quinta-feira, 25 de maio de 2023

O pecado ecológico





Foram feitos alguns avisos, mas não este, o da destruição do arvoredo do adro da igreja, realizada dois dias depois. 

Refiro-me ao que faltou comunicar à assembleia presente na passada eucaristia dominical celebrada na igreja matriz de Ovar. Afinal, ia acontecer uma revolução paisagística na envolvência da matriz, com mais de meio século, não sendo isto coisa de somenos importância!

Com este alerta que ficou por fazer, também não houve tempo para um último registo fotográfico antes do acto final!




Motivos? 

Consta que haveria uma grande preocupação com uma das árvores que estaria doente. Talvez estivesse, de facto, dado o estado revelado pelo interior do seu tronco após o corte ...




... mas, e as outras cortadas também, mas cujos cepos não demonstram sinais de qualquer doença?






Ouvem-se outros argumentários, nomeadamente sobre a relação árvores/azulejos das fachadas, degradados pela presença das árvores ou a possibilidade de queda de alguma delas (...) enfim, ouve-se o que se quiser alegar para justificar a decisão. 

Ora neste campo das justificações também parece legítimo não colocar de fora a opção, presunçosamente modernista, que se traduz em decisões precipitadas e de cariz egocêntrico.

Quando se lêem nas Sagradas Escrituras diversos salmos e cânticos em que os profetas do Antigo Testamento bendiziam o Senhor pelas maravilhas da criação, quando se lê S. Francisco de Assis e o seu amor e respeito que tinha pela irmã natureza, ou quando se atenta aos documentos do papa Francisco sobre a obrigação do homem zelar pela natureza como factor determinante do clima planetário, fica-se angustiado perante opções desta natureza, em tudo contrastantes.

Esta opção pela destruição, de longe isenta de consenso, parece mais ter sido arquitectada pela calada duma conjura. E porque quem hoje assim age, poderá certamente voltar à carga amanhã, aqui ficam, para a posteridade, a memória do que ainda resta da bonita composição arbórea que embelezou, tão bem, o espaço circundante da igreja matriz, durante várias gerações de ovarenses e de párocos que por aqui passaram.







Nota de rodapé

Talvez como medida reparatória deste pecado ecológico, devam ser plantadas no local, novas e viçosas árvores, para fornecerem a beleza e sombra entretanto subtraídas. Árvores, sim, pois de lampiões o adro parece já estar bem fornecido.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

A Primavera das novas vidas!

 






A Primavera é, por assunção, a estação do ano associada à renovação da vida!

De facto, é com a sua chegada que o arvoredo, do cinza invernal, começa a revestir-se com variadas tonalidades de verde, ...




... os campos e caminhos a encherem-se de flores multicoloridas, ...




... e a passarada, como o chapim-real (Parus major) a esgotar denodadamente os seus reportórios canoros, mesmo naquelas manhãs abafadas pela neblina. 




Enfim, a natureza prepara-se para mais um período de esplendor!


A Primavera é a época em que os insectos, como a mosca Eristalis tenax semelhante a um zangão melífero, surgem de forma mais visível e em maior quantidade, esvoaçando de flor em flor, como sobre o atraente pampilho (Coleostephus myconis), até ficarem saciados de néctar e cumprirem, sem o saberem, uma das tarefas mais importantes no ciclo da vida - a polinização.




É durante a Primavera que se podem observar diferentes estádios da vida dos insectos, como as danças nupciais destes singelos voadores, entre as quais se destacam as das libélulas e libelinhas, como as do gaiteiro-ocidental (Calopterix xanthostoma) ...




... ou o seu acasalamento, como acontece com o escaravelho fitófago Anisoplia villosa, sobre um caule de gramínea.                                    




Os insectos aproveitam o aumento da temperatura primaveril para que, dos ovos passem à fase larvar. Uma fase intermédia no desenvolvimento destes seres, verdadeiramente espectacular, não só pelo rápido crescimento que apresentam, mas também pela coloração que adquirem como forma de protecção. 

As coloridas lagartas da esfinge-da-eufórbia (Hyles euphorbiae) rastejando rápido, em pleno meio dia, em busca da planta base da sua alimentação, constituem mais um momento deste corrupio por mais uma nova vida, que se espera concretizada em breve, sob a forma de uma bonita borboleta nocturna.






Entre as aves, a reprodução é um processo simultaneamente visível e sonoro, para muitas espécies. 

