O pombo-doméstico, raça derivada do pombo-das-rochas (Columba livia) e a rola-turca (Streptopelia decaoto), que progressivamente se foi expandindo para ocidente desde meados do século passado, são duas espécies muito presentes em múltiplas cidades e vilas de Portugal, de que Ovar não é excepção.
Na origem desta mútua expansão está a comensalidade de ambas as espécies e o homem, traduzida pela conjugação de diferentes factores, todos eles favoráveis a estas aves, tais como, a obtenção fácil de alimento, a disponibilidade de nichos onde fazer criação e a significativa falta de predadores no ecossistema urbano.
Enquanto os
pombos-domésticos, cada um com seu padrão de plumagem de tonalidades predominantemente
escuras, são muito eclécticos na hora de fazerem a postura, servindo-se para
isso de diferentes nichos, tais como, habitações devolutas, águas-furtadas,
ruínas, campanários, … as rolas-turcas, vestidas com uma plumagem extremamente
suave e adornadas com um semi-colar, encontram nos parques e jardins, as árvores
de grande porte e de copas densas, onde podem facilmente esconder os ninhos.
Volvida esta primeira página
do portefólio destas duas espécies centremo-nos agora na sua actividade
primaveril, que está ao rubro!
Não há hora do dia, direi
mesmo minuto algum, em que ao levantarmos a cabeça para o céu não se consiga
perscrutar um pombo a cruzar o ar, com seu voo rápido e vigoroso bater de asas,
ou de atalaia no cimo dos prédios próximos ou ainda em rituais de acasalamento,
em que predominam o arrulho e os constantes acenos de cabeça.
Mas tudo isto acontece por muito pouco tempo, pois aquele que passou a voar, no momento seguinte já aterrou algures e os que estavam poisados, entretanto, levantaram voo sem avisar.
Estes comportamentos decorrem
desta forma e não de outra, porque as aves, de um modo geral, apresentam uma postura
irrequieta, nervosa e inconstante, mas também, porque os pombos-domésticos,
como as demais aves desta cidade, estão em pleno período de nidificação.
Para terem sucesso na
nidificação, estas aves, os pombos, precisam de se alimentar, bem. Para isso
invadem ruas e praças de forma denodada, ocasionando concentrações crescentes
onde os monótonos arrulhos se misturam com os atropelos desta avifauna
impertinente.
Quando na urbe não conseguem obter o que pretendem esforçam-se um pouco mais, voando velozmente até aos campos em redor, onde irão encontrar garantidamente os preciosos grãos, sementes ou pequenos rebentos vegetais que tanto lhes apraz.
De papo cheio regressam tão
velozes quanto partiram ….. direitinhos ao local onde nidificam. A seu lado alguns
congéneres ainda estão a construir o ninho enquanto outros já alimentam as
crias recém-nascidas.
A observação de um ou outro
pombo a rasgar o céu, em voos rápidos e directos, é uma realidade repetitiva
levada a cabo ao longo do dia. Contudo, quando subitamente bandos destas aves aparecem
a esvoaçar rápido dispersando-se em diferentes direcções, como que fugindo de
algo que as assusta, é indício de que não estão a fugir de um fantasma, mas sim
de algo com existência real.
Este ano, contrariando o estatuto
de pouco frequente na região, há uma espécie de ave de rapina, que tem marcado
presença habitual no céu de Ovar e que tem na sua dieta presas de pequeno e
médio porte, como os pombos-domésticos. Refiro-me à águia-calçada (Hieraaetus pennatus), assim designada por apresentar
o tarso coberto por penas que se estendem até aos dedos.
Esta águia, de pequena
dimensão, deslizando suavemente ao sabor das correntes aéreas sobrevoou
regularmente o burgo vareiro desde Março até meados de Abril, período que
corresponde ao término da sua viagem migratória e ao início do seu período de
nidificação.
Desta forma se compreende
porque, perante as excelentes capacidades de voo e de ataque desta rapina, os
pombos-domésticos, de quando em vez, aumentem significativamente os seus níveis
de stress!
Sedentos, pelo stress, os
pombos encontram facilmente água pela cidade, bebendo-a com o bico imerso, sem
necessidade de inclinarem a cabeça para trás como outras aves o fazem para
conseguir beber.
Enquanto os pombos da cidade levam esta frenética vida, as rolas-turcas levam a sua, de forma bem mais harmoniosa, deixando-se observar, geralmente poisadas em ramos, postes ou outros promontórios, frequentemente nas proximidades de cursos de água, e de onde tentam descobrir algum alimento caído no solo; este, quando avistado será recolhido de imediato mediante um voo descendente, de sonoro bater de asas, ao mesmo tempo que algures próximo se continuam a fazer ouvir outros indivíduos da espécie, cantando como que agradecidos por mais uma manhã que desperta.
Do alto do seu poleiro e de
silhueta muito elegante, a rola-turca gosta de encarar a suave luz matinal. Daqui para o solo e do solo, de novo para o poleiro, pode permanecer
durante bastante tempo nesta atalaia observando tudo o que se passa em seu redor.
Embora não sendo aves desconfiadas
evitam, contudo, espaços abertos. Com elas nada de grandes ajuntamentos ou de
atropelos apressados como acontece com o seu parente pombo-doméstico.
Entretanto …. passaram-se
duas semanas sobre a data em que duas fêmeas, uma de cada uma destas duas espécies,
puseram à vez, um par de ovos brancos sobre os ninhos construídos de forma
rudimentar, com pequenos ramos, que ambos os cônjuges haviam recolhido pelas
imediações.
E os ovos eclodiram já.
Com as crias nascidas os
progenitores passam a ter cuidados redobrados, pois além destas criaturas serem
muito indefesas é agora maior o número de bocas a fechar. O alimento recolhido
pelos adultos, durante as três semanas seguintes, será convertido no chamado “leite
de pomba”, que os pais já no ninho regurgitam para as crias.
Tanto os pombos-domésticos
como as rolas-turcas começam cedo a criar podendo fazer várias posturas no
mesmo ano. Ao contrário dos pombos, que
se expandem de forma dramática, ajudados pela evolução que o gato-doméstico sofreu dando origem à actual raça de gato Whiskas .....
... as rolas-turcas apesar de terem alargado a sua
área de expansão têm experimentado algum declínio, não só pelo elevado índice
de mortalidade juvenil, mas também porque os seus ovos estão mais expostos a
certos predadores naturais, como ratazanas, pegas-rabudas e gaios.
A meio do dia um novo
rebuliço de pombos cruzando os ares, desperta o nosso olhar para o alto.
Quando
o grosso das aves já se afastou conseguimos descortinar mais uma vez a causa
dessa agitação.
Desta vez trata-se de um casal de milhafre-preto (Milvus migrans), também ele acabado de
chegar da sua migração e que é presença habitual por aqui, como aliás, por
quase todo o lado, pois como ave necrófaga bem sabe tirar partido dos resíduos
produzidos pelo homem, quando não consegue obter presas vivas.
A tarde vai a meio...
e as rolas-turcas continuam
plácidas na sua elegância, no seu poleiro, nos seus arrulhos e nas suas curtas
e directas deslocações; os pombos, pelo contrário, continuam em velozes “correrias”
pelo céu, agora aos pares ou em pequenos grupos, cruzando-o constantemente em diferentes
direcções e sentidos, executando amplas trajectórias circulares antes de repentinamente
e de forma síncrona todo o grupo cair sobre os telhados.
Mas à medida que a tarde
avança e o crepúsculo começa a tomar forma, estas correrias são cada vez mais
frequentes e envolvem cada vez mais “atletas”. O céu da cidade está agora pejado
de pombos, que de forma continuada e em grupos, levantam voo para voltear sobre
o casario da urbe e ....
... logo pousarem sobre os telhados ainda banhados pelos últimos raios de Sol...
...também este, a fugir e de forma bem mais apressada, porque se aproxima a hora de finalmente os columbídeos acabarem com tão grande dispêndio energético, repousando.
* o texto e as fotos foram produzidos cumprindo na íntegra o período de quarentena imposto pela pandemia do Covid 19.
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