quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Grandes pescarias em tons de azul profundo

A Protecção Civil emitiu já um alerta de aviso amarelo para vários distritos de Portugal Continental face à previsão de vento forte e chuva intensa para os próximos dias. 

No oceano, contudo, a mudança já chegou. Os ventos fortes, embora distantes, já produziram alterações nas correntes marinhas de superfície com implicações directas nas camadas mais profundas.

Apesar do estado do mar à superfície ser de pequena vaga, na coluna de água, as correntes desencadearam um fenómeno oceanográfico muito importante para a vida costeira em geral, conhecido como "upwelling".




O ressurgimento costeiro ("upwelling"), responsável pela ascensão de águas mais profundas, mais frias e repletas de nutrientes, enriqueceu já a camada superficial do oceano junto à costa.

As consequências são por demais evidentes a quem, atentamente, observa o mar. As comuns gaivotas-d'asas-escuras (Larus fuscus) passam, insistentemente, à nossa frente, sobrevoando a zona de rebentação em busca de algum desperdício orgânico que flutue na babugem da superfície. 




Talvez a presença destas aves familiares, bem como, o tom azul escuro das águas possam induzir em erro quem observa as restantes aves pousadas ou em voo.




Olhemos, por essa razão, mais profundamente. Constataremos, de facto, que nem todas são gaivotas! 


Umas, a flutuar ao sabor da ondulação, são totalmente escuras, com a silhueta típica de um pato, enquanto outras, de tons variáveis e de corpo fusiforme e asas bem esticadas, voam acima das águas misturando-se no ar com as gaivotas.




Continuando a concentrar o nosso olhar na sombria água oceânica acabamos por verificar que aquele grupo de aves escuras são afinal patos-marinhos, mais concretamente Patos-negros (Melanitta nigra). 

A espécie apresenta dimorfismo sexual, com os machos, de cabeça e pescoço negros e bico amarelo enquanto as fêmeas e os imaturos, de cor acastanhada, apresentam as faces e o pescoço acinzentados.


Se corrermos o olhar no sentido da linha da rebentação logo nos apercebemos que aquele grupo de aves à nossa frente se estende e se multiplica noutros grupos próximos.


Os Patos-negros parecem emergir da água, formando um contínuo de aves ao longo de toda a faixa costeira. Afinal, não são umas poucas dezenas, são centenas, contaríamos milhares se o nosso olhar tivesse maior alcance!




Bem por cima deles, em voos poderosos e frequentemente planados, pairam essas outras grandes aves - as maiores aves marinhas de Portugal - de corpo e asas alongadas. Tratam-se de Gansos-patolas (Morus bassanus). Chegam em grande número e com diferentes idades durante o Outono e por aqui se mantêm durante todo o Inverno.





E deste modo, o cenário de um azul profundo, vai decorrendo numa harmoniosa combinação de seres marinhos. Correndo em diferentes direcções, flutuando e mergulhando, os patos-negros; explorando o espaço aéreo, primeiro com fortes batimentos para ganharem propulsão e altura, deixando-se logo de seguida arrastar pelo vento para recuperarem energia, os gansos-patolas.




À medida que a tarde avança, o vento até então fraco começa a sentir-se frio. A superfície da água enruga-se mais e a vaga cresce, porque, rajadas de pequena intensidade se fazem agora sentir.




À medida que o temporal se vai aproximando, o vento local começa a intensificar-se e as correntes submersas também, arrastando para as águas baixas da costa os cardumes que viajavam ao largo. 

Chegou, então, a hora do festim!


No céu, cada vez mais sombrio, tudo mudou de repente. Os Gansos-patolas, de passeios tranquilos, passaram a voar mais rápido com batimentos de asas mais fortes, cruzando o céu de norte para sul e de sul para norte, como que cheios de pressa e determinação. 

Subitamente e de uma altura que normalmente ronda uma dezena de metros, começam a tombar no mar, um atrás de outro, em mergulhos picados e com as asas recolhidas antes de penetrarem o oceano, a velocidades que podem ultrapassar os 100 Km/hr. 



Os locais dos impactos são testemunho dessa enorme transferência de energia que as aves produzem ao passarem do meio aéreo para o meio líquido. 




Depois de entrarem mar adentro, em média cerca de 4 metros, até alcançarem a presa desejada, sair da água e elevarem-se rapidamente no ar exige um grande dispêndio de energia. Contudo, esta belíssima ave, de corpo hidrodinâmico e asas que debaixo de água são verdadeiros propulsores aumentando a impulsão, concretiza esta tarefa de forma eficiente. 





Esta onda de mergulhos parece não parar. Pelo contrário, está a intensificar-se cada vez mais. São agora vários os indivíduos que caem em simultâneo, como se estivessem numa verdadeira competição!

E na verdade, estão. Trata-se da competição pelo alimento, a única fonte de energia que possibilita a sobrevivência de cada ave neste ecossistema tão exigente, sobretudo, aquando de condições tão adversas como aquelas que se irão manifestar dentro de algumas horas.

Para já e logo que a pescaria intensa faça evoluir o cardume para outras paragens, os Gansos-patolas desaparecerão da nossa vista pois afastar-se-ão para outro pesqueiro. 


Mas, quem não tem razões para se afastar do local onde têm permanecido, são os Patos-negros. Esses, continuam a balancear, horas e horas, ao sabor da ondulação, mesmo junto ao pico das vagas. Quando muito, fazem curtos voos rente à superfície e logo pousam. Simplesmente, porque os seus petiscos (moluscos) não têm uma dinâmica piscívora.






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