sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Verão na albergaria das gaivotas : a estadia (I)

 



(continuação)


Já em terra, olho circunspecto em redor. As altas falésias, ricas em granitos vermelhos, e que me impedem de ver mais além, estão repletas de gaivotas, umas pousadas nas cornijas, ...



... outras esvoaçando infatigáveis sobre as mesmas, ...




... e muitas outras, balanceando-se nas águas tranquilas do mar.



Com o Sol a pique, começo a minha ascensão pelo estreito trilho que me conduzirá à parte mais alta deste imponente acidente geológico, com cerca de 280 milhões de anos, moldado por falhas e tectónica de placas. 


Durante a subida, vou observando os "carreiros", reentrâncias profundas nas falésias, onde o mar penetra e quando calmo, como hoje, forma deliciosas baías; quando não, sobretudo durante o Inverno, irrompe com tal violência, que o seu bater na rocha ecoa como um trovão, erodindo as covas, aqui conhecidas por "furados".

As falésias sobranceiras aos carreiros, ornamentadas com o endemismo local Armeria berlengensis, reúnem, pousados nas plataformas rochosas próximas da água, alguns indivíduos de corvo-marinho-de-crista (Phalacrocorax aristotelis). 



De menor porte que o comum corvo-marinho-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo), apresenta em voo, uma silhueta mais esbelta e quando pousado, por vezes, deixa ver uma pequena crista na cabeça.

A espécie constrói os seus ninhos em plataformas ou grutas na falésia, com algas e outras plantas trazidas pelo macho e que a fêmea organiza, de forma a produzir um grande amontoado orgânico.

Colonial, era outrora muito mais abundante neste local, onde construía os ninhos muito próximos uns dos outros. Com uma postura única, de 3 a 4 ovos, os juvenis estão nesta altura do ano quase aptos a voar, embora irão demorar mais algum tempo até se tornarem independentes dos progenitores.






Retomo a subida. 

Por entre as pedras que ladeiam o caminho surgem lagartixas-de-Carbonell (Podarcis carbonelli), que logo se escondem assustadas, à minha passagem. A sua menor dimensão, os ocelos azuis existentes nos flancos dos machos, a cor acastanhada do dorso e o padrão das linhas dorso-laterais  permitem distingui-la de outras espécies similares. Estes répteis parecem formar, por aqui, uma sub-espécie endémica.



Ao atingir finalmente o topo, levo com uma suave brisa nas faces e tenho a sensação de estar num outro mundo. 

Agora, compreende-se, porque lá de baixo se viam centenas de gaivotas a voarem incessantemente sobre as falésias. É que, me encontro num planalto, em que todo ele constitui uma extensa colónia, semeado de ninhos, dejectos, penas e penugens. 

Sem árvores, devido à ausência de solo capaz e à elevada salinidade do ar, toda esta carga orgânica está depositada sobre o manto herbáceo que recobre a rocha granítica, reluzente de feldspato e mica quando nua.

Se acrescentar a este habitat, singular,  as silhuetas brancas das gaivotas e a forte radiação solar do início da tarde, a paisagem adquire um tom de tal modo esbranquiçado, que faz doer os olhos. 

Efectivamente, por todo o lado se vêem ninhos de gaivotas-argênteas-de-patas-amarelas (Larus michahellis), acomodados junto a tufos herbáceos, frequentemente endemismos  ibéricos, como a  Angelica pachycarpa ...




... ou Echium rosulatum e Pulicaria microcephala.




Várias gaivotas encontram-se acocoradas nos ninhos, assentes no chorão (Carprobotus edulis) que vinga entre as rochas, chocando posturas tardias ...



... enquanto outras, de pé, vigiam atentamente os filhotes, já com alguns dias de vida. 




(continua)

Sem comentários: