(Continuação)
Um novo olhar, agora em outra direcção, permite constatar a presença de alguns Maçaricos-galegos (Numenius phaeopus).
Estas grandes limícolas identificam-se facilmente pelo seu comprido e recurvado bico, que usam para extrair os vermes de zonas mais profundas do lodo. Distinguem-se do seu parente e similar Maçarico-real (Numenius arquata) pela extensão do bico e pelo padrão da cabeça.
De facto, aparentada com a Garça-branca-pequena, a Garça-branca-grande (Casmerodius albus) distingue-se muito facilmente, ao primeiro olhar, pelo seu maior porte e pela cor amarela do seu bico.
Quando próximas, não oferecem dúvidas a ninguém! E podemos também agora confirmar os contrastes cromáticos do bico e tarsos.
Trata-se de uma espécie invernante no sul da Europa e relativamente recente nos campos encharcados que rodeiam a laguna aveirense.
A caminhada através dos prados húmidos da Ria de Aveiro não pára de nos revelar agradáveis avistamentos.
Sobre as zonas mais encharcadas dos campos, onde a água forma uma toalha sobre a vegetação rasteira, observam-se em voo Andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris), a única andorinha presente no Inverno no país.
Curioso é o facto desta espécie, durante o estio, estar ausente daqui e presente em pleno centro da cidade, por aí encontrar insectos com fartura. Durante o período de Inverno deixa a urbe e vem caçar neste riquíssimo habitat, entretanto deixado vago pela sua congénere a andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica), quando no final do Verão migra para África.
Um peneireiro-de-dorso-malhado (Falco tinnunculus), com a sua coloração dorsal castanha avermelhada encontra-se a "peneirar" sobre o prado, apresentando a cauda descaída e aberta em forma de leque. Permanece assim durante alguns segundos a observar a presa cá em baixo e em seguida deixa-se cair rapidamente para o solo. Desta vez falhou a captura e voa então para um poleiro próximo até que se dê nova incursão de caça.
Subitamente, a média distância, surge em voo baixo sobre o sapal, um macho de Águia-sapeira (Circus aeruginosus). Esta rapina residente na região, é uma especialista na caça de pequenas aves e pequenos mamíferos neste tipo de habitat. Depois de alguns batimentos de asa, a ave deixa-se deslizar com as asas levantadas em "V", antes de baixar ao solo.
Também, uma ou outra Cegonha-branca (Ciconia ciconia) é avistada por entre a vegetação campestre, agora dourada pelo cair do Sol, procurando as suas presas favoritas.
O Sol está a preparar-se para desaparecer no horizonte. A luz dourada do fim da tarde ilumina a vegetação ripícola conferindo a esta uma coloração muito atraente. É então, que se assiste ao bailado irrequieto da pequena Felosa-comum (Phylloscopus collybita), esvoaçando entre os ramos dos amieiros ou junto à água, por entre os silvados e os chorões das margens. Procura insistentemente insectos e pulgões.
O Pardal-comum (Passer domesticus), que em bandos passou o dia a deambular pelos campos agrícolas em redor da marisma, reúne-se no final da tarde nos choupos despidos, antes de voar, em grande algazarra, para arbustos mais frondosos onde irá passar mais uma noite fria.
Também por estes campos voa, embora em menor número que este seu parente, o Pardal-montês (Passer montanus), que se distingue pela coroa castanho-avermelhada, o babete menos extenso e uma mancha preta na face.
Enquanto no solo já é penumbra, o céu recebe os últimos raios dourados da tarde. É então, que surge uma ave cinzenta clara, em voo rápido e a descrever um largo círculo sobre o sapal. De repente pára e fica suspensa no ar, batendo as asas continuamente, como que procurando gozar estes últimos e encantadores momentos do entardecer. Trata-se do Peneireiro-cinzento (Elanus caeruleus). Um colonizador proveniente do norte de África e que é cada vez mais uma presença na região lagunar da Ria de Aveiro.
O nosso dia na marisma está a chegar ao fim. A nossa caminhada leva-nos de novo às águas livres da grande laguna. A maré já é de enchente vai para algumas horas.
Os mouchões ainda albergam hirtas Gaivotas-de-asas-escuras (Larus fuscus) e algumas poucas limícolas, que enfrentam o ar frio e húmido que a fuga do Sol vai trazendo.
Um ou outro Garajau-de-bico-preto (Sterna sandvicensis) passa em voo pesado, a meia altura, com o bico dirigido para baixo, pronto a se deixar cair sobre o primeiro peixe que nade junto à superfície. Mas também ele, quando fatigado, deixa-se repousar nos bancos inter-mareais associando-se a outras famílias de aves já nossas conhecidas deste dia.
No areal da margem da laguna, um grupo de umas quantas Gralhas-pretas (Corvus corone) vão debicando calmamente sobre o areal.
No ar passam bandos de pequenas limícolas escorraçadas pelos contínuos espraios da corrente de enchente sobre as vazas, que assim vão desaparecendo.
Como que para terminar em beleza este dia de plena comunhão com a natureza selvagem da Ria de Aveiro é avistado, alto no céu, um numeroso grupo de aves, que despertam a nossa atenção...
... são centenas de anatídeos que, momentos antes levantaram de diferentes pontos do sapal, evoluíram em círculos elevados sobre o mesmo de modo a engrossarem o bando, e agora juntos, dirigem-se para os seus refúgios nocturnos.
Outros bandos surgem com a mesma génese e com o mesmo destino.
Nestes bandos incluem-se Patos-reais (Anas platyrhynchos), Patos-colhereiros (Anas clypeata), Marrequinhas (Anas crecca), Piadeiras-comuns (Anas penelope), Frisadas (Anas strepera), Arrábios (Anas acuta) e Zarros (Aythya ferina).
Lindos, muito lindos estes avistamentos!
E, entretanto, faz-se noite sobre a marisma.
Chegou o momento certo para o regresso.
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