sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Degelo glaciar: bater em retirada!

 




(continuação)


Parecia tardar, mas chegou. Chegou mais uma vez.

Não sei se será coincidência ou se será antes uma tendência. O costume de fazer sair apressadamente do armário bolorento os fantasmas da “protecção” do litoral.

No passado 28 de Agosto foi produzida uma deliberação pela Agência Portuguesa do Ambiente, IP, provavelmente a reboque de uma pressão do poder local, no sentido de levar a cabo a empreitada de reabilitação e reforço da estrutura longitudinal aderente e dos esporões na praia do Furadouro, no valor de dois milhões, quatrocentos e trinta e nove mil, vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos acrescido de IVA.

 

Esta notícia vem confirmar a grande e permanente dificuldade destes personagens da governança em entenderem que o problema da erosão da linha de costa, não sendo de agora, toma no presente contornos cada vez mais graves, também pela incorrecta adopção de medidas.

 

Senão vejamos.

A subida do nível do mar, intensificada nas últimas décadas, previsivelmente será agravada nos próximos anos, pelas consequências que o aquecimento global continua a provocar no degelo das calotas polares e nos glaciares.

O volume oceânico irá, assim, continuar a expandir, independentemente das construções ou obras de engenharia que se queiram implementar na faixa litoral. 

Não é a pedra que irá travar este processo da subida do nível médio do mar.

 

A falta de areia na corrente de deriva litoral foi sendo agravada, por décadas de exploração de inertes nos rios e nas bacias portuárias, sem que tenha havido preocupações com o impacto que estas explorações comerciais viriam a ter nas praias. Esse impacto foi muito alto e as praias foram desaparecendo porque a areia a elas não chegava.

Não é com pedra que se vai colmatar este défice arenoso das praias.

 

Apesar dos drásticos efeitos da erosão litoral constituírem um acontecimento antigo no concelho de Ovar (emagrecimento das praias e destruição de palheiros e outras construções), apesar de o mar nunca ter deixado de galgar terra adentro nos anos subsequentes, apesar dos alertas feitos com base em estudos realizados nas praias do concelho de que a regressão da linha de costa era uma realidade, apesar das recomendações feitas sobre a gestão destes problemas, a verdade é que se preferiu assobiar para o lado umas vezes e chutar para canto das outras.

 


E como se nada de grave estivesse a acontecer nestas praias ameaçadas do concelho ovarense foram-se permitindo novas construções habitacionais e hoteleiras na frente marginal, ignorando os perigos daí decorrentes.

E coloca-se a questão. Porque é que em vez de uma gestão danosa não se agiu em sentido oposto, relocalizando estes interesses instalados para locais mais recuados e seguros da linha de costa?

 

Por isso, apesar das toneladas e toneladas de pedra que se colocaram nas praias do concelho e que não resolveram coisa nenhuma (antes pelo contrário fragilizaram sectores que não sofriam erosão), restam duas certezas absolutas.

A primeira é que estas descargas de pedra não são uma oferta dos deuses. Elas são pagas por todos nós.

E aqui coloca-se uma nova questão: porque teremos todos de pagar este custo de protecção dos interesses particulares de quem quer continuar a viver com os pés dentro de água e com projectos turísticos mirabolantes na cabeça?

A segunda certeza é que, embora as praias não encham de areia e o medo do mar de Inverno esteja sempre presente, alguém vai dormir muito mais aconchegado com os lucros deste negócio.

 

Na verdade, o problema da erosão costeira transformou-se hoje em dia num desafio de gestão costeira!

E para fazer uma gestão séria é preciso ter … coragem na sua abordagem, a qual nada tem a ver com uma atitude de Pilatos em mandar descarregar uns quantos camiões de pedra sobre o litoral.

Caso não aconteça um milagre, o abandono da faixa litoral do concelho, será uma sentença ditada pelo oceano a curto prazo!

Não é agradável esta visão, de facto. Mas não há como a contornar. Será, então, necessário retirar as populações da faixa litoral. Bater em retirada.  

Mas para tomar esta decisão é preciso que surjam políticos com … a tal coragem. 

                   

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