sexta-feira, 13 de maio de 2022

Primavera na serra (III)



(continuação) 


A chuva que havia enlameado a terra despida, originou, também, pequenos regueiros em outras áreas da serra, onde o solo é de maior consistência. 

Esta água, que agora tem maior dificuldade de infiltração, vai escoando lentamente à superfície, originando, conforme a orografia assim o permite, pequenas bolsas, benditas para os seres vivos do planalto. 



Estamos nas turfeiras, verdadeiras relíquias de um passado distante. Ricas em urzes, musgos, tojos e muitas flores coloridas. 

Por aqui surge a gerenciana-das-turfeiras (Gentiana pneumonanthe), que em certos locais entrou já em floração antecipada.



Também por aqui ocorrem as campaínhas-amarelas (Narcissus bulbocodium)...



... bem como a omnipresente carqueja.



Refira-se que o colorido destas e de outras pétalas constitui uma atracção, não só para nós, mas também para os insectos, que nelas encontram alimento.




As nuvens altas que pairam sobre a serra não têm sido capazes de minimizar a intensidade dos raios solares. A Primavera vai mesmo quente! 

Um par de corvos (Corvus corax) passam altos a grasnar, como que indiferentes ao calor, evoluindo um atrás do outro, em perseguições de emparelhamento.



Cá por baixo, as lavercas também se encontram a acasalar. Os machos cantam efusivamente de um posto elevado, enquanto as fêmeas escutam atentamente e decidem o que fazer.



Quem marca presença por todo o lado, mesmo durante estas horas de calor intenso, em que poucas são as espécies avistadas, é o cartaxo-comum (Saxicola torquata). 

O característico canto do macho e a sua posição destacada nalgum ramo de arbusto ...



permitem-nos localizar a fêmea, pois andam normalmente muito próximos um do outro. 




A tarde avança, a temperatura começa a quebrar e a progressão no terreno torna-se menos penosa. Mas os animais, especialmente as aves, não quebram a sua actividade, antes pelo contrário. Novos intervenientes alados entram em cena, pois preferem as horas mais amenas do meio da tarde para se evidenciarem.

Um desses retardatários do dia é o Pintarrôxo-comum (Carduelis cannabina). O macho, garboso de plumagem e empoleirado no alto de uma giesta, tudo faz para conquistar uma fêmea que entrou no seu território.




Esta, distante alguns metros dele, escuta-o com toda a atenção.



Outro, dos que se reservaram para esta hora do dia, é a tordoveia (Turdus viscivorus). O elemento de maior porte da família, de postura bastante erecta, todo pintalgado nas partes inferiores e rápido na caça dos vermes que encontra no solo, constitui uma aparição deliciosa de se registar.



A tarde declina rapidamente. 

O gado, que todo o dia andou a pastar na vastidão da serra ...



... está agora de regresso à aldeia. Bois, cabras e ovelhas seguem sem hesitação caminhos rotineiros, aparentemente modeladores dos seus instintos. Com eles seguem pastores e cães de guarda.




De longe, chega o canto melancólico e inconfundível do Cuco-canoro (Cuculus canorus), pousado sobre um velho ramo que não parece querer florir. Projectado sobre o vale e ensombrado pela luz que só amanhã voltará, o cuco deixa sair a compasso, o seu cantar a dois tons. 



Chega, também, a nossa hora de recolher. 

Depois de um dia de dura caminhada pela serra, as vozes abafadas e os eflúvios que vêm da aldeia, guiam-nos resolutamente, até ao desejado descanso nocturno.


(continua)



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