Parecia tardar, mas chegou.
Chegou mais uma vez.
Não sei se será coincidência ou
se será antes uma tendência. O costume de fazer sair apressadamente do armário bolorento os
fantasmas da “protecção” do litoral.
No passado 28 de Agosto foi
produzida uma deliberação pela Agência Portuguesa do Ambiente, IP, provavelmente
a reboque de uma pressão do poder local, no sentido de levar a cabo a
empreitada de reabilitação e reforço da estrutura longitudinal aderente e dos
esporões na praia do Furadouro, no valor de dois milhões, quatrocentos e trinta
e nove mil, vinte e quatro euros e trinta e nove cêntimos acrescido de IVA.
Esta notícia vem confirmar a
grande e permanente dificuldade destes personagens da governança em entenderem
que o problema da erosão da linha de costa, não sendo de agora, toma no
presente contornos cada vez mais graves, também pela incorrecta adopção de
medidas.
Senão vejamos.
A subida do nível do mar,
intensificada nas últimas décadas, previsivelmente será agravada nos próximos
anos, pelas consequências que o aquecimento global continua a provocar no
degelo das calotas polares e nos glaciares.
O volume oceânico irá, assim,
continuar a expandir, independentemente das construções ou obras de engenharia que
se queiram implementar na faixa litoral.
Não é a pedra que irá travar este
processo da subida do nível médio do mar.
A falta de areia na corrente de
deriva litoral foi sendo agravada, por décadas de exploração de inertes nos
rios e nas bacias portuárias, sem que tenha havido preocupações com o impacto
que estas explorações comerciais viriam a ter nas praias. Esse impacto foi
muito alto e as praias foram desaparecendo porque a areia a elas não chegava.
Não é com pedra que se vai
colmatar este défice arenoso das praias.
Apesar dos drásticos efeitos da
erosão litoral constituírem um acontecimento antigo no concelho de Ovar (emagrecimento
das praias e destruição de palheiros e outras construções), apesar de o mar nunca
ter deixado de galgar terra adentro nos anos subsequentes, apesar dos alertas
feitos com base em estudos realizados nas praias do concelho de que a regressão
da linha de costa era uma realidade, apesar das recomendações feitas sobre a
gestão destes problemas, a verdade é que se preferiu assobiar para o lado umas
vezes e chutar para canto das outras.
E como se nada de grave estivesse
a acontecer nestas praias ameaçadas do concelho ovarense foram-se permitindo novas
construções habitacionais e hoteleiras na frente marginal, ignorando os perigos
daí decorrentes.
E coloca-se a questão. Porque é
que em vez de uma gestão danosa não se agiu em sentido oposto, relocalizando estes
interesses instalados para locais mais recuados e seguros da linha de costa?
Por isso, apesar das toneladas e
toneladas de pedra que se colocaram nas praias do concelho e que não resolveram
coisa nenhuma (antes pelo contrário fragilizaram sectores que não sofriam
erosão), restam duas certezas absolutas.
A primeira é que estas descargas
de pedra não são uma oferta dos deuses. Elas são pagas por todos nós.
E aqui coloca-se uma nova
questão: porque teremos todos de pagar este custo de protecção dos interesses particulares
de quem quer continuar a viver com os pés dentro de água e com projectos turísticos mirabolantes na cabeça?
A segunda certeza é que, embora
as praias não encham de areia e o medo do mar de Inverno esteja sempre presente,
alguém vai dormir muito mais aconchegado com os lucros deste negócio.
Na verdade, o problema da erosão
costeira transformou-se hoje em dia num desafio de gestão costeira!
E para fazer uma gestão séria é
preciso ter … coragem na sua abordagem, a qual nada tem a ver com uma atitude
de Pilatos em mandar descarregar uns quantos camiões de pedra sobre o litoral.
Caso não aconteça um milagre, o
abandono da faixa litoral do concelho, será uma sentença ditada pelo oceano a
curto prazo!
Não é agradável esta visão, de facto. Mas não há como a contornar. Será, então, necessário retirar as populações da faixa litoral. Bater em retirada.
Mas para tomar esta decisão é preciso que surjam políticos com … a tal coragem.
Sem comentários:
Enviar um comentário