Espécies de grande porte, como a cegonha-branca (Ciconia ciconia), anunciam ao mundo, com o matraquear dos seus longos bicos, o emparelhamento do casal...




...e semanas mais tarde, demonstram o grande cuidado com a prole.




As aves de menor porte, até por isso mais discretas, também vivem este período do ano de forma intensa... 

... reivindicando direitos territoriais, como o simpático pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula)...




... construindo habilmente os seus ninhos, como a  andorinha-dos-beirais (Delichon urbica)...



... ou alimentando cuidadosamente as crias, como o verdilhão-comum (Carduelis chloris).





A Primavera é também o tempo da multiplicação dos anfíbios. Pelas horas de menor calor, nos charcos, valas e rios ouve-se o insistente coaxar dos machos de rã-verde (Rana perezi), como estratégia para afastar rivais e atrair fêmeas.

Uma aproximação a esses locais permite apreciar a distensão dos sacos vocais produtores desses mesmos sons, os quais se fazem ouvir à distância.





A entrada na Primavera traz consigo um aumento na temperatura do ar fazendo com que os répteis saiam da sua letargia invernal. Os machos adquirem comportamentos vincadamente territoriais, bem visíveis pelo dimorfismo sexual que geralmente ocorre.


É o caso do lindíssimo lagarto-de-água (Lacerta schreiberi), em que os machos, com um corpo de menores dimensões que as fêmeas, mas com a cabeça mais azul e mais robusta, seguem-nas persistentemente no intuito de acasalarem.



O acasalamento nos répteis escamosos é na verdade um rito diferente do da maioria das espécies animais, até pela postura enroscada a que são obrigados durante a cópula, como acontece com a lagartixa-de-Carbonell (Podarcis carbonelli).




Sim, a Primavera é tempo de novas vidas. 

Para que isso aconteça, a natureza disponibiliza a cada espécie um tempo prévio para o namoro, o acasalamento, o nascimento e a criação, em que machos e fêmeas de insectos, aves, anfíbios, ... e mamíferos, seguindo códigos genéticos evolutivos, dão continuidade à linha da vida.




Tudo bem feito. Incrivelmente, perfeito.


quinta-feira, 11 de maio de 2023

A grande colónia ! (III)

 





(continuação)


A colónia do pântano fervilha de vida! No entanto, novos intervenientes surgem, reforçando o colorido da mesma. 

Chegaram as íbis-pretas. Com a sua bela plumagem castanha escura de reflexos esverdeados e com longos bicos arqueados, também elas se aprontam para dar início à criação.



Rapidamente se integram com as demais espécies, construindo os seus ninhos por entre os das garças-reais.




Há medida que mais íbis vão chegando à colónia, os seus ninhos começam a expandir-se para a vizinhança dos de outras garças, como o goraz e junto dos ninhos dos inquietos colhereiros.

Dada a natureza singela da estrutura dos mesmos é possível observar, muito bem, as suas posturas. E estas são, de facto, muito bonitas, pela atraente cor azul que apresentam.




Agora sim, pode-se afirmar que a colónia atingiu o seu auge. Os gritos de toda esta avifauna fazem-se ouvir a grande distância. Os movimentos dentro da colónia são mais agitados do que nunca, com a sucessiva eclosão dos ovos e consequente aumento de crias, que têm que ser alimentadas.


Mas há perigos que espreitam e ameaçam!


A gralha-preta (Corvus corone corone) ...




... e o milhafre-preto (Milvus migrans)...




... também criaram nas proximidades e precisam igualmente de providenciar alimento para as suas crias. 

Qualquer oportunidade de assaltarem a colónia, roubando um ovo ou caçando mesmo um recém-nascido, não será desperdiçada, tanto pelos corvídeos como pelas rapinas.


O pântano é um ecossistema riquíssimo, onde uma multidão de aves coloniais constitui apenas a ponta visível do icebergue.


Na toalha líquida, está o sustento da colónia. 



Peixes, anfíbios e outros invertebrados aquáticos, em grande número, vão assegurar o sucesso reprodutor da mesma, durante as próximas semanas.



É, também na água, que se movimentam outros importantes predadores, como a lontra (Lutra lutra), que chega a capturar indivíduos adultos feridos ou debilitados.




