O governo anuncia para breve o desconfinamento
da situação imposta pela pandemia nestes dois últimos meses. Contudo, esta intenção
nunca esteve arredada da mente de alguns, pois há cidadãos que nem sempre saem
à rua por motivos estritamente necessários, uns protegidos, outros de modo
irresponsável.
Enquanto isto assim se passa na cidade
de Ovar, as aves continuam a voar sem outros cuidados que não os relativos à reprodução.
Pois bem, nos apontamentos anteriores abordaram-se várias espécies de aves que vivem no burgo vareiro entregues,
desde há algumas semanas, às suas lides de criação, sobrevoando o casario e
sobretudo os espaços verdes da cidade.
Observaram-se cegonhas-brancas, rolas-turcas, pombos domésticos, aves de rapina e distintas espécies de pássaros.
Observaram-se cegonhas-brancas, rolas-turcas, pombos domésticos, aves de rapina e distintas espécies de pássaros.
Verificou-se também a importância que
representam para as aves os diferentes habitats citadinos, nomeadamente aqueles
que são oferecidos pelos espaços verdes em geral e pelo parque urbano de modo
particular.
Perante tanta beleza natural assim encontrada poderíamos ter ficado por aqui, extasiados. No entanto, esta tela pintada com a avifauna
primaveril não ficaria completa se não contivesse aquelas espécies icónicas
anunciadoras da estação. As andorinhas e os andorinhões.
Um olhar atento à cidade ao longo do
ano pode proporcionar aos ovarenses uma visão aparentemente estranha. De facto,
mesmo em pleno Inverno, é possível, em determinados dias, verem-se andorinhas,
voando rápidas e de forma acrobática, em tangentes bem calculadas, junto dos
edifícios mais altos da cidade de Ovar.
E esta visão, digo já, nada tem de
irrelevante, bem pelo contrário, pois em muitas outras vilas e cidades do país não
se vê este tipo de aves. São as andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestres).
Esta é uma espécie migradora em outras
regiões, distribuindo-se habitualmente por áreas montanhosas e costas
escarpadas. Em Ovar, a espécie é residente ao longo do ano, tendo encontrado
nos prédios altos os substitutos das escarpas, quer para dormitório, quer na
Primavera para construir os ninhos.
De tonalidade castanha-cinza escura nas partes superiores e branco sujo por baixo,
apresenta uma fisionomia compacta em voo. A cauda, ao contrário de outras
primas suas, é muito pouco bifurcada, apresentando quando aberta, as
características pintas brancas, tanto na parte superior, como na inferior.
Tem uma forma de voar muito mais
poderosa e irrequieta do que outras espécies similares, efectuando mudanças rápidas de direcção, podendo elevar-se muito alto.
Uma das suas primas migradoras, vindas
de África, é a andorinha-dos-beirais (Delichon
urbica). Com um voo gracioso, mais leve e menos poderoso que o da
andorinha-das-rochas, esta espécie é facilmente distinguível das restantes por
apresentar o dorso e a parte superior das asas de cor preto-azulado e o
uropígio e as partes inferiores brancas. Também apresenta a cauda um pouco mais
bifurcada que a espécie anterior.
A andorinha-dos-beirais, que aprecia bastante a proximidade do homem e as suas habitações, ao voar deixa ouvir os
seus alegres e encantadores chilreios, aos quais ninguém fica indiferente.
Nas suas andanças para procurar
alimento pode elevar-se facilmente no ar atingindo às vezes grandes altitudes.
Outra andorinha proveniente de África
é a denominada andorinha-das-chaminés (Hirundo
rustica).
Com o dorso e a parte superior das
asas pretas-azuladas esta espécie distingue-se claramente da espécie
anterior por quatro pormenores de fácil visualização: a cauda é comprida e
profundamente bifurcada com dois longos filamentos, as partes inferiores do
corpo são em branco creme, ausência de branco no uropígio e a garganta é escura
(vermelha).
É a mais típica das andorinhas,
frequentemente vista sozinha pousada nos fios eléctricos, chilreando muito
alto, outras vezes voando por cima das árvores e outras vezes ainda fazendo
voos rasantes ao solo ou por cima dos rios e charcos, para apanhar insectos.
Esta espécie prefere viver em terrenos
abertos em detrimento do casario da cidade, sendo por isso mais observada no interior
do parque urbano.
Para terminar a lista destes icónicos
símbolos da Primavera falta a necessária referência ao campeão em voo. Este
título pertence, indiscutivelmente, ao andorinhão-preto (Apus apus).
Com um voo muito rápido e mudando
constantemente de direcção rodopiam em torno do topo dos prédios altos da
cidade. Voando frequentemente a grande altura chegam a elevar-se, por vezes, alguns
milhares de metros até não serem mais do que pequenos pontos no céu.
De coloração geral preto-acastanhado
em todo o corpo, excepto na garganta que é de cor clara, distingue-se das
andorinhas pela maior envergadura e pelas características asas em foice.
Sem dúvida que a sua grande adaptação à vida aérea é
conseguida graças a essas grandes, muito encurvadas e pontiagudas asas que lhes
conferem propulsão, manobrabilidade e resistência, para durante muito tempo se
entregarem a autênticos raids aéreos
sobre o céu da cidade. Também conseguem planar durante períodos de tempo superiores aos das
andorinhas.
Ao contrário do agradável chilreio das
andorinhas, os andorinhões fazem-se ouvir de forma estridente, sempre que
passam a voar nas proximidades.
Quando se concentram às dezenas sobre
uma dada área da cidade, é porque para aí se dirigiu uma densa nuvem de
insectos. Então, é vê-los voando cada um para seu lado, subindo e descendo, em
perseguições, como que uns atrás dos outros, fazendo recordar uma cena
cinematográfica de combate de caças durante uma batalha aérea.
Mas em minha opinião os andorinhões ainda o conseguem
fazer com mais espectacularidade!
Esta espécie fora do período de
nidificação passa a vida no ar, inclusivamente "dormindo" em voo planado, a
grande altitude. Podem descer, contudo, até às proximidades do solo, como as
andorinhas, fazendo voos rasantes sobre os cursos de água para
beberem, em voo.
Pois estamos num desses dias de
princípios de Abril, após a chegada de todas as espécies migradoras vindas de
África, que se vieram juntar às outras que aqui residem durante todo o ano.
As andorinhas e os andorinhões
misturam-se entre si e com os outros voadores da cidade.
Os parques, os jardins, a cidade no
seu todo, são verdadeiros espaços aéreos onde a todo o momento se cruzam mil e
uma rotas, não havendo quem controle este tráfego! Contudo, o caos não existe! Grandes e pequenas aves têm os seus corredores aéreos próprios.
A andorinha-das-rochas é das primeiras
a iniciar a nidificação na nossa cidade, pela segunda semana de Fevereiro. Não sendo
marcadamente colonial nidifica por vezes só, escolhendo na cidade buracos nas
paredes dos prédios altos onde irá construir o ninho.
Refira-se que para este conjunto de
aves que hoje tratamos a forma final dos ninhos é variável embora todos
assentem numa estrutura base em forma de taça, aberta ou semi-fechada, feita de
fibras vegetais, erva e pequenas penas que são cimentadas por lama. Também a
postura média é de 4-5 ovos para as três espécies de andorinhas e de 3 ovos
para o andorinhão-preto.
Em meados de Abril já é possível
observar os pais a alimentarem os filhotes já bem crescidos.
A andorinha-dos-beirais é a outra
espécie que inicia a sua reprodução bem cedo em meados de Fevereiro. Na cidade instala os
seus ninhos debaixo de saliências nos prédios ou fazendo jus ao seu nome por
baixo dos beirais. Colonial, os seus ninhos encontram-se frequentemente
contíguos uns aos outros.
As crias são alimentadas por ambos os
progenitores e pelos irmãos de ninhada anterior, que nunca se afastam do local
do ninho.
Por vezes a mesma plataforma serve
para as crias destas duas espécies esperarem pelos respectivos progenitores.
A andorinha-das-chaminés é um pouco
mais tardia começando a nidificar em meados de Março e podendo fazer 2 a 3
posturas como a andorinha-dos-beirais.
Como já antes referido e ao contrário
das suas primas esta espécie prefere o campo e o terreno aberto para aí
construir os ninhos, podendo instalá-los com muita frequência no interior de
construções (celeiros, estábulos, alpendres, …).
Logo que as crias abandonam o ninho a
família é frequentemente avistada pousada nos fios eléctricos, chilreando
muito. Dá então para ver como as crias apresentam uma cauda mais curta e os
padrões de cor não são tão vivos.
O andorinhão-preto nidifica em
pequenas colónias na cidade por baixo das telhas, nos campanários das igrejas, em
buracos e fendas dos mais altos edifícios, parecendo demonstrar anualmente uma
grande fidelidade ao parceiro e aos ninhos.
Inicia a sua época de reprodução em princípios
de Abril e faz uma única postura.
Ao contrário do que se passa com as
andorinhas, as crias de andorinhão-preto logo que começam a voar tornam-se
independentes dos pais.
É certo que estamos na Primavera e em
plena época de criação e como se tem constatado, neste conjunto de cinco
apontamentos dedicados à vida das aves, este período do ano é
propício a estes comportamentos frenéticos por parte da generalidade das aves.
Contudo, poderemos verificar em futura
ocasião, como no caso deste grupo de aves trazidas hoje à estampa, as mesmas
parecem levar todos os momentos da sua vida à velocidade dos seus voos!
* este texto, só agora publicado, foi produzido
durante o estado de emergência imposto pela pandemia do Covid-19, em total
respeito pelo cumprimento das restrições em vigor.
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