sábado, 7 de novembro de 2020

O Covid-19 e as aves da nossa cidade: o meio Outono

O Outono já vai a meio e os parques e jardins da cidade estão vestidos de tonalidades multicolores que variam do verde ao vermelho sem que o amarelo tenha sido esquecido.

 


Há mortes, muitas mortes em Portugal e no resto do mundo, devido a uma pandemia que teima em não ter um fim à vista. Para a maioria, felizmente, levar o dia-a-dia é fazê-lo no máximo respeito por um perigo que nunca se sabe onde está, mas que se sabe existir...



... mas também há quem não receie o perigo da proximidade nem a probabilidade de fomento das cadeias de transmissão...

 


Entretanto, os pequenos pássaros que chegaram aos parques e jardins de Ovar, vindos do norte da Europa, no início da estação, como o papa-moscas-comum (Ficedula hypoleuca), o papa-moscas-cinzento (Muscicapa striata) e a felosa-musical (Phylloscopus trochilus), por aqui continuam, indiferentes a este caos instalado na sociedade dos homens, explorando os diversos nichos disponíveis.

 


Outros moradores outonais destes belos espaços, são os gaios-comuns (Garrulus glandarius). Estas lindíssimas aves deixam-se observar em voo distante sobre o Parque Urbano e quando não, fazem-se presentes através do seu característico canto, quase sempre em coro com o das suas parentes pegas-rabudas. 

Observá-los de perto é um privilégio, um momento único de comunhão com a natureza!

  


Também os reis e as raínhas do Parque Urbano, como antes os intitulei, continuam a fazer jus aos seus títulos reais, pois nunca deixaram de ser os protagonistas principais do mesmo.

Quando um indivíduo de alguma destas duas espécies é avistado, olhe-se para o lado pois outro indivíduo aí deve estar e volte-se de novo para o lado oposto ou para trás, pois é certo que mais um ou dois por lá andam. 

Nesta altura do ano é assim que estes seres se movimentam!

 


Qualquer uma destas aves é, assim, observada em curtas corridas, atrás de pequenos invertebrados que detectam no solo, até que algo as assuste e as faça levantar voo, instintivamente, para uma árvore próxima; contudo, a pouca folhagem que algumas das árvores apresentam não lhes permitem passar despercebidas como gostariam.

Juntamente com os melros-pretos (Turdus merula) e as pegas-rabudas (Pica pica), também as alvéolas-brancas (Motacilla alba) calcorreiam o relvado e os caminhos do parque; todas estas espécies buscam o mesmo: os apetitosos invertebrados e insectos, que neste tempo de temperaturas moderadas mas com alguma chuva já caída, abundam por estes espaços.

 



As rolas-turcas (Streptopelia decaoto), vêm-se quase sempre aos pares, por vezes a três, frequentemente pousadas nos altos ramos das árvores. Também elas continuam a fazer parte do quotidiano do parque.

  


Passeridae e Fringillidae são duas famílias de aves que também marcam presença durante o Outono, não só nos parques e jardins, mas também, no arvoredo disseminado pela urbe. De canto fácil e em grupo fazem-se ouvir claramente e quando decidem descer ao solo ou voar de árvore em árvore é quase impossível não dar por elas!

 

Entre os mais pequenos habitantes do parque, neste período que antecede os rigores climatéricos que por aí virão, contam-se duas espécies já nossas conhecidas, mas que agora, livres dos afazeres da criação, deixam-se observar mais facilmente nos seus icónicos comportamentos.

Uma delas é o pequeno pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). Esta encantadora ave é observada, umas vezes, numa postura mais erecta e por isso apresentando um semblante mais adelgaçado; outras vezes assume uma postura mais compacta apresentando, então, um aspecto rechonchudo. De qualquer forma e independentemente da sua postura, o que sobressai desde logo nesta ave é a sua cor alaranjada da face e do peito.




Quando o pisco desce para o solo podemos observar o seu característico saltitar a duas patas e sempre que se imobilizar, as suas engraçadas “vénias”, bem como, o nervoso arrebitar da cauda.

 

A outra espécie, também ela de ritos comportamentais característicos, é o Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros).

Esta ave de tonalidade geral negra, apresenta uma mancha branca na asa e a cauda arruivada. De postura sempre erecta, no solo ou empoleirada, é extremamente nervosa e por isso não pára quieta muito tempo. Uma das suas características chamativas consiste no frequente vibrar da sua cauda e na forma como caça as suas presas.

Ver esta ave a caçar é delicioso ... 

.. de um poleiro relativamente baixo espreita atentamente o solo e quase em simultâneo maneia a cabeça em redor para se certificar que está em segurança.

  


Então, num impulso repentino voa para o solo, onde rapidamente captura uma presa …. um insecto, uma aranha ou outro invertebrado.

 



 … e com a mesma pressa com que desceu, de novo regressa ao ponto de partida. 

 





E toda esta sequência de caça acontece em dois ou três segundos! 

Agora, empoleirado no seu ponto de vigia, o rabirruivo só precisa de mais dois ou três segundos para se certificar que está em segurança ... e logo volta à caça. 

E este processo repete-se enquanto a ave tem necessidade de alimento e nada a faça sentir em perigo.

 

 

O rio Cáster alberga ao longo do ano alguns casais de pato-real (Anas platyrhynchos) que por aqui nidificam; durante a época de cria os cuidados com a protecção da prole obrigava-os a serem cautelosos e mais discretos do que os indivíduos híbridos que facilmente são observados a nadar. 

O Outono, pelo contrário, deixa-os menos tímidos e deste modo é comum verem-se vários casais, em grupo, a alimentarem-se descontraidamente na água ou repousando nas margens.

 




As galinhas-d’água, pelo contrário, são sempre muito esquivas, camuflando-se muito bem entre a vegetação palustre. Observá-las a alimentarem-se, escolhendo as plantas do rio mais apetitosas ou alguns pequenos animais, é na verdade espectacular.

 


 

O rio Cáster nesta altura do ano corre com maior caudal comparativamente ao período de seca. Também, por isso, as suas águas reúnem agora maior quantidade de pequenos peixes que podem alimentar as aves pescadoras.

É por estas razões que chegaram, entretanto, ao Parque Urbano novos inquilinos. Se bem que na Ria de Aveiro existam indivíduos presentes ao longo de todo o ano, a estes juntam-se aqueles que agora chegam do norte da Europa em migração.

 

O primeiro destes novos visitantes outonais a ser visto diariamente no parque é a garça-branca-pequena (Egretta garzetta). Pescando de espera nas águas baixas do rio ou das levadas, a espécie encontra facilmente alimento não só nos pequenos peixes mas também em invertebrados vários, insectos e anfíbios que encontra nas proximidades das margens.

  



Estas aves são inconfundíveis pela coloração contrastante que apresentam; uma plumagem irrepreensivelmente branca, patas de um negro puro e dedos de um amarelo vivíssimo.  

 


  

Frequentemente são vistas a repousar no cimo das árvores próximas da água ..




e outras vezes, quando perturbadas, a sobrevoar o rio por entre a vegetação ripícola até encontrarem um poiso mais adequado.

  


O outro novo visitante a chegar ao Parque Urbano de Ovar é o corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo). Logo bem cedo pela manhã, alguns indivíduos desta espécie chegam da Ria de Aveiro para passarem todo o dia no Parque.

 


  

Estas aves alimentam-se nas zonas mais profundas do rio, pois é aí que encontram alimento em maior abundância.

 


 

 Após a pescaria voam para poisos de grande exposição solar...

 


 … onde passam, obrigatoriamente, uma grande parte do tempo, pois só deste modo conseguem, mantendo as asas totalmente abertas, secar a plumagem.

  



Frequentemente levantam voo destes altos poisos para darem grandes voltas sobre o parque regressando algum tempo depois ao poiso de onde saíram.

Ao final da tarde, estas aves regressam à Ria de Aveiro seguindo religiosamente o curso do rio Cáster para se dirigirem sem equívocos aos seus dormitórios.

 

 


Não poderíamos terminar este apontamento sem fazer referência à ave que o Outono traz à cidade de forma exorbitante.

Diariamente e no momento em que a luz da tarde cai, a cidade é invadida por grandes e ruidosos bandos de aves escuras. Trata-se do estorninho-preto (Sturnus unicolor).

 

Na verdade, estes bandos volteiam, repetidamente, em largos círculos a cidade... 

 


… até que caiem rapidamente sobre as grandes árvores dos jardins numa algazarra estonteante.

  


Mas não assentam à primeira. 

Passados alguns instantes e como seres hiperactivos voltam a levantar voo para voltearem mais uma vez bem alto, antes de voltarem a descer. 

E esta sequência pode ser repetida mais algumas vezes, até que o nível de luminosidade ambiente lhes indica que essas corridas aéreas são mesmo para terminar.

 

Os estorninhos-pretos, finalmente, deixaram-se de ouvir …. estão já acomodados para passarem mais uma noite de Outono!


No Parque Urbano a noite caiu, sem os cantos desesperados dos estorninhos-pretos, que preferem antes acomodar-se no arvoredo do jardim do Cáster, no do jardim Almeida Garrett ou em outras manchas arbóreas da cidade.

No seu lugar e apesar da escuridão se ter já instalado definitivamente no Parque, são inúmeros os cantares de outros pássaros, destacando-se os flauteados dos melros-pretos. É possível, inclusivé, e graças à luz proveniente dos candeeiros que marginam os trilhos, observar várias destas aves a caçarem no solo aqueles outros animálculos que iniciam só agora a sua actividade.

 


 

O meio Outono está pleno de vida nos espaços ajardinados da sede do concelho!

2 comentários:

Mixan disse...

Belo texto!

Álvaro Reis disse...

Muito obrigado!