quarta-feira, 29 de janeiro de 1997

Ria de Aveiro, poluída de calculismos políticos


     Sobre esta laguna, sua região envolvente e seus problemas, já muito se falou e muita tinta se gastou. Seminários, colóquios, artigos na imprensa, etc., têm servido para atrair a atenção de plêiades de interessados nas mensagens de um conjunto crescente de comunicadores, todos muito sabedores mas quase sempre pouco determinados nas suas recomendações, bem como, demasiadamente parcos de soluções.
      Será pela falta de projectos claros, claríssimos, destes senhores (técnicos) e pela revelada falta de sensibilidade (leia-se, conveniências políticas) dos outros senhores (do poder e das decisões) que penso não ficar por aqui a necessidade da realização de outros tantos eventos do género, de puro marketing institucional e político.

     É verdade que na Ria de Aveiro existem problemas tão graves quanto complexas serão as acções a desenvolver para a sua correcção. Mas este facto não justifica de modo algum que, uma Associação dos Municípios da Ria e uma Universidade “plantada” à beira das suas águas, onde o Ambiente e o Ordenamento até têm honras departamentais, não tenham revelado ao longo dos últimos vinte anos, um plano global de gestão e de resolução daqueles problemas, tendo pelo contrário, revelado uma nítida falta de posicionamento, como verdadeiras forças de pressão junto dos governos, no sentido da valorização desta região natural.

        Atentemos apenas, dada a natureza deste apontamento, a quatro situações concretas cuja resolução, não estando à vista, justifica a angústia traduzida nas palavras acabadas de escrever.

        Repare-se na teatral representação da peça “Vamos dragar a Ria”. Há vários anos anunciada, mas na verdade até agora ainda está por ser levada à cena. Para quando a sua estreia? Quem souber que o diga, por favor. Mas o que toda a gente bem sabe, é que a remoção dos lodos constitui uma necessidade primária para a melhoria da qualidade das suas águas, bem como, permitirá uma melhor navegabilidade nos seus principais canais.

        Repare-se nas queixas constantes de marnotos e agricultores relativas aos desmoronamentos das motas de protecção e consequente invasão dos terrenos pela força das marés. Custos, à priori já esperados, resultantes da ampliação do Porto de Aveiro, mas que deviam ter merecido a concretização atempada de um plano de recuperação e reforço de motas degradadas. Para quando esse plano? Parece estar prometido (pela Junta Autónoma do Porto de Aveiro)!

        Repare-se ainda na localização do pipe-line subaquático para transporte de cloreto de vinilo, desde o Porto de Aveiro até Estarreja, o qual após concluído e por certo devidamente vistoriado, situa-se simplesmente, a cotas de tal modo perigosas, que em determinadas zonas e na maré-baixa fica praticamente a descoberto. Restam agora os muitos cuidados, a quem por ele passar.

        Por último, repare-se também, na beleza paisagística de toda a região, bem como, nos seus valores naturais cujo status poderia e deveria ser melhorado. Bastava que para isso e tão simplesmente se substituíssem os estudos e mais estudos e mais estudos que aqui se fazem, que na verdade a nada têm levado, senão ao cumprimento da própria “ocupação” de investigar, pela tarefa de demarcar, legislar e preservar áreas, cujo valor é sobejamente conhecido desde há muito. E o Instituto de Conservação da Natureza sabe-o bem. Só que não tem demonstrado vontade para tal. Sempre que o chamam para “coisas destas”, não responde, não aparece.
        
         Doloroso, confrangedor, poluente...

 (Artigo publicado a 28.02.97 no Jornal de Ovar)

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