sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Ecos do silêncio (II)

 




(continuação)


O Verão parece ter silenciado os pequenos seres do pinhal. Eles continuam a explorá-lo, é verdade, a encontrar nele os vermes, as sementes e os insectos de que se alimentam diariamente, mas fazem-no num profundo mutismo.


Excelentes cantores como o verdilhão-comum (Chloris chloris), ...



... o melro-preto (Turdus merula), ...



... ou ainda o palrador pardal-comum (Passer domesticus) ...




... parecem fantasmas, que apenas o bater de asas os denuncia.


É este silêncio, quente, que apetece saborear, demoradamente. Não o façamos, pois, de pé. 

Sentemo-nos sobre a mesma areia que há milhares de anos atapetava o fundo do oceano, então coberta de algas e conchas e que hoje está polvilhada com agulhas, vegetação rasteira, musgos e líquenes. 



Recostados a um dos muitos sóbrios troncos, aconchegados neste singelo assento, podemos então, saborear o silêncio da mata. 

A ausência de vento no interior do pinhal ajuda-nos neste objectivo. 



É durante este momento contemplativo, que sem demora, adquire contornos extáticos, que nos damos conta que, apesar da ausência das cantorias das aves e do bulir da vegetação sacudida pelo vento, a vida está lá. Presente e cheia de dinamismo.


(continua)  


sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Ecos do silêncio

 





antes se havia afirmado que o Verão é a estação silenciosa. E se há lugar onde se pode fazer jus a este postulado é, precisamente, no interior de um pinhal.

As matas litorais nacionais do norte e centro do país são constituídas maioritariamente por povoamentos de pinheiro-bravo (Pinus pinaster), ...





 ... aos quais se vieram juntar, infelizmente, certas invasoras como as acácias (Acacia sp.) ... 




... e diversas folhosas, sobretudo no correr de valas de água.




Caminhando, numa destas tardes quentes de Agosto, sobre o piso fofo da areia de antigas dunas móveis, agora fixas pelos pinheiros-bravos, apetece parar. 



Parar, não por cansaço de uma viagem que ainda mal começou, mas tão somente por um impulso interior que nos impele a sentir. 

A sentir o ambiente acariciador do pinhal; a escutar o seu silêncio, a absorver os seus aromas.




Já lá vai distante, o despontar da Primavera, em que pelas altas copas dos pinheiros esvoaçavam alegres bandos de parídeos, formados por chapins-reais (Parus major), ...



... chapins-rabilongos (Aegithalos caudatus) ...



... e chapins-carvoeiros (Periparus ater).



Dada a pequenez de tais criaturas e a distância a que se achavam do solo, as suas presenças eram assinaladas pelos seus cantos, que sibilantes na origem, chegavam aos nossos ouvidos deliciosamente dóceis.

Nesse frenesim que caracteriza a Primavera ecoavam, bem mais fortes, os cantos dos machos de tentilhão-comum (Fringilla coelebs), quando ao desafio sobre as ramagens proclamavam direitos territoriais.





Esse tempo já lá vai, de facto. 



(continua)



sexta-feira, 16 de agosto de 2024

O lagarto-de-água (II)






(continuação)


Após a cópula, que como referido antes, é antecedida de um demorado cortejamento, o casal procura um local de grande exposição solar e de forte irradiação de calor - frequentemente uma superfície rochosa - onde permanecerá demoradamente, com a finalidade de ambos recarregarem energia suficiente para reposição das suas temperaturas corporais. Trata-se, afinal, da termorregulação, um processo natural ocorrente em animais, popularmente, designados como de "sangue frio".



O suave cantarolar do ribeiro por entre as rochas é entrecortado, de tempos a tempos, pelo canto abafado da carriça (Troglodytes troglodytes) que, da margem e juntinho à água, tenta capturar insectos, base da sua alimentação.




Tal como a carriça, também a dieta alimentar do lagarto-de-água faz-se, essencialmente, à custa de insectos, sempre abundantes nestes meios húmidos.



Entre os predadores deste encantador réptil contam-se diferentes aves de rapina, cegonhas, garças e mamíferos carnívoros.




O lagarto-de-água enfrenta-os mediante diferentes estratégias dissuasoras, que passam pela fuga, pela camuflagem entre a vegetação, ...



... pela submersão e pela capacidade de perderem deliberadamente a cauda quando por ela estiverem aprisionados. 


Além da predação natural, a espécie está sujeita a diversas ameaças produzidas pelo homem sobre o seu habitat. Incêndios e queimadas indiscriminadas, ...



... destruição de zonas húmidas e de galerias ripícolas, extensão das áreas urbanizadas e o crescimento da agricultura intensiva, traduzem perda de habitat disponível para o lagarto-de-água.


É assim que, apesar da espécie gozar do estatuto de "Pouco preocupante" no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, se entende a grande preocupação demonstrada ao nível europeu, com o estatuto atribuído pela Convenção de Berna no seu Anexo III (espécies a proteger) e pela Directiva "Habitats" (Directiva 92/43/CEE), no Anexo II (espécies que exigem zonas especiais de conservação) e no Anexo IV (espécies que exigem protecção rigorosa). 



sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Veraneantes (II)

 





(continuação)


Após alguns dias em que as manhãs clarearam bem cedo, voltámos a acordar sob uma neblina densa e persistente, que apenas o meio dia solar irá conseguir dispersar.




A marisma sob o efeito das marés-vivas apresenta, quando na baixa-mar, mais lodo que água. Praticamente despercebidos, pelo tamanho e coloração da plumagem, circulam nas praias de vaza alguns pilritos-de-peito-preto (Calidris alpina) adultos. Tratam-se de indivíduos que não empreenderam a migração primaveril para as zonas habituais de reprodução no norte da europa. 



Além desta espécie, considerada na bibliografia como migradora de passagem e invernante, também por aqui andam outras espécies a quem é atribuído igual estatuto.


O borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula) é uma delas, podendo-se avistar vários indivíduos dispersos pelos lodaçais durante o verão.



Associando-se ao borrelho surge a rola-do-mar (Arenaria interpres), outra das espécies que parece insistir numa mudança do seu calendário de ocorrência.



Considerada uma ave de passagem, o maçarico-galego (Numenius phaeopus) é na verdade uma espécie residente em Portugal, já que ocorre em diferentes zonas húmidas durante todo o ano. Não são raros os grupos de indivíduos desta espécie associados a outras limícolas e gaivotas.



Uma das limícolas mais atraentes da fauna portuguesa é a íbis-preta (Plegadis falcinellus). Embora no passado fosse uma espécie muito pouco abundante e associada às passagens migratórias - também porque a sua distribuição europeia era muito localizada - no presente é cada vez mais frequente, ocorrendo em grandes bandos ao longo de todo o ano e com nidificação confirmada a norte do Tejo.



Para terminar este apontamento sobre os veraneantes - que ainda não o são nos compêndios da especialidade - refere-se o conhecido e espectacular flamingo-comum (Phoenicopterus roseus).



Ausentes do norte do país até à década de 90 do século passado, o flamingo começou por ser uma espécie avistada durante o inverno, mas hoje está presente ao longo de todo o ano. 

A invisibilidade temporária da espécie na região não implica que aquela esteja ausente da mesma e por conseguinte não possa ser considerada como espécie residente.



À medida que o astro-rei vai declinando, a marisma ganha um contra-luz deveras encantador. 

Ao contemplar este grupo de belíssimos flamingos adultos alimentando-se neste final de tarde de verão, não parecem restar dúvidas de que as alterações climáticas são a principal causa das modificações na distribuição das espécies vivas em todo o planeta. 



Este impacto das alterações do clima torna-se muito mais visível nas espécies migratórias, já que os seus calendários são condicionados pela variabilidade climática das próprias estações do ano. Os exemplos apresentados neste apontamento são prova disso. 


sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Veraneantes

 





O verão não está a seguir os padrões climatéricos próprios da época. 

Os dias de sol aberto, sem nuvens e convidativos ao descanso na praia, no rio ou no campo, são substituídos por dias fechados, em que o sol muitas das vezes não consegue fazer chegar até nós um único dos seus raios, deixando as praias, os rios e os campos praticamente despidos de veraneantes.




A marisma, contudo, segue povoada de seres cuja presença não depende da quantidade de raios solares chegados à Terra ou da espessura do tecto de nuvens.

A presença das aves na marisma é apenas condicionada pelo estado da maré. Na verdade, é o nível da água dentro da laguna, que oscilando ao longo do dia e dos dias, irá permitir que aquelas apareçam e desapareçam de forma cíclica.



Contrariamente ao que os cânones afirmam sobre a distribuição das aves selvagens no território continental português, certas espécies não são muito abundantes somente no Inverno ou durante as passagens migratórias. Elas são, efectivamente, observadas ao longo de todo o ano na região norte de Portugal.

É delas que iremos tratar hoje, num desses dias abafados mas encobertos e em que a maré está a encher. 



As gaivotas são das aves mais comuns nas zonas litorais. A marisma, pelas condições que oferece em termos de abrigo e disponibilidade alimentar, atrai algumas espécies desta família. 


Entre elas estão as muito comuns gaivotas-de-asas-escuras (Larus fuscus)...




... e os não menos conhecidos guinchos (Chroicocephalus ridibundus).



Enquanto as primeiras se reproduzem a latitudes elevadas, nomeadamente na Escandinávia e Islândia, os segundos apresentam uma área de nidificação muito mais ampla, inclusive fazendo-o em núcleos dispersos na Península Ibérica.


À medida que a corrente de maré vai arrastando para o interior da marisma pequenos invertebrados, moluscos e crustáceos, as gaivotas, nadando ... 




... ou calcorreando os lodos vão satisfazendo os seus apetites.



Quando a maré começa a baixar, as gaivotas acocoradas nos pequenos mouchões que conseguiram ficar a descoberto, em grupos frequentemente mistos, repousam, dedicando-se também ao cuidado da plumagem.



Mas não são apenas os Laridae, família a que pertencem as gaivotas, a contrariar a distribuição geográfica fornecida pelos guias de aves. Também algumas limícolas e garças o fazem. 


A garça-branca (Egretta garzetta), por exemplo, é uma das espécies que reside durante todo o ano nas marismas do norte de Portugal. A sua actividade pesqueira é meticulosamente elaborada. 

Em dias de sol forte, quando as sombras facilmente se projectam, a ave prefere deslocar-se muito lentamente dentro de água até se imobilizar erecta. 




Então, movimentando apenas a cabeça e inclinando o corpo, consegue alcançar o melhor ângulo de visão para o interior da água.




Quando a presa passa à distância certa, a garça projecta rapidamente  o seu aguçado e comprido bico na direcção da mesma.




Esta exímia pescadora costuma também, com uma das patas, agitar a água ...



... de forma a espantar os peixes e assim mais facilmente os capturar. 




Nos dias em que o Sol não marca presença a garça-branca altera o seu método de pesca passando a deslocar-se mais rapidamente sobre o lodo, ...



... mudando frequentemente de poiso mediante curtíssimos voos, de modo a capturar pequenas presas que encontra nas bolsas de água que a massa lodosa cria.



(continua)