terça-feira, 25 de outubro de 2022

Quadros de Outono (I)







O Outono chegou faz algum tempo. Mas, na realidade, nem parece que assim seja, face às temperaturas amenas que se vão fazendo sentir e à falta de chuva e de ventos fortes, que teimam em não aparecer.

A folhagem dos parques, ruas e avenidas, parece ter envelhecido mais cedo este ano, dada a falta de água no subsolo desde há muitos meses.



Nas madrugadas em que a temperatura desce um pouco mais e a condensação aumenta, o ar pela manhã enche-se de densas neblinas ...



... que desaparecerão quando o Sol as conseguir dissipar. 




Então, a natureza apresentar-se-á à vista de todos, como telas pintadas em tons multicolores, nas quais as distintas espécies da flora que ornamentam o parque da cidade parecem querer destacar-se entre as demais.

 








Os dias vão passando, sem pressa. 

Diariamente, pela manhã, os diferentes cantos da passarada chamam-nos à contemplação desta porção de natureza, em pleno centro urbano.



As altas copas dos choupos (Populus sp.), até aqui bem densas de folhagem esverdeada...




... começam a  perder, a cada dia que passa, mais e mais folhas. E as poucas que restam, amarelas e escuras, cairão de uma próxima vez.



Ao longe, o arvoredo da galeria ripícola não parece seguir o ritmo dos choupos. Aquele, continua a apresentar copas fartas e amplas, de tonalidades suaves.



O rio, embora de caudal reduzido face à seca que abala o país, corre feliz. Também pudera! Rodeado pelo verde do solo, pelo amarelo-avermelhado dos plátanos (Platanus sp.) e pelo platinado dos salgueiros (Salix sp.) ...




... encontra nos açudes o oxigénio que tanta falta lhe faz, para não morrer.




A alvéola-branca (Motacilla alba) gosta de um rio assim!




Felizes andam, também, outras aves do parque. À hora certa, elas chegam para me deleitarem com as suas cabriolices. 


Rabirruivos-pretos (Phoenicurus ochruros) ...




... Chapins-rabilongos (Aegithalos caudatus) ...



... Chapins-reais (Parus major) ...




e alguns outros mais.


O Outono corre, assim, num clima de tranquilidade. Até que um dia, o céu começa a apresentar um aspecto sombrio e ameaçador.



Menos de vinte e quatro horas passadas, o céu parece abrir todas as suas comportas. A chuva cai, então, em torrente e de forma persistente durante muitas horas seguidas.



O solo encharca rápido e o leito do rio, saturado de água a escorrer a grande velocidade, não aguenta e transborda.



A passarada voou para locais mais seguros. Apenas um ou outro melro-preto (Turdus merula) é visto no solo ensopado.




(continua)

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Relíquias do passado: o bisonte-europeu

 



Há mil anos, as majestosas florestas caducifólias que cobriam a Europa central albergavam dois emblemáticos e imponentes bovídeos selvagens.

Ao contrário do auroque (Bos primigenius), extinto em 1627, ascendente das raças actuais de bois-domésticos, o bisonte-europeu (Bison bonasus), que em 1919 tinha atingido o limiar da extinção, conseguiu sobreviver até aos dias de hoje. 

Na verdade, o bisonte-europeu vive actualmente em regime semi-selvagem nas míticas e velhas florestas da Europa de leste, após a sua reintrodução, onze anos depois daquela data, a partir de exemplares que viviam em cativeiro.




É, no presente, a maior espécie da fauna europeia, mas sem haver indícios de ter habitado a península ibérica, ao contrário do auroque, amplamente distribuído em Portugal durante o Calcolítico, como o atestam as gravuras rupestres do Vale do Côa. 

De porte semelhante ao do seu parente americano, também ele salvo da extinção, o bisonte-europeu apresenta um comprimento de cerca de 3,5 metros, quase 2m de altura no garrote e entre 800-900 Kg de peso (machos) e menos 300 kg (fêmeas).

É, na verdade, um animal impressionante, quer pelo seu olhar intimidante, quer pela sua compleição maciça. Apresenta uma proeminente bossa dorsal ...



... e uma cabeça robusta, revestida de pêlo mais comprido que o resto do corpo e da qual cai uma extensa barba. 



Os cornos, que são curtos, aguçados e curvados para cima, estão presentes em ambos os sexos. 



Tem como habitat as densas florestas mistas de coníferas e caducifólias (carvalhos, bétulas, amieiros, abetos, salgueiros, pinheiros-silvestres, tílias, ...), com clareiras e solos húmidos, facilmente transformados em lamaçais. 




No penumbroso meio florestal passa facilmente despercebido, dado ser uma espécie tímida e com uma actividade centrada nas primeiras horas da manhã e do entardecer. 




Devido aos inúmeros insectos que procuram a humidade das suas cavidades superiores ...



... e aos parasitas que se alojam na pele, deliciam-se em "banhos" de poeira nos espojadouros que cria pisoteando o solo das clareiras do bosque.




Este ungulado apresenta uma alimentação herbívora diversificada, alimentando-se de gramíneas, rebentos, cascas, ramagens, bolotas, musgos, líquenes e plantas de folhas persistentes.




A espécie vive geralmente em manadas, de dez a trinta exemplares, que se vão reajustando ao longo do ano de acordo com as diferentes etapas da sua biologia. Os velhos machos vivem solitários. 

O cio ocorre entre os meses de Agosto e Setembro. Atingem a maturidade sexual aos 4 anos e podem viver até aos 26 anos.


O seu principal predador ao longo dos tempos foi o homem, que o caçou de forma intensiva e simultaneamente foi destruindo a floresta onde vivia. 

Com o forte impacto da I Grande Guerra Mundial nas populações selvagens, as mesmas ficaram reduzidas a pouco mais de 50 exemplares confinados em zoos. Hoje em dia existem na Europa para cima de 3000 exemplares vivendo em semi-liberdade, uma vez que, sobretudo no Inverno são alimentados pelo homem com feno, de modo a não destruírem as árvores em crescimento, bem como, as culturas agrícolas dos campos em redor. 

Pode-se dizer que, a espécie recuperou bem e que gozava até ao início deste ano do estatuto de "vulnerável". Para que o seu estatuto não volte ao de espécie "em perigo" ou de "espécie ameaçada" será necessário que a gestão das suas populações, distribuídas por territórios da Polónia, Ucrânia, Bielorússia e Rússia, se continue a fazer ao abrigo das recomendações das directivas comunitárias. 

Será que tal estratégia é concretizável face à actual e monstruosa acção de destruição destes territórios, por parte da Rússia?


segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O belo aprovisionador

 




Correm os primeiros dias de Outubro. 

A temperatura continua acima dos valores médios para a época, o vento sopra suave e a pouca chuva que, entretanto, caiu não deixou marcas significativas nos lençóis freáticos. 

Depois do intenso nevoeiro, formado durante a madrugada, se conseguir dissipar, a natureza revela as suas cores de Outono.




É a partir de então, com a manhã serena e aquecida, que entre o bosque e as clareiras, surge a vida sob a forma de sons e movimentos. A cantoria é diversificada e são várias as aves que se observam cruzando o ar. 

Rolas-turcas (Streptopelia decaoto), aos pares, esvoaçam de poiso em poiso, sem nunca se afastarem uma da outra, de tal modo que quando assentam certificam-se que o parceiro pousou perto.



A um nível bem mais alto, as andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) parecem voadoras solitárias, uma vez que as suas parentes já partiram para África deixando de salpicar o céu com seus voos acrobáticos.




Melros-pretos (Turdus merula), que habitualmente se avistam a caçar minhocas e lesmas no solo, esvoaçam frequentemente para o interior do arvoredo, onde encontram insectos nas folhas e troncos.



Também as pequenas alvéolas-brancas (Motacilla alba), antes mesmo de serem observadas, assinalaram já a sua presença, mediante o seu canto típico e familiar. É vê-las efectuando pequenos voos sobre o solo buscando, aqui e ali, os preciosos insectos com que se alimentam.



Mas, por entre os cantos que se vão ouvindo pela manhã, destacam-se, pela intensidade e timbre, uns quantos, particularmente ruidosos. 

De facto, do interior das matas, bosques e parques urbanos de frondosas árvores, ouvem-se frequentemente os gritos roucos dos corvídeos, com destaque para a pega-rabuda (Pica pica) ...



... e para o gaio (Garrulus glandarius). 




Qualquer uma destas duas espécies é de dimensão média e voo moderadamente pesado, sendo observadas frequentemente em grupo. Não demonstrando uma especialização alimentar, estas duas espécies, tal como os restantes corvídeos, apresentam uma dieta omnívora. 

A primeira destas duas espécies e a mais comum, porque mais fácil de apreciar na natureza, é a pega-rabuda, a qual e por diversas vezes aqui já foi abordada. Será pois, sobre a segunda, que se dedicará este apontamento.


O gaio! 

Com uma plumagem muito viva nas asas, uropígio e cauda, que varia entre o castanho-rosado, o branco, o azul e o preto, bem como, com um destacado bigode negro a tombar para os lados da garganta, constitui uma ave deveras atraente, nomeadamente quando em voo. 




Nesta época outonal, o dia-a-dia do gaio é simples e repetitório. Aliás, semelhante ao de algumas outras espécies, tanto aves como mamíferos, que com ele comungam das mesmas preocupações alimentares. 

A sua jornada diária passa, numa primeira fase, pela recolecção de bolotas em locais onde tal é possível, devido à presença de uma ou outra Fagaceae. 



Assim, o tímido e cauteloso gaio chega bem cedo ao bosquete, sendo avistado ao longe, num voo rápido, com as asas coladas ao corpo.




Ao chegar, penetra o arvoredo pousando numa porção do ramo mais escondida.




A partir daqui, e depois de sentir que não existe qualquer sinal de perigo, saltará para outro que lhe pareça mais favorável, mesmo que para isso tenha que fazer um voo curto para uma árvore próxima.

Outras vezes, o gaio descerá ao solo, aproveitando as bolotas caídas das árvores.



Destes locais de alimentação privilegiados, o gaio voará rápido e determinadamente para os locais de aprovisionamento. 



A rota é sempre muito rectilínea mas apresenta paragens intermédias, em árvores sempre frondosas. Estas paragens servem para a ave recuperar energias e assegurar-se que a viagem continuará a ser feita em segurança, sempre dissimulada pelos padrões envolventes do meio.




É durante estas viagens que podemos ter o privilégio de apreciar como estes belíssimos pássaros transportam cada bolota, bem presa, no seu forte bico!





Chegado ao local escolhido, o gaio enterrará cuidadosamente as bolotas transportadas, para que não sejam devoradas por outros animais, como ratos, javalis, esquilos, ou outras aves granívoras, como o pombo-torcaz (Columba palumbus).




Cumprida esta viagem de trabalho, o gaio regressará ao parque ou bosque, onde recomeçará nova colheita de bolotas e o ciclo repetir-se-á, vezes sucessivas, ao longo do dia.

Cada gaio pode usar centenas de esconderijos onde armazena milhares de bolotas, sem se esquecer das suas localizações. É, pois, um recolector de excelência!


Este armazenamento de bolotas, para suprimento da falta das mesmas durante o período de Inverno, Primavera e Verão, é fundamental para a sobrevivência da espécie, apesar de na sua alimentação poderem incluir-se outras presas como, insectos, ovos e bagas. 


A actividade intensiva dos gaios, no que respeita à sua subsistência, acaba por ter implicações directas na biodiversidade local. É que, algumas das bolotas, enterradas ou muito bem cobertas por folhas e ramagens e não consumidas, acabam por germinar promovendo, assim, a expansão dos carvalhais e afins. 




Verifica-se, mais uma vez, que um ciclo particular da vida de uma espécie, como neste caso a alimentação do gaio, se interliga com outros ciclos naturais, numa dinâmica que se deseja nunca ser perturbada.