quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

De Ovar à Caparica


De Ovar à Caparica dista apenas a distância de uma bofetada de luva branca.
A 4 de Dezembro do ano findo - no decurso do Fórum realizado pelo FAPAS em Ovar sobre os problemas da zona costeira - após ter sido por mim interpelado acerca da necessidade urgente de se proceder à alimentação, com areia, das praias do concelho face ao avanço dramático do mar e à ineficácia das obras em pedra construídas, o eng.º Veloso Gomes, consultor do INAG (entidade responsável por todas as intervenções no litoral português) e um dos oradores do dia procurou contrariar esta ideia, empregando para isso argumentos da maior debilidade e credibilidade. Acredito, contudo, que com esta sua argumentação frágil pretendesse apenas estar em sintonia com a retórica do seu anfitrião, o qual momentos antes e em jeito de abertura do fórum tinha falado de “alarmismos exagerados da parte de alguns” e de “as opções alternativas propostas serem pouco credíveis”. Na altura ficou por se saber a quem se referiria este senhor, mas hoje sabemos todos que se cumpriu o velho ditado popular que diz que “pela boca morre o peixe”.
É que duas semanas depois destas posturas críticas, assumidas de forma excitada naquele fórum, o mar atacou na costa da Caparica destruindo o cordão dunar e pondo em risco infra-estruturas de apoio. De imediato e para espanto de quem acompanha de perto esta problemática assistiu-se ao anúncio nos media por parte da presidência do INAG (Instituto da Água) de que, como medida de intervenção urgente, seria feito o reforço do cordão dunar com, imagine-se, ... areia (lembremos que a estratégia desta entidade ao longo dos anos foi sempre de desprezo por esta opção da alimentação artificial em prol da construção de defesas em pedra). Finalmente, a revolução de ideias havia chegado ao litoral! Mas o mais incrível estava para se ver e ouvir. Um ou dois dias depois deste posicionamento do INAG vem também à TV o referido engenheiro, consultor do mesmo instituto e que com a maior das naturalidades defende então aquilo que em Ovar havia condenado - a alimentação artificial das praias e a necessidade de abandono da frente litoral!
A importância desta postura contraditória (e simultaneamente patética) teria sido minimizada, passado mesmo despercebida, caso a mesma não tivesse representado uma enorme bofetada de luva branca naquele que levianamente continua a demonstrar não ter “dentes para as nozes que lhe são oferecidas”. Para aquele que há muito tempo, porque suficientemente alertado e documentado com estudos científicos locais, poderia ter sido o principal sujeito na reivindicação para o litoral ovarense destas intervenções agora desencadeadas na área da grande capital. São precisamente os 3 milhões de metros cúbicos de areia que na Caparica vão ser depositados de forma determinada que tanta falta fazem ao litoral do nosso concelho.
É com tristeza que se constata que, enquanto as autarquias (salvo honrosas excepções) continuarem a assumir posturas destas (como aquela assumida pela edilidade vareira a 4 de Dezembro) o país continuará dividido somente em duas grandes regiões geográficas: uma, a grande capital e a outra, a enorme paisagem! E não é isto que eu quero como cidadão e como munícipe que pago todos os impostos que me cobram. Não quero ver o município de onde sou natural e onde vivo, sem estratégia de desenvolvimento, sem alma para crescer, sem visão de futuro e com uma memória que se continua a apagar no tempo.
Mas não se pense que tudo foi mau naquele importante fórum. Antes pelo contrário. Este fórum poderá ter sido a gota de água que esteve na origem da reviravolta operada pelo INAG em finais de 2006 sobre como abordar a gestão da orla costeira portuguesa. Uma abordagem que está no começo, pois a metodologia usada terá que ser optimizada.
Pessoalmente congratulo-me com esta viragem na forma de olhar o litoral, que reflecte todo um esforço de vários anos a defender sozinho (e contra aqueles que hoje são adeptos) a alimentação artificial das praias e dunas e a deslocação dos povoados litorais para o interior, contra a mentalidade instituída de incentivo às obras em pedra e ao crescimento urbanístico nas frentes litorais. Uma viragem que permitiu também e subitamente fazerem-se ouvir mais algumas vozes que antes permaneciam caladas e que hoje já defendem, se bem que ainda timidamente, a alimentação artificial. Estou em crer, contudo, que estas vozes irão progressivamente aumentando de número e de tom para bem do litoral português.

(Artigo publicado a 01.02.07 no Jornal de Ovar)