A contrastar com toda esta vivacidade exacerbada da colónia, ouvem-se, vindos do interior da densa vegetação do pântano - adubada, aliás, pela enorme quantidade de excrementos produzidos pelas aves coloniais - chamamentos bastante discretos, como o do megulhão-pequeno (Tachybaptus ruficollis), que imerge e emerge a um ritmo apressurado ...



... do negro galeirão (Fulica atra), de bico e placa frontal de um branco imaculado ...



... ou da negra galinha-d'água (Gallinula chloropus), detentora de um bico rubro com extremidade amarela.




Alguns outros, de tão discretos no meio e harmoniosos no semblante, fazem esquecer com suas cantorias, a áspera gritaria que a colónia dimana. 

É o caso do rouxinol-pequeno-dos-caniços (Acrocephalus scirpaceus), também ele um migrador trans-sariano que aqui se reproduz durante o estio.




Como que indiferentes à agitação colonial, famílias de patos-reais (Anas platyrhynchos) nadam serenamente enquanto se alimentam à superfície da água, de plantas e pequenos animais aquáticos.

  



É assim o pântano. 

Ao contrário de algumas ideias erróneas, é um grandioso ecossistema vivo. Um dos mais produtivos do planeta.

A sua protecção é, pois, absolutamente prioritária!




quinta-feira, 4 de maio de 2023

A grande colónia ! (II)

 





(continuação)


A colónia instalada no pântano reúne várias espécies de garças, aves que formam a família Ardeidae

Além das espécies anteriormente referidas, a colónia é constituída, também, por garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta), que aqui, exploram os nichos inferiores do arvoredo, muito próximos da água.




Quando estas aves atravessam o pântano no seu elegante voo, são inconfundíveis pela brancura da plumagem e pelo bico e patas negras com dedos amarelos, bem projectados do corpo.




A radiação solar é cada vez mais intensa. Talvez seja por isso, que a colónia parece estar muito mais agitada. Sobretudo, no que respeita às garças-boieiras! 

Estas, quando não estão a desparasitar-se, fazendo-o de uma forma até algo brusca ...



... estão a vocalizar insistentemente, ao mesmo tempo que esvoaçando em torno dos ninhos. As garças-reais, porém, parecem ignorá-las.



Enquanto se escrutinava os movimentos dos ardeídeos, o olhar passou por algo que o fez recuar de imediato. Dissimulada por entre a vegetação encontrava-se, junto do seu ninho, uma outra espécie da família, de envergadura similar a um goraz; a garça-pequena (Ixobrychus minutus).




Esta garça estival, que prefere esvoaçar baixo por entre os canaviais em vez de realizar voos abertos, assume posturas de uma tão grande imobilidade que se torna extremamente difícil descobri-la.



Como acontece normalmente, uma colónia de garças não é formada exclusivamente por membros desta família. A colónia, sendo uma estrutura orgânica vantajosa para qualquer dos seus membros, capta o interesse de outras famílias de pernaltas, também elas pertencentes à mesma ordem zoológica (Ciconiiformes).

Duas das espécies que habitualmente se associam às garças são o colhereiro (Platalea leucorodia) e a íbis-preta (Plegadis falcinellus)E esta colónia não foge à regra.


É sobretudo na parte central da colónia que se encontram os numerosos ninhos de colhereiros, essa bela ave possuidora de um comprido bico negro com a extremidade em forma de espátula amarela. 




O seu ninho, bastante robusto, é bem melhor trabalhado que o da garça-real...





... com quem chega a partilhar uma vizinhança próxima.






Os colhereiros são aves que dedicam bastante tempo ao cuidado da sua alva plumagem, que no período reprodutor adquire um farto penacho na cabeça e uma mancha acobreada no peito. 



Quando não cuidam da plumagem encontram-se em constante actividade, saindo do ninho, esvoaçando sobre o mesmo, para logo, sobre ele descerem. Um comportamento algo frenético, comum, como se viu, a outras espécies de aves da colónia.




Terminada a sua migração desde as planícies africanas, chegou há algum tempo à colónia a garça-vermelha (Ardea purpurea), que ao contrário das espécies anteriores, nidifica predominantemente no solo, por entre os caniços (Phragmites sp.) e juncos (Juncus sp.). 

Embora os seus ninhos não se consigam descortinar, elas pelo contrário, cruzam regularmente os ares, imponentes e belas, justificando a razão porque também são designadas de garças-imperiais. 






(continua)