(continuação)
Da aridez da rocha semi-nua, em que correu enquanto riacho, o rio desliza agora, por entre uma galeria arbustiva ...
... antecedente da galeria arbórea que se aproxima.
Uma moldura vegetal de árvores, algas, fetos e arbustos ribeirinhos encerram, assim, o cenário em que o rio corre.
É, a estas cotas mais baixas, em que a velocidade das suas águas diminui - por um lado, pela redução dos declives do seu leito e por outro, pela contribuição da galeria ripícola no controlo dos caudais - que o rio atinge o seu esplendor. Quer do ponto de vista estético, quer como ecossistema natural.
A menor turbulência das águas permite que outras espécies de peixes, como o barbo-do-norte (Luciobarbus bocagei), encontrem aqui um habitat adequado.
Tal como antes, a lontra irá marcar presença em toda a extensão do rio, desde que factores adversos não a impeçam de tal. Por conseguinte, a presença dos grandes barbos constitui uma fonte de nutrientes para estes mamíferos carnívoros, que podem assim reforçar os seus efectivos.
Neste sector intermédio do rio, o ímpeto das águas decaiu de forma substancial, razão pela qual as rochas por ele transportadas, vindas da penedia, serem de menor envergadura.
Pese embora, a sua menor dimensão, elas cumprem, contudo, uma importante função na oxigenação das águas. É que, águas agitadas são águas oxigenadas e águas oxigenadas promovem uma biota aquática reforçada.
Refira-se que, a boa oxigenação das águas resulta também, embora a uma menor escala, dos processos fotossintéticos realizados pelas plantas aquáticas submersas.
Descubramos, então, a biocenose deste sector fluvial.
Sobre as rochas, revestidas de algas e onde os insectos e outros invertebrados se fixam, observam-se, à distância de um olhar, vários exemplares de alvéola-cinzenta (Motacilla cinerea), calcorreando pela procura de alimento.
Também a alvéola-branca (Motacilla alba) aparece, de quando em vez, partilhando os mesmos nichos da sua parente, sem haver sinais visíveis de competição entre ambas.
O dossel arbóreo das margens - formado por choupos (Populus sp.), amieiros (Alnus glutinosa), salgueiros-pretos (Salix atrocinerea) e salgueiros-brancos (Salix alba), a que se juntam na encosta, pinheiros-marítimos (Pinus pinaster), alguns carvalhos-alvarinhos (Quercus robur), freixos (Fraxinus sp.) e eucaliptos (Eucalyptus globulus) - confere um ambiente de grande intimidade, já que a luz tem enorme dificuldade em banhar o solo e o rio.
É neste ambiente de penumbra, matizado por raios de luz, que se esgueiram por entre a ramagem da galeria ripícola, que podemos registar uma diversidade de outros pequenos pássaros, agitados pelo fervor da criação.
Os melros-pretos (Turdus merula), omnipresentes em quase todos os habitats possíveis, também aqui se observam, caçando vermes nas margens lamacentas contíguas à água. Contudo, é a uma outra ave da sua família que se dá um especial destaque. Menos comum que o melro, a tordoveia (Turdus viscivorus) surpreende o observador ao deixar o interior do bosque ripícola para descer até à proximidade do rio e explorar as rochas cobertas de algas.
A pequena carriça (Troglodytes troglodytes), quase passa despercebida por entre a vegetação aquática, que sobressai do rio.
Não fosse o seu chamamento, o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), tal como a carriça, seria de difícil observação neste meio aquático, em que os tons das ramagens onde poisa pouco contrastam com as cores da sua plumagem.
O mesmo acontece com o tentilhão-comum (Fringilla coelebs), especialmente as fêmeas que não apresentam cores vivas, e que passam facilmente despercebidas.
Neste rio, de águas escuras, agitadas e preenchidas por singelas criaturas, que sucessivamente se me oferecem descobrir, olho em redor, envolvido por esta imensa cúpula verde e sinto, inexplicavelmente, uma quietude profunda.
A natureza encontra-se numa harmonia arrebatadora!
(continua)
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