sexta-feira, 16 de junho de 2023

Concheiros

  







A forte agitação marítima, que se reflecte numa maior altura e força das vagas, é um fenómeno oceanográfico com implicações, não só ao nível do litoral emerso, como também, sobre os fundos submersos.

Após a ocorrência destes episódios de elevada carga energética, é possível observar, numa simples caminhada ao longo do litoral e durante a vazante,  jazidos, uma diversidade de seres marinhos ou, mais propriamente, de restos dos mesmos, por entre a multitude de calhaus rolados que atapetam o areal próximo da água. 



Outras vezes, porém, o material orgânico arrastado por um mar mais bonançoso, não chega quebrado em pequenos pedaços, mas pelo contrário, inteiro ou quase, permitindo a fácil identificação das espécies encontradas.




No que diz respeito às plantas marinhas, são vários os troços arrancados aos fundos submersos, pela força da ondulação e pelas correntes geradas, e transportados para a praia depois de mais ou menos tempo a flutuarem. 




Antes de se partir para a grande aventura de descoberta e identificação dos organismos que o mar atira para o areal da praia, convém olhar para os fundos marinhos, habitat desses mesmos seres, à luz da estratificação e classificação proposta pelas ciências do mar. 

Assim, considera-se que o sistema litoral é constituído por quatro andares ou seja por quatro zonas, cada uma das quais com características ecológicas muito específicas, que condicionam a ocorrência de determinadas comunidades em detrimento de outras. 





Apesar de, na realidade, as espécies arrojadas às praias e pertencentes a diferentes famílias, classes, filos e reinos se encontrarem misturadas de forma aleatória, aqui serão mencionadas seguindo uma abordagem sistemática. 

Comecemos, então, esta exploração.


Entre as espécies vegetais que se observam espalhadas pelas praias destacam-se as algas. Estas plantas talófitas clorofilinas, que precisam da luz para poderem assimilar o carbono dissolvido na água, distribuem-se até profundidades de cerca de -80 metros.

As algas, que simultaneamente constituem substrato e abrigo preciosos para diversas comunidades de seres marinhos, agrupam-se em diferentes classes.

As algas castanhas (Phaeophyta), designação que é devida ao facto de possuírem pigmentos dessa mesma cor, são as mais comuns sobre o areal. Neste grupo de algas destacam-se duas famílias, a das laminárias e a das bodelhas.

A laminária (Saccorhiza polyschides), com um talo que pode atingir os 3,5 metros e uma estipe helicoidal junto à base, vive fixa a rochas batidas, formando povoamentos no andar infralitoral e mediolitoral inferior. Oferece abrigo e alimento a diversos seres marinhos, que vivem sobre os compridos talos e sobretudo nas reentrâncias dos órgãos de fixação.




As bodelhas, tal como as laminárias, formam zonamentos no substracto rochoso, em locais de maior acalmia.


A Ascophyllum nodosum, com suas volumosas vesículas de ar, vive na parte média do andar mediolitoral.




Dos andares infralitoral e mediolitoral inferior, são arrancados os fragmentos de bodelha (Fucus serratus), que também se encontram no areal.





Uma outra espécie de bodelha (Fucus vesiculosus), vive igualmente sobre a rocha mas um pouco mais acima no andar mediolitoral.






Ao contrário da espécie anterior, esta possui vesículas de ar bem desenvolvidas, que lhe permitem flutuar e ser arrastada pelas correntes marinhas.





Outra feofícea comummente encontrada é a Cystoseira baccata, possuidora de  inúmeras vesículas, vivendo sobre rochas pouco batidas e em poças intermareais, ocupando os andares infralitoral e mediolitoral inferior.





Entre as algas verdes (Chlorophyta), possuidoras apenas de pigmentos clorofilinos, é comum achar-se a alface-do-mar (Ulva lactuca), também ela uma habitante dos andares mediolