quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Quando o vento sul bate sobre a Ria ....




      .... esta transforma-se, oferecendo quadros paisagísticos novos. Nestas ocasiões não há lugar para a paisagem apresentar coloração "Beneton", porque a atmosfera de cor cinza carregada projecta-se na água e nas terras criando um contínuo entre os distintos meios. 
Entre os figurantes deste cenário agreste destacam-se as aves selvagens, que por aqui estão de passagem ou por aqui invernam.

O dia avança ao mesmo tempo que o vento continua a soprar forte, em rajadas sucessivas, ajudando a maré a subir no canal ainda muito seco. O cheiro a chuva paira no ar, ao contrário das aves que preferem aninhar-se em terra.



Algumas destas espécies, para se defenderem das fortes rajadas, agrupam-se, posicionando-se de frente para a borrasca; outras, vagueiam solitárias ou em pequenos grupos, nas águas baixas junto às margens. 




Em geral, nestes dias frios e ventosos, há sempre uma ou outra surpresa para um birdwatcher. É como encontrar um brinde no bolo-rei!

Hoje, a primeira das surpresas, foi observar um grupo de nove corvos-marinhos-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo carbo) e uma garça-real (Ardea cinerea) estratégicamente pousados numa estrutura flutuante muito próxima de terra, num local onde habitualmente as aves não se acercam devido à presença do homem. Refira-se a propósito que, a primeira destas duas espécies era essencialmente marinha, há uma meia dúzia de anos atrás, sendo muito poucos os indivíduos que penetravam então Ria adentro.

A segunda surpresa do dia, ainda maior e por isso mais saborosa, foi observar, muito perto da margem, dois colhereiros (Platalea leucorodia), imparáveis no seu peculiar modo de procura de alimento. Tal como o seu nome indica, a forma em espátula do seu bico ajuda-o a filtrar os organismos de que se alimenta. Esta espécie, embora já observada uma ou outra vez em invernos anteriores, é considerada uma espécie acidental na Ria de Aveiro, quer durante o Inverno, quer durante as passagens migratórias.







Mas nesta época do ano o estado do clima é mutável, mesmo num intervalo de vinte e quatro horas. E assim, logo que o vento amaina, a chuva passa e o Sol desponta envergonhado, a Ria volta a transformar-se. É um vulgar cliché dizer-se que depois da tempestade vem a bonança. E é com este chavão que as aves da Ria reconstroem um novo cenário. E é neste novo cenário que as surpresas continuam a surgir.

Os corvos-marinhos-de-faces-brancas e as garça-reais voam agora de forma fácil no céu, cruzando diferentes direcções .... os dois colhereiros mudaram de poiso e provavelmente não voltarão a ser vistos, quem sabe ....  mas outras espécies deixam-se então observar .... umas mais pequenas, outras maiores.... 

Poisados hirtos nos caniços, os cartaxos-comuns (Saxicola torquatus) mais parecem sentinelas.... e sobre o sapal voam próximas algumas águias-sapeiras (Circus aeruginosus), pré-anunciando as paradas nupciais.... acompanhando as garça-reais voam as garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta) e .... eis que surge mais outra surpresa! Mais um brinde no bolo-rei que é a Ria de Aveiro. 

Voando a meia altura sobre os caniçais, logo atrás da garça-branca-pequena, surge esbelta uma garça-branca-grande (Casmerodius albus)! 


Foto retirada do google images

Nesta rara observação das duas espécies voando próximas, torna-se bem nítida a diferença de envergaduras. Esta última espécie é também acidental na Ria, ocorrendo raramente e de forma isolada no Inverno, sendo a sua primeira observação na região relativamente recente.


É assim o Inverno na Ria de Aveiro! Muito bonito e oferecendo vários brindes.



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