Entre a vegetação arbustiva que adornava o pinhal destacava-se, à data, como muito abundante, a camarinheira (Corema album).
Planta característica dos solos dunares apresentava-se no início da Primavera desprovida dos seus saborosos frutos, as camarinhas, que mais tarde ornamentariam a mata de múltiplos pontos brancos, ao mesmo tempo que serviriam de alimento a diferentes espécies animais.
A dominância deste tipo de vegetação arbustiva de médio porte permitia, ademais, a tão necessária camuflagem e abrigo para essa mesma fauna.
Era pois, por aqui, nas zonas mais interiores do pinhal, suficientemente afastadas do burburinho do povoado, que a vida silvestre, sobretudo ao nível dos mamíferos carnívoros, mais surpresas proporcionava.
Com o conhecimento dos seus hábitos e dos vestígios deixados pelos mesmos era possível, não raras vezes, encontros - sempre fascinantes - com esse grupo de seres.
O encontro com a astuta raposa (Vulpes vulpes) era quase sempre pré-anunciado, pelas marcas e odor característicos espalhados pelo seu território.
Sempre que acontecia, era uma delícia de avistamento ... apesar de extremamente fugaz!
Era também muito frequente encontrar despojos das caçadas protagonizadas pelas aves de rapina. Estas, predavam habitualmente sobre o pombo-torcaz (Columba palumbus), enquanto repousava nas ramagens.
A natureza arenosa do pinhal favorecia a formação de covas, que acabavam por se consolidar com as raízes e a própria vegetação herbácea do solo.
Estas aberturas eram procuradas não só por raposas, mas também, por coelhos e mustelídeos, como entradas para as complexas galerias das suas tocas.
Quando a tarde caía era hora de regressar. O pinhal começava a escurecer rapidamente. Os animais que se haviam avistados durante o dia já estavam recolhidos para o descanso nocturno.
Neste regresso ao lusco-fusco procurava-se aumentar os níveis de atenção sobre o estrato arbóreo, pois sabia-se que isso faria aumentar a probabilidade de novos avistamentos.
Apesar de completamente imóveis e com uma plumagem extraordinariamente camuflável, como de grossas ramagens se tratassem, podia-se com sorte descortinar aves de rapina nocturnas, como a emblemática coruja-do-mato (Strix aluco).
Esta mesma rapina nocturna, com os seus lancinantes gritos, haveria de afugentar das imediações do pinhal, umas horas mais tarde, a maioria dos seres humanos que por lá ainda circulassem! Os seus gritos eram interpretados, à luz das crendices populares de então, como de mau agoiro e de almas penadas a vaguearem pela noite.
A relutância natural em abandonar o mundo místico da mata conduzia, muitas das vezes, a uma rápida escuridão no seu interior, apesar de no exterior da mesma ainda haver alguma luz ambiente. Uma grande vantagem, afinal, para quem lá andava.
No cimo do arvoredo não espreitavam apenas as aves da noite. Os mamíferos nocturnos também. E era fabuloso quando se conseguia vislumbrar a geneta (Genetta genetta)...
... encolhida sobre um grosso ramo, com sua pelagem estriada e olhar ensonado, despertando muito lentamente para as intensas caçadas que aconteceriam por entre as copas.
A vida registada durante o dia continuava durante a noite, com os mesmos ou com outros protagonistas.
Havia, sem dúvida, bastante vida. Biodiversidade.
Talvez, porque durante anos se assistiu ao massacre de algumas espécies, levando as mesmas a níveis populacionais tão baixos que afectariam negativamente as cadeias tróficas do pinhal.
Talvez, devido à falta de vontade em cuidar da floresta por parte dos organismos com essa competência, e que conduziu ao aparecimento de espécies invasoras, melhor adaptadas para a sobrevivência.
Talvez, devido ao barulho dos veículos todo-o-terreno, que passaram a rasgar a quietude natural deste ecossistema, retirando as condições necessárias para a fixação da fauna selvagem.
Talvez, ... direi antes, certamente!
O pinhal abastardou-se com diferentes espécies de acácias (Acacia sp.), que não precisam de muito para subtraírem o solo necessário a toda a restante flora autóctone...
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