O verão não está a seguir os padrões climatéricos próprios da época.
Os dias de sol aberto, sem nuvens e convidativos ao descanso na praia, no rio ou no campo, são substituídos por dias fechados, em que o sol muitas das vezes não consegue fazer chegar até nós um único dos seus raios, deixando as praias, os rios e os campos praticamente despidos de veraneantes.
A marisma, contudo, segue povoada de seres cuja presença não depende da quantidade de raios solares chegados à Terra ou da espessura do tecto de nuvens.
A presença das aves na marisma é apenas condicionada pelo estado da maré. Na verdade, é o nível da água dentro da laguna, que oscilando ao longo do dia e dos dias, irá permitir que aquelas apareçam e desapareçam de forma cíclica.
Contrariamente ao que os cânones afirmam sobre a distribuição das aves selvagens no território continental português, certas espécies não são muito abundantes somente no Inverno ou durante as passagens migratórias. Elas são, efectivamente, observadas ao longo de todo o ano na região norte de Portugal.
É delas que iremos tratar hoje, num desses dias abafados mas encobertos e em que a maré está a encher.
As gaivotas são das aves mais comuns nas zonas litorais. A marisma, pelas condições que oferece em termos de abrigo e disponibilidade alimentar, atrai algumas espécies desta família.
Entre elas estão as muito comuns gaivotas-de-asas-escuras (Larus fuscus)...
... e os não menos conhecidos guinchos (Chroicocephalus ridibundus).
Enquanto as primeiras se reproduzem a latitudes elevadas, nomeadamente na Escandinávia e Islândia, os segundos apresentam uma área de nidificação muito mais ampla, inclusive fazendo-o em núcleos dispersos na Península Ibérica.
À medida que a corrente de maré vai arrastando para o interior da marisma pequenos invertebrados, moluscos e crustáceos, as gaivotas, nadando ...
... ou calcorreando os lodos vão satisfazendo os seus apetites.
Quando a maré começa a baixar, as gaivotas acocoradas nos pequenos mouchões que conseguiram ficar a descoberto, em grupos frequentemente mistos, repousam, dedicando-se também ao cuidado da plumagem.
Mas não são apenas os Laridae, família a que pertencem as gaivotas, a contrariar a distribuição geográfica fornecida pelos guias de aves. Também algumas limícolas e garças o fazem.
A garça-branca (Egretta garzetta), por exemplo, é uma das espécies que reside durante todo o ano nas marismas do norte de Portugal. A sua actividade pesqueira é meticulosamente elaborada.
Em dias de sol forte, quando as sombras facilmente se projectam, a ave prefere deslocar-se muito lentamente dentro de água até se imobilizar erecta.
Então, movimentando apenas a cabeça e inclinando o corpo, consegue alcançar o melhor ângulo de visão para o interior da água.
Quando a presa passa à distância certa, a garça projecta rapidamente o seu aguçado e comprido bico na direcção da mesma.
Esta exímia pescadora costuma também, com uma das patas, agitar a água ...
... de forma a espantar os peixes e assim mais facilmente os capturar.
Nos dias em que o Sol não marca presença a garça-branca altera o seu método de pesca passando a deslocar-se mais rapidamente sobre o lodo, ...
... mudando frequentemente de poiso mediante curtíssimos voos, de modo a capturar pequenas presas que encontra nas bolsas de água que a massa lodosa cria.
(continua)