(continuação)
O Verão acabou de inaugurar a sua temporada!
No seu caminho para a foz, ainda muito distante, o rio vai recolhendo águas deste ou daquele ribeiro, robustecendo desta forma, o seu caudal. Por outro lado, corre agora, por um leito de perfil mais suave, o que lhe permite ter uma menor velocidade de escoamento.
Sempre atento, desde tempos recuados, ao aproveitamento que pode fazer dos elementos da natureza, nomeadamente das águas fluviais, o homem foi construindo represas e albufeiras no curso dos rios, criando assim bolsas de água semi-paradas e de maior profundidade.
É aqui, nestas águas calmas semeadas de vegetação luxuriante, com raízes permanentemente subaquáticas, como as espadanas (Sparganium erectum) ...
... que se pode observar a galinha-d'água (Gallinula chloropus), com sua prole, procurando alimento nas margens lamacentas do rio.
Tal como tem acontecido ao longo de todo o curso do rio, as libelinhas (Calopterygidae) são presença constante. Contudo, agora, que as águas são mais calmas, outros protagonistas da família marcam a sua presença. Uma dessas novas espécies é o maravilhoso gaiteiro-negro (Calopteryx haemorrhoidalis).
Por esta razão, é frequente surgir nestas paragens um outro personagem, que irá ser presença constante rio abaixo. O Guarda-rios (Alcedo athis).
Uma verdadeira jóia cromátrica, que viaja no ar como um autêntico dardo e mergulha atrás da presa submersa como um verdadeiro arpão.
Vale a pena contemplar, demoradamente, este pequeno pássaro e maravilhoso pássaro.
Primeiro, chega rápido e pousa num posto de vigia, que habitualmente é um ramo pendente sobre a água ou o murete da represa do velho moinho.
E esta sequência é repetida vezes sem conta ao longo do dia.
Enquanto o guarda-rios se ocupa da sua pescaria, o coaxar da rã-verde (Rana perezi) junto à margem, não deixa ninguém indiferente.
Sobretudo a partir do meio da tarde, quando o Sol moderou o seu ardor, as vocalizações dos machos em cio, ampliadas pelos sacos vocais que se lhes projectam dos lados do focinho, constituem uma verdadeira sinfonia.
Refira-se que as rãs, presas fáceis da lontra, das garças, das aves de rapina e das cobras-d'água, são por sua vez grandes predadores de insectos, minhocas, aranhas e até pequenos peixes, integrando, assim, o primeiro patamar dos predadores do rio.
Entre as aves de rapina diurnas, que neste sector do rio encontram alimento, destaca-se a águia-d'asa-redonda (Buteo buteo), que habitualmente estuda o seu território de caça a partir de algum ponto de vigia próximo.
Já durante a noite, são outros os protagonistas alados que assumem este papel predatório. Entre eles destaca-se o bufo-pequeno (Asio otus), muito bem escondido e perfeitamente camuflado durante as horas do dia, nos ramos altos e frondosos do arvoredo.
Ambas as espécies são devoradoras de roedores, mas não enjeitam outras presas, como coelhos, pássaros, répteis e anfíbios.
Será a partir deste momento que, o rio, até agora vivo, irá começar a sofrer transformações significativas à medida que vai atravessando vilas, cidades e zonas industriais.
Acresce a esta carga poluente, a lixiviação dos pesticidas, herbicidas e insecticidas que o homem usa de forma intensiva nos pomares e campos de cultura, próximos do rio.
O rio entrou em agonia e com ele todos os habitats e espécies que lhe estão associados.
Com menor teor de oxigénio e maior teor de nitratos e fosfatos, as águas perdem a sua cristalinidade e adquirem tons de maior opacidade. Reacções anaeróbicas e processos de eutrofização estão assim, também, na base da perda de qualidade das águas do rio.
Destes troços poluídos ausentam-se peixes, anfíbios, pássaros e répteis. Como consequência ausentar-se-ão também os predadores de topo.
O rio não estará totalmente morto, mas, perdeu muito da sua função promotora da biodiversidade. Contudo, subsistem algumas espécies que tiram partido da sujidade e da poluição humanas.
Entre estas, destaca-se a oportunista ratazana-castanha (Rattus norvegicus), que além das excelentes capacidades natatórias, consegue aproveitar quase tudo para seu alimento.
Outra espécie, bem adaptada a meios onde os detritos abundam, e que encontra nas ratazanas, rãs, lagartos e outra bicheza morta na margem do rio, um dos muitos possíveis menus, é o milhafre-preto (Milvus migrans).
Antes de continuar a seguir o curso do rio, demoro-me a contemplar os lindos tapetes verdes de lentilhas-de-água (Callitriche stagnalis), que abrigam comunidades de pequenos seres vivos subaquáticos.
E o rio lá vai, atravessando povoado atrás de povoado. Vence uma cascata ali, atravessa um moinho acolá ...
Sem comentários:
Enviar um comentário