quarta-feira, 13 de maio de 2020

O Covid-19 e as aves da nossa cidade: os ícones da Primavera*



O governo anuncia para breve o desconfinamento da situação imposta pela pandemia nestes dois últimos meses. Contudo, esta intenção nunca esteve arredada da mente de alguns, pois há cidadãos que nem sempre saem à rua por motivos estritamente necessários, uns protegidos, outros de modo irresponsável.

Enquanto isto assim se passa na cidade de Ovar, as aves continuam a voar sem outros cuidados que não os relativos à reprodução.

Pois bem, nos apontamentos anteriores abordaram-se várias espécies de aves que vivem no burgo vareiro entregues, desde há algumas semanas, às suas lides de criação, sobrevoando o casario e sobretudo os espaços verdes da cidade. 

Observaram-se cegonhas-brancas, rolas-turcas, pombos domésticos, aves de rapina e distintas espécies de pássaros.

Verificou-se também a importância que representam para as aves os diferentes habitats citadinos, nomeadamente aqueles que são oferecidos pelos espaços verdes em geral e pelo parque urbano de modo particular.  

Perante tanta beleza natural assim encontrada poderíamos ter ficado por aqui, extasiados. No entanto, esta tela pintada com a avifauna primaveril não ficaria completa se não contivesse aquelas espécies icónicas anunciadoras da estação. As andorinhas e os andorinhões.

Um olhar atento à cidade ao longo do ano pode proporcionar aos ovarenses uma visão aparentemente estranha. De facto, mesmo em pleno Inverno, é possível, em determinados dias, verem-se andorinhas, voando rápidas e de forma acrobática, em tangentes bem calculadas, junto dos edifícios mais altos da cidade de Ovar.




E esta visão, digo já, nada tem de irrelevante, bem pelo contrário, pois em muitas outras vilas e cidades do país não se vê este tipo de aves. São as andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestres).

Esta é uma espécie migradora em outras regiões, distribuindo-se habitualmente por áreas montanhosas e costas escarpadas. Em Ovar, a espécie é residente ao longo do ano, tendo encontrado nos prédios altos os substitutos das escarpas, quer para dormitório, quer na Primavera para construir os ninhos.

De tonalidade castanha-cinza escura nas partes superiores e branco sujo por baixo, apresenta uma fisionomia compacta em voo. A cauda, ao contrário de outras primas suas, é muito pouco bifurcada, apresentando quando aberta, as características pintas brancas, tanto na parte superior, como na inferior.




Tem uma forma de voar muito mais poderosa e irrequieta do que outras espécies similares, efectuando mudanças rápidas de direcção, podendo elevar-se muito alto.



Uma das suas primas migradoras, vindas de África, é a andorinha-dos-beirais (Delichon urbica). Com um voo gracioso, mais leve e menos poderoso que o da andorinha-das-rochas, esta espécie é facilmente distinguível das restantes por apresentar o dorso e a parte superior das asas de cor preto-azulado e o uropígio e as partes inferiores brancas. Também apresenta a cauda um pouco mais bifurcada que a espécie anterior.




A andorinha-dos-beirais, que aprecia bastante a proximidade do homem e as suas habitações, ao voar deixa ouvir os seus alegres e encantadores chilreios, aos quais ninguém fica indiferente.

Nas suas andanças para procurar alimento pode elevar-se facilmente no ar atingindo às vezes grandes altitudes.



Outra andorinha proveniente de África é a denominada andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica).

Com o dorso e a parte superior das asas pretas-azuladas esta espécie distingue-se claramente da espécie anterior por quatro pormenores de fácil visualização: a cauda é comprida e profundamente bifurcada com dois longos filamentos, as partes inferiores do corpo são em branco creme, ausência de branco no uropígio e a garganta é escura (vermelha).





É a mais típica das andorinhas, frequentemente vista sozinha pousada nos fios eléctricos, chilreando muito alto, outras vezes voando por cima das árvores e outras vezes ainda fazendo voos rasantes ao solo ou por cima dos rios e charcos, para apanhar insectos.

Esta espécie prefere viver em terrenos abertos em detrimento do casario da cidade, sendo por isso mais observada no interior do parque urbano.


Para terminar a lista destes icónicos símbolos da Primavera falta a necessária referência ao campeão em voo. Este título pertence, indiscutivelmente, ao andorinhão-preto (Apus apus).

Com um voo muito rápido e mudando constantemente de direcção rodopiam em torno do topo dos prédios altos da cidade. Voando frequentemente a grande altura chegam a elevar-se, por vezes, alguns milhares de metros até não serem mais do que pequenos pontos no céu.




De coloração geral preto-acastanhado em todo o corpo, excepto na garganta que é de cor clara, distingue-se das andorinhas pela maior envergadura e pelas características asas em foice.





