sexta-feira, 7 de abril de 2006

Areia branca, negócio preto


            Com este mesmo título dei corpo a um dos capítulos do meu último livro, “A Praia dos Tubarões”, capítulo esse dedicado à extracção e negócio das areias; negócio que umas vezes se efectua sob a capa da legalidade, outras vezes (muitas, infelizmente) tão-somente em torno de actividades furtivas.
            No referido texto procurei documentar a crescente actividade de extracção de dragados portuários ao longo das últimas décadas, como resposta às necessidades de manutenção dos canais de navegação; procurei, ademais, deixar também em registo a necessidade urgente de uma mudança na política de distribuição desses mesmos dragados portuários, já que estes ao serem vendidos, isto é, ao saírem da orla litoral nunca mais poderão cumprir a missão de formarem dunas nem robustecerem praias. Ora é precisamente por estes factos que teimo em afirmar que, esta actividade económica, embora decorrendo na maior das legalidades, constitui efectivamente um grave atentado ambiental pelo défice de areias que induz na costa portuguesa, à data extraordinariamente erodida.

            Também no referido capítulo de “A Praia dos Tubarões” foi abordada a extracção ilegal de areias em depósitos consolidados afastados da linha de costa, frequentemente florestados, alguns deles no nosso concelho, flagrantemente localizados nas proximidades do centro da cidade. Nestes locais será pela calada da noite que a areia é abusivamente carregada e despachada também para fora do circuito litoral, numa acção de delapidação de um recurso natural não renovável, que por tal motivo deveria merecer uma atenção muito cuidada por parte dos governantes locais, algo que infelizmente parece não estar a acontecer. Estes depósitos de areia, refiro também num outro capítulo do mesmo livro, deveriam ser hoje preservados, já que num futuro próximo poderão vir a ser necessários para abastecimento das nossas praias e dunas.

             O presente texto pretende abordar um terceiro cenário, diferente dos dois anteriores, mas composto por elementos de ambos: a legalidade dos actos comerciais, por um lado e os depósitos arenosos florestais, por outro.
             Vem isto a propósito do empreendimento em curso na zona florestal a norte da cidade e que inclui a construção do Pavilhão Multiusos (Sportsforum), um projecto que à partida parece vir a ser de grande interesse para o desporto e para a cidade de Ovar. Efectivamente são cerca de 240 000 metros quadrados de floresta derrubada surgindo em seu lugar um pavilhão, várias lojas e algumas salas de cinema, segundo consta. Mas é também daqui, desta enorme clareira que está a ser retirada areia, muita areia, a qual empilhada no local forma já um autêntico cordão dunar. 
              E qual será o destino de toda esta areia que, segundo parece, não é propriedade dos investidores mas sim da Câmara Municipal de Ovar?
              Não será muito difícil admitir que a mesma deverá vir a ser comercializada, seguindo os circuitos habituais neste poderoso segmento de mercado. Se assim vier a acontecer, mais uma vez, algo está mal nesta visão de gerir os bens públicos, pois como referi antes, esta areia (que outrora foi areia de praia tendo sido retida ao longo dos anos pela mata) deveria hoje voltar novamente ao litoral para minimizar os efeitos da erosão costeira.

               Deste modo sugiro a quem tem a posse destes areeiros, precisamente a Câmara Municipal de Ovar, que procure fazer uma utilização racional desta areia, utilizando-a na reconstrução do cordão dunar ovarense.
               Uma iniciativa destas, devidamente planificada, além de pioneira, marcaria uma verdadeira mudança no estilo de liderança autárquica vigente nos últimos doze anos, pautado este, entre outros, por uma insensibilidade perante a contínua degradação do litoral vareiro e uma incapacidade de um diálogo construtivo no sentido de uma melhor resolução dos problemas costeiros.

 (Artigo publicado a 20.04.06 no Jornal de Ovar)