sexta-feira, 1 de julho de 2022

O rio (IV)

 



(continuação)



O Verão acabou de inaugurar a sua temporada!

No seu caminho para a foz, ainda muito distante, o rio vai recolhendo águas deste ou daquele ribeiro, robustecendo desta forma, o seu caudal. Por outro lado, corre agora, por um leito de perfil mais suave, o que lhe permite ter uma menor velocidade de escoamento.

Sempre atento, desde tempos recuados, ao aproveitamento que pode fazer dos elementos da natureza, nomeadamente das águas fluviais, o homem foi construindo represas e albufeiras no curso dos rios, criando assim bolsas de água semi-paradas e de maior profundidade.



É aqui, nestas águas calmas semeadas de vegetação luxuriante, com raízes permanentemente subaquáticas, como as espadanas (Sparganium erectum) ...




... que se pode observar a galinha-d'água (Gallinula chloropus), com sua prole, procurando alimento nas margens lamacentas do rio.



Tal como tem acontecido ao longo de todo o curso do rio, as libelinhas (Calopterygidae) são presença constante. Contudo, agora, que as águas são mais calmas, outros protagonistas da família marcam a sua presença. Uma dessas novas espécies é o maravilhoso gaiteiro-negro (Calopteryx haemorrhoidalis).





Estes e outros insectos, como as abelhas e as borboletas, são atraídos pela envolvência florística do rio, em tons policromáticos, conferidos pela salgueirinha (Lythrum salicaria), ...






... pelos bons-dias (Calystegia sepium), de cor alva, menos frequentemente rosados, ...






... ou pela angélica (Angelica sylvestris), com suas sumptuosas umbelas . 




Nas margens preenchidas por densa vegetação arbustiva, surgem vários núcleos de canas (Arundo donax). Esta antiga espécie invasora não deixa, porém, de constituir um óptimo local de abrigo e repouso para os passeriformes.




Também é nestas águas pouco movimentadas que as diversas formas larvares de peixes, insectos e anfíbios encontram as melhores condições para se fixarem na vegetação submersa do fundo. 

Por esta razão, é frequente surgir nestas paragens um outro personagem, que irá ser presença constante rio abaixo. O Guarda-rios (Alcedo athis). 

Uma verdadeira jóia cromátrica, que viaja no ar como um autêntico dardo e mergulha atrás da presa submersa como um verdadeiro arpão. 


Vale a pena contemplar, demoradamente, este pequeno pássaro e maravilhoso pássaro. 

Primeiro, chega rápido e pousa num posto de vigia, que habitualmente é um ramo pendente sobre a água ou o murete da represa do velho moinho. 




Depois, fica a observar atentamente o rio, até que de repente, se eleva no ar e mergulha velozmente para perseguir o pequeno peixe alvo da sua escolha. 




E esta sequência é repetida vezes sem conta ao longo do dia.


Enquanto o guarda-rios se ocupa da sua pescaria, o coaxar da rã-verde (Rana perezijunto à margem, não deixa ninguém indiferente. 

Sobretudo a partir do meio da tarde, quando o Sol moderou o seu ardor, as vocalizações dos machos em cio, ampliadas pelos sacos vocais que se lhes projectam dos lados do focinho, constituem uma verdadeira sinfonia.



Refira-se que as rãs, presas fáceis da lontra, das garças, das aves de rapina e das cobras-d'água, são por sua vez grandes predadores de insectos, minhocas, aranhas e até pequenos peixes, integrando, assim, o primeiro patamar dos predadores do rio.


Entre as aves de rapina diurnas, que neste sector do rio encontram alimento, destaca-se a águia-d'asa-redonda (Buteo buteo), que habitualmente estuda o seu território de caça a partir de algum ponto de vigia próximo.




Já durante a noite, são outros os protagonistas alados que assumem este papel predatório. Entre eles destaca-se o bufo-pequeno (Asio otus), muito bem escondido e perfeitamente camuflado durante as horas do dia, nos ramos altos e frondosos do arvoredo.




Ambas as espécies são devoradoras de roedores, mas não enjeitam outras presas, como coelhos, pássaros, répteis e anfíbios.


Será a partir deste momento que, o rio, até agora vivo, irá começar a sofrer transformações significativas à medida que vai atravessando vilas, cidades e zonas industriais. 

Será a partir de agora que, as suas águas passarão a receber, de quando em vez,  frequentemente sob a forma de descargas clandestinas, detritos sólidos e efluentes líquidos carregados de tóxicos, frequentemente a temperaturas que saturam o oxigénio dissolvido. 

A vida escondida no leito, no intrincado de cavidades submersas de rochas e nas próprias margens, ficará ameaçada, por este envenenamento e consequente esterilização das águas. 

Acresce a esta carga poluente, a lixiviação dos pesticidas, herbicidas e insecticidas que o homem usa de forma intensiva nos pomares e campos de cultura, próximos do rio.




O rio entrou em agonia e com ele todos os habitats e espécies que lhe estão associados.

Com menor teor de oxigénio e maior teor de nitratos e fosfatos, as águas perdem a sua cristalinidade e adquirem tons de maior opacidade. Reacções anaeróbicas e processos de eutrofização estão assim, também, na base da perda de qualidade das águas do rio.



Destes troços poluídos ausentam-se peixes, anfíbios, pássaros e répteis. Como consequência ausentar-se-ão também os predadores de topo. 



O rio não estará totalmente morto, mas, perdeu muito da sua função promotora da biodiversidade. Contudo, subsistem algumas espécies que tiram partido da sujidade e da poluição humanas.

Entre estas, destaca-se a oportunista ratazana-castanha (Rattus norvegicus), que além das excelentes capacidades natatórias, consegue aproveitar quase tudo para seu alimento. 




Outra espécie, bem adaptada a meios onde os detritos abundam, e que encontra nas ratazanas, rãs, lagartos e outra bicheza morta na margem do rio, um dos muitos possíveis menus, é o milhafre-preto (Milvus migrans).



Antes de continuar a seguir o curso do rio, demoro-me a contemplar os lindos tapetes verdes de lentilhas-de-água (Callitriche stagnalis), que abrigam comunidades de pequenos seres vivos subaquáticos.





E o rio lá vai, atravessando povoado atrás de povoado.  Vence uma cascata ali, atravessa um moinho acolá ... 







...  o rio não pára!




(continua)



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