segunda-feira, 10 de outubro de 2022

O belo aprovisionador

 




Correm os primeiros dias de Outubro. 

A temperatura continua acima dos valores médios para a época, o vento sopra suave e a pouca chuva que, entretanto, caiu não deixou marcas significativas nos lençóis freáticos. 

Depois do intenso nevoeiro, formado durante a madrugada, se conseguir dissipar, a natureza revela as suas cores de Outono.




É a partir de então, com a manhã serena e aquecida, que entre o bosque e as clareiras, surge a vida sob a forma de sons e movimentos. A cantoria é diversificada e são várias as aves que se observam cruzando o ar. 

Rolas-turcas (Streptopelia decaoto), aos pares, esvoaçam de poiso em poiso, sem nunca se afastarem uma da outra, de tal modo que quando assentam certificam-se que o parceiro pousou perto.



A um nível bem mais alto, as andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) parecem voadoras solitárias, uma vez que as suas parentes já partiram para África deixando de salpicar o céu com seus voos acrobáticos.




Melros-pretos (Turdus merula), que habitualmente se avistam a caçar minhocas e lesmas no solo, esvoaçam frequentemente para o interior do arvoredo, onde encontram insectos nas folhas e troncos.



Também as pequenas alvéolas-brancas (Motacilla alba), antes mesmo de serem observadas, assinalaram já a sua presença, mediante o seu canto típico e familiar. É vê-las efectuando pequenos voos sobre o solo buscando, aqui e ali, os preciosos insectos com que se alimentam.



Mas, por entre os cantos que se vão ouvindo pela manhã, destacam-se, pela intensidade e timbre, uns quantos, particularmente ruidosos. 

De facto, do interior das matas, bosques e parques urbanos de frondosas árvores, ouvem-se frequentemente os gritos roucos dos corvídeos, com destaque para a pega-rabuda (Pica pica) ...



... e para o gaio (Garrulus glandarius). 




Qualquer uma destas duas espécies é de dimensão média e voo moderadamente pesado, sendo observadas frequentemente em grupo. Não demonstrando uma especialização alimentar, estas duas espécies, tal como os restantes corvídeos, apresentam uma dieta omnívora. 

A primeira destas duas espécies e a mais comum, porque mais fácil de apreciar na natureza, é a pega-rabuda, a qual e por diversas vezes aqui já foi abordada. Será pois, sobre a segunda, que se dedicará este apontamento.


O gaio! 

Com uma plumagem muito viva nas asas, uropígio e cauda, que varia entre o castanho-rosado, o branco, o azul e o preto, bem como, com um destacado bigode negro a tombar para os lados da garganta, constitui uma ave deveras atraente, nomeadamente quando em voo. 




Nesta época outonal, o dia-a-dia do gaio é simples e repetitório. Aliás, semelhante ao de algumas outras espécies, tanto aves como mamíferos, que com ele comungam das mesmas preocupações alimentares. 

A sua jornada diária passa, numa primeira fase, pela recolecção de bolotas em locais onde tal é possível, devido à presença de uma ou outra Fagaceae. 



Assim, o tímido e cauteloso gaio chega bem cedo ao bosquete, sendo avistado ao longe, num voo rápido, com as asas coladas ao corpo.




Ao chegar, penetra o arvoredo pousando numa porção do ramo mais escondida.




A partir daqui, e depois de sentir que não existe qualquer sinal de perigo, saltará para outro que lhe pareça mais favorável, mesmo que para isso tenha que fazer um voo curto para uma árvore próxima.

Outras vezes, o gaio descerá ao solo, aproveitando as bolotas caídas das árvores.



Destes locais de alimentação privilegiados, o gaio voará rápido e determinadamente para os locais de aprovisionamento. 



A rota é sempre muito rectilínea mas apresenta paragens intermédias, em árvores sempre frondosas. Estas paragens servem para a ave recuperar energias e assegurar-se que a viagem continuará a ser feita em segurança, sempre dissimulada pelos padrões envolventes do meio.




É durante estas viagens que podemos ter o privilégio de apreciar como estes belíssimos pássaros transportam cada bolota, bem presa, no seu forte bico!





Chegado ao local escolhido, o gaio enterrará cuidadosamente as bolotas transportadas, para que não sejam devoradas por outros animais, como ratos, javalis, esquilos, ou outras aves granívoras, como o pombo-torcaz (Columba palumbus).




Cumprida esta viagem de trabalho, o gaio regressará ao parque ou bosque, onde recomeçará nova colheita de bolotas e o ciclo repetir-se-á, vezes sucessivas, ao longo do dia.

Cada gaio pode usar centenas de esconderijos onde armazena milhares de bolotas, sem se esquecer das suas localizações. É, pois, um recolector de excelência!


Este armazenamento de bolotas, para suprimento da falta das mesmas durante o período de Inverno, Primavera e Verão, é fundamental para a sobrevivência da espécie, apesar de na sua alimentação poderem incluir-se outras presas como, insectos, ovos e bagas. 


A actividade intensiva dos gaios, no que respeita à sua subsistência, acaba por ter implicações directas na biodiversidade local. É que, algumas das bolotas, enterradas ou muito bem cobertas por folhas e ramagens e não consumidas, acabam por germinar promovendo, assim, a expansão dos carvalhais e afins. 




Verifica-se, mais uma vez, que um ciclo particular da vida de uma espécie, como neste caso a alimentação do gaio, se interliga com outros ciclos naturais, numa dinâmica que se deseja nunca ser perturbada.



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