baixo junto à água, até conseguir ganhar altitude e voar para os postes eléctricos, onde aproveita para descansar e secar as penas encharcadas. 



Quem no Inverno gosta de aparecer pelo Parque Urbano de Ovar é a Garça-real (Ardea cinerea). Embora a espécie seja residente nalgumas zonas do território nacional, é durante o Inverno, com a chegada de populações provenientes do centro e norte da Europa, que se observam maior número de indivíduos desta espécie. 

A sua postura hirta durante longos períodos de tempo, em locais húmidos mais ou menos próximos do rio, constitui uma imagem icónica, bem representativa do espírito da sua pescaria. Paciência.




Também a sua parente, a Garça-branca-pequena (Egretta garzetta) continua a ser presença habitual nas margens do rio Cáster e de seus afluentes. Com a sua plumagem de um branco puro não deixa ninguém indiferente à sua presença.



Sobretudo em voo, por entre as árvores, é uma ave de uma beleza extraordinária, com as suas compridas e projectadas patas negras, calçadas de um amarelo vivo. Muito bonita!




Parecendo querer conquistar o título de rei dos parques, o Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) avista-se por todo o lado. Erecto, no cimo de um muro, no ramo baixo de uma árvore ou na relva, esta pequena ave escura de cauda arruivada, apresenta um comportamento nervoso, com contínuas vénias e tremuras da cauda. É sem dúvida uma das aves mais abundantes no Inverno.




Mais discreto é o Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). Com a sua pequena estatura e a sua grande quietude passaria perfeitamente camuflado não fosse o seu peito de um laranja forte. A sua graciosidade fazem dele um maravilhoso registo em qualquer período do ano.




Quem também se avista frequentemente, até pelo jeito despreocupado do seu comportamento, é a alvéola-branca (Motacilla alba). Calcorreando toda a extensão verde do gramão, esvoaça de repente atrás dalgum insecto que levanta do solo. Sendo presença regular ao longo de todo o ano, não altera os seus hábitos durante a estação mais rigorosa. 



Um dos grandes cantores da Primavera, o Chamariz (Serinus serinus), já se deixa ouvir do cimo das árvores, embora de forma algo tímida.




Quem explora, de forma extraordinariamente discreta, os relvados do Parque Urbano em busca de insectos é a Petinha-dos-prados (Anthus pratensis). 




Apesar do Inverno, este ano, ser especialmente duro, pela necessidade de nos encontrarmos confinados, os voos constantes da Andorinha-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris), rodopiando junto aos edifícios altos da cidade, dão-nos uma sensação de que a Primavera está aí à porta!




Mas a Primavera não chegará, sem antes os dias frios darem origem a dias de muita chuva. Basta olhar o céu para se pressentir a vinda apressada de borrasca!




A Cegonha-branca (Ciconia ciconia) já se instalou desde os primeiros dias do ano em antenas, postes, árvores e chaminés do concelho. O número de ninhos, bem como a  sua população, vai aumentando progressivamente de ano para ano. 

Os ventos fortes que já se começaram a fazer sentir, adivinhando o temporal que se irá abater em breve sobre Ovar, impelem esta poderosa planadora a descrever largos e majestosos volteios sobre o Parque Urbano.



As sucessivas depressões que se vieram a manifestar durante as primeiras semanas do ano trouxeram chuva farta e contínua durante dias seguidos, tendo o rio Cáster transbordado para as margens, em distintos troços, ao longo do seu curso. Um destes sectores inundados foi precisamente o Parque Urbano.





E como acontece sempre em caudais de cheia, a forte corrente do rio arrasta muitos sedimentos, que conferem cor barrenta à água, bem como, uma diversidade de lixo plastificado, que aprisionado nos redemoinhos dos açudes, destoa na estética do Parque.




Nestes dias de temporal são poucos os ovarenses em trânsito pelos parques e jardins da cidade. Estão, antes, recolhidos perante a muita chuva e vento forte.



Após estes períodos agrestes, o Sol regressou, aquecendo o ar, o vento acalmou e o solo encharcado fez germinar rapidamente as plantas. Vêem-se surgir em algumas delas as primeiras pétalas coloridas, enquanto noutras desenvolvem-se as inflorescências e noutras ainda, surgem os primeiros limbos, que embelezam as ramagens.



Nestas últimas semanas, as cambiantes da meteorologia transformaram a vida nos espaços verdes da cidade. Foi como de repente tivéssemos entrado na Primavera!


Os cantos dos passeriformes são agora mais fortes e nítidos. Além dos habituais chamamentos dos melros e das rolas ouvem-se chapins e toutinegras. As aves dos jardins e parques da cidade começaram, de repente, a prepararem-se para um novo período de criação.


Os insectos irrompem do solo, da casca das árvores, de cavidades nas rochas, parece mesmo que de todo o lado. Arrancou para eles, também, o ciclo de uma nova vida, neste ecossistema citadino.




Toda esta explosão de biomassa faz com que as aves insectívoras tenham comportamentos cada vez mais agitados. 

No prado, melros e rabirruivos destacam-se pelos seus movimentos inauditos. Nas árvores, pequenos grupos de Chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus) deslocam-se de ramo em ramo; a estes associam-se alguns indivíduos de Chapim-real.



Bem mais sonoras e flauteadas, são as cantorias que saem do interior dos arbustos mais densos e perenes e que pertencem à Toutinegra-de-barrete (Sylvia atricapilla).




Também a Alvéola-cinzenta (Motacilla cinerea), anda pelo Parque Urbano durante estes dias. Não tão abundante quanto a Alvéola-branca, frequenta sobretudo locais empedrados e de preferência próximos da água.




O arvoredo além de alojar variados animáculos na casca dos troncos e ramos, disponibiliza também infrutescências que atraem as aves granívoras.



O Tentilhão-comum (Fringila coelebs) é um dos pássaros que privilegia este tipo de disponibilidades mistas, encontrando aqui fartura de alimento.




O Pardal-comum (Passer domesticus) é outro granívoro, habitualmente observado a recolher o alimento do solo, mas que quando perturbado voa rápido para as árvores mais próximas.




Também o Pato-real (Anas platyrhynchos), que foi visto durante todo o Outono a nadar placidamente no rio ou aninhado, com a cabeça enfiada no dorso, nalgum canto das margens, alterou agora o seu padrão comportamental. A qualquer hora do dia é possível ver uma, duas ou mais destas aves a voarem alto a grande velocidade, cumprindo largos círculos sobre o curso do Cáster, como se de uma corrida de alta competição se tratasse. Também para ele já se iniciou o período pré-nupcial.




Nesta altura do ano muitas das árvores dos parques e jardins vareiros recobriram-se de uma roupagem nova, bonita, de tons ainda apagados mas já multicoloridos.





No início de Fevereiro as Andorinhas-das-rochas efectuam voos intensos e sistemáticos junto às fachadas dos prédios mais altos da cidade, onde se encontram instalados os ninhos usados no ano anterior. Em meados do mês a espécie já está a construir ninhos ou a reparar os que estavam deteriorados, para de seguida dar inicio à criação. 



Também a Andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum), que chega à cidade em pleno Inverno, logo atrás do bom tempo que começou a fazer sentir-se, segue um calendário de criação muito próximo daquele que é seguido pela sua parente. Assim, na segunda quinzena de Fevereiro já é possível vê-las a reparar os velhos ninhos, construídos no ano anterior.




Como se tem verificado pelo comportamento e presença de determinadas espécies de aves entre nós, o Inverno do calendário não corresponde exactamente ao Inverno meteorológico e por conseguinte ao calendário das migrações. A reforçar esta ideia encontram-se mais duas espécies estivais que chegam até nós ainda antes da Primavera se iniciar.


A Águia-calçada (Hieraaetus pennatus) que já sobrevoa o centro da cidade de Ovar em meados de Fevereiro...



... e o Milhafre-preto (Milvus migrans) que chegou à cidade duas semanas depois.




Como ficou registado, o frio e a chuva deste Inverno curtiram o solo e o aumento de temperatura que se lhe seguiu fez desabrochar rapidamente a natureza. Poder-se-á falar de um Inverno primaveril ou, se a gosto, de uma Primavera precoce.

Mas uma coisa é certa. O Inverno chegou um dia, assumiu-se intensamente, com maior ou menor adversidade e a seguir passará o testemunho à estação seguinte, muito mais bonançosa. 

A vida das aves nos parques e jardins acompanha esta rotina e a vida do ovarense também. A pandemia por Covid-19 não fugirá, por certo, a este desiderato.

Fim de ciclo.