Zarpei bem cedo do porto de pesca, em direcção ao azul profundo do céu e do alto-mar, calmos, de uma serenidade rara a maior parte do ano, por estas bandas.
Atrás de mim, segue uma das muitas embarcações de pesca, que do porto também saiu, e cujo destino são os melhores pesqueiros, de forma a encher o porão, antes do seu regresso a casa.
Ao sabor de uma ondulação suave, que nem meio metro tem, a navegação assemelha-se ao bamboleio de um carrocel de meninos. Melhor ainda, pois, no carrocel falta o cheiro do mar e os insistentes gritos das gaivotas, que passam a voar por cima do barco.
Ainda nem uma milha de viagem feita e um grupo destas familiares aves, voando em linha, bem juntinho à água, fazem despertar a atenção.
O motivo desta procissão prende-se com o acompanhamento que fazem a um grupo de golfinhos-comuns (Delphinus delphis), também eles em movimento ondulatório, que ora os descobre à vista, ora os faz submergir nas águas escuras, frias e ricas do canhão, por onde seguem.
Enquanto os golfinhos nadam para sudeste, acompanhando à distância a linha da costa, o barco onde viajo dirige-se para o seu destino, com rumo de noroeste.
Atravessar o largo canhão submarino é sempre uma aventura, muitas das vezes complicada, algumas outras terrível, mesmo. Hoje, não.
O vento, que entretanto se intensificou e se faz sentir um pouco mais fresco sempre que a rajada surge, confere à vaga pequenas cristas, que acabam por dar contraste à negrura da água e pouco mais.
No convés, comodamente encostado à amura da embarcação, recordo outros tempos, em que fazia esta mesma travessia à custa de braços.
Então, encafuado no poço, sentado ao exacto nível do oceano e levando com as vagas na cara, sempre que o mar crescido as fazia quebrar em cima da embarcação, assim, realizava a travessia.
Sem estar obrigado a respirar o forte odor do gasóleo, estas sim, eram verdadeiras travessias épicas. Ao aroma da maresia era acrescida esta condição anfíbia, única, de enorme exigência física e mental, muito difícil de ser justificada ou compreendida, porque emanada do âmago de quem adorava sentir o oceano em absoluto.
Aventura? Talvez, sina!
Acordo destas salutares recordações, com os olhos fixos neste oceano azul escuro, que nem a crescente luz dura da manhã consegue penetrar, para descobrir que além de gaivotas, também há pardelas, a baloiçarem-se sobre a água.
Esta visão faz-me sentir entusiasmado. Sei que é um aperitivo para o que acontecerá ao longo do dia.
E o barco lá segue o seu rumo, apesar das fortes correntes marinhas parecerem decididas a contrariá-lo, adornando-o meigamente, para um e outro bordo.
Ao longe, através do horizonte turvado, pelo reflexo da luz numa atmosfera tolhida de vapor de água, já se avista imponente, emersa das águas, a montanha granítica onde irei desembarcar. No cimo da mesma, um majestoso farol, elemento da mais fina representação em qualquer pintura náutica.
À medida que o barco me acerca deste deslumbrante quadro paisagístico, aumenta em mim o anseio de poder fazer parte integrante do mesmo.
Antes da embarcação encostar ao cais, enquanto o motor refreia a marcha para vante e a tripulação se prepara para saltar para terra, com o intuito de prender os cabos de amarração, olho as altas falésias, iluminadas pelo Sol ardente do final da manhã.
A algazarra ensurdecedora de centenas de gaivotas voando desencontradas é suficiente para abafar a vozearia dos meus companheiros de viagem, também eles alvoroçados com o desembarque eminente.
(continua)
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