domingo, 1 de agosto de 2004

A REN, a RAN e o Sr. Professor!


             Sem Pudor é uma expressão que se poderá usar para traduzir o processo da negação da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN) desde o aparecimento das mesmas há mais de duas décadas. Sem Paixão é outra expressão que se poderá usar para traduzir o visível desprezo pela valorização da terra portuguesa e dos seus recursos naturais que a REN e a RAN sempre proclamaram. Sem Ponderação é mais uma expressão que poderá traduzir bem, a falta de análise crítica, aberta também a uma participação nacional colectiva não institucional mas profundamente sensível e conhecedora dos problemas ambientais que se colocam no Portugal de hoje. Sem Perspectivas é a melhor tradução de um processo de revisão à partida estigmatizado e por conseguinte nado-morto. 
             Contudo, foi a este imponderado conceito de organização do território que caberia a árdua (impossível?) tarefa de ajuizar cientificamente (com método e imparcialidade) a revisão do estatuto destes dois instrumentos jurídicos. Algumas conclusões interessantes se poderão desde já retirar dessa mesma abordagem «científica».

             A transferência para as Câmaras Municipais do poder sobre o controlo e uso da REN e da RAN parece desde logo caricata, pela previsível falta de uniformidade nos critérios a vigorar municipalmente de norte a sul do país, bem como e sobretudo pelo espaço deixado vago aos jogos de influências.
             A desculpabilização das autarquias pelos crimes ambientais entretanto cometidos no que respeita à urbanização de espaços REN e RAN tange as fronteiras do surreal.
             Proprietários potencialmente impedidos de construir nas suas propriedades e propriedades (em território REN) potencialmente capazes de suportarem construções, parecem faces distintas de uma mesma realidade. Mas não. São apenas e só, permissas, permissivas de toda uma argumentação falaciosa.
             A acusação de que ambos os diplomas legais estão isentos de ideias ordenadoras e de que pelo contrário estarão na origem do desordenamento verificado no território português parece bem mais uma anedota ‘hard core’ do que qualquer facto comprovado pela ciência.
             Enfim, não está em causa que a optimização e funcionalidade da REN e da RAN tivessem que passar por um processo de revisão, já que nada é definitivo mas antes passível de aperfeiçoamento constante. O que parece anormal é que essa revisão não tenha existido, aparecendo em sua substituição algo como um sub-produto da ciência aniquilador do espírito das referidas leis.

              E a propósito de ciência e de cientistas!
              O que é feito daquele projecto para um Parque Urbano na cidade de Ovar?
              Será que à luz destas concepções alternativas sobre ordenamento e desordenamento territorial ainda iremos catapultar obstáculos ao que é «verde» de modo a criar mais e mais espaço urbanizável?
              Será que iremos descobrir que os patos e as galinhas-d’água no rio Cáster ou a vegetação ripícola ainda vão ser factores de desordem do território ovarense?
              Será que querer valorizar o corredor verde que liga a cidade à ria, protegendo os seus recursos, ainda irá constituir um agravo ao desenvolvimento e progresso da urbe?
              Será que à sucessão dos campos de trabalho para revitalização arquitectónica dos cais vareiros se irá seguir a onda da marginalização dos mesmos porque elementos de rusticidade?
              Se assim for, vale a pena e sem demora colocar neste projecto de 2.000.000 de euros definitivamente a chancela SP (Só no Papel)!


 (Artigo publicado a 05.08.04 no Jornal de Ovar)