Sem dúvida que a sua grande adaptação à vida aérea é conseguida graças a essas grandes, muito encurvadas e pontiagudas asas que lhes conferem propulsão, manobrabilidade e resistência, para durante muito tempo se entregarem a autênticos raids aéreos sobre o céu da cidade. Também conseguem planar durante períodos de tempo superiores aos das andorinhas.

Ao contrário do agradável chilreio das andorinhas, os andorinhões fazem-se ouvir de forma estridente, sempre que passam a voar nas proximidades.


Quando se concentram às dezenas sobre uma dada área da cidade, é porque para aí se dirigiu uma densa nuvem de insectos. Então, é vê-los voando cada um para seu lado, subindo e descendo, em perseguições, como que uns atrás dos outros, fazendo recordar uma cena cinematográfica de combate de caças durante uma batalha aérea.
Mas em minha opinião os andorinhões ainda o conseguem fazer com mais espectacularidade!





Esta espécie fora do período de nidificação passa a vida no ar, inclusivamente "dormindo" em voo planado, a grande altitude. Podem descer, contudo, até às proximidades do solo, como as andorinhas, fazendo voos rasantes sobre os cursos de água para beberem, em voo.


Pois estamos num desses dias de princípios de Abril, após a chegada de todas as espécies migradoras vindas de África, que se vieram juntar às outras que aqui residem durante todo o ano.

As andorinhas e os andorinhões misturam-se entre si e com os outros voadores da cidade.

Os parques, os jardins, a cidade no seu todo, são verdadeiros espaços aéreos onde a todo o momento se cruzam mil e uma rotas, não havendo quem controle este tráfego! Contudo, o caos não existe! Grandes e pequenas aves têm os seus corredores aéreos próprios.





A andorinha-das-rochas é das primeiras a iniciar a nidificação na nossa cidade, pela segunda semana de Fevereiro. Não sendo marcadamente colonial nidifica por vezes só, escolhendo na cidade buracos nas paredes dos prédios altos onde irá construir o ninho.

Refira-se que para este conjunto de aves que hoje tratamos a forma final dos ninhos é variável embora todos assentem numa estrutura base em forma de taça, aberta ou semi-fechada, feita de fibras vegetais, erva e pequenas penas que são cimentadas por lama. Também a postura média é de 4-5 ovos para as três espécies de andorinhas e de 3 ovos para o andorinhão-preto.

Em meados de Abril já é possível observar os pais a alimentarem os filhotes já bem crescidos.




A andorinha-dos-beirais é a outra espécie que inicia a sua reprodução bem cedo em meados de Fevereiro. Na cidade instala os seus ninhos debaixo de saliências nos prédios ou fazendo jus ao seu nome por baixo dos beirais. Colonial, os seus ninhos encontram-se frequentemente contíguos uns aos outros. 

As crias são alimentadas por ambos os progenitores e pelos irmãos de ninhada anterior, que nunca se afastam do local do ninho.





Por vezes a mesma plataforma serve para as crias destas duas espécies esperarem pelos respectivos progenitores.




A andorinha-das-chaminés é um pouco mais tardia começando a nidificar em meados de Março e podendo fazer 2 a 3 posturas como a andorinha-dos-beirais.

Como já antes referido e ao contrário das suas primas esta espécie prefere o campo e o terreno aberto para aí construir os ninhos, podendo instalá-los com muita frequência no interior de construções (celeiros, estábulos, alpendres, …).

Logo que as crias abandonam o ninho a família é frequentemente avistada pousada nos fios eléctricos, chilreando muito. Dá então para ver como as crias apresentam uma cauda mais curta e os padrões de cor não são tão vivos.




O andorinhão-preto nidifica em pequenas colónias na cidade por baixo das telhas, nos campanários das igrejas, em buracos e fendas dos mais altos edifícios, parecendo demonstrar anualmente uma grande fidelidade ao parceiro e aos ninhos.




Inicia a sua época de reprodução em princípios de Abril e faz uma única postura.

Ao contrário do que se passa com as andorinhas, as crias de andorinhão-preto logo que começam a voar tornam-se independentes dos pais.





É certo que estamos na Primavera e em plena época de criação e como se tem constatado, neste conjunto de cinco apontamentos dedicados à vida das aves, este período do ano é propício a estes comportamentos frenéticos por parte da generalidade das aves.

Contudo, poderemos verificar em futura ocasião, como no caso deste grupo de aves trazidas hoje à estampa, as mesmas parecem levar todos os momentos da sua vida à velocidade dos seus voos!













este texto, só agora publicado, foi produzido durante o estado de emergência imposto pela pandemia do Covid-19, em total respeito pelo cumprimento das restrições em vigor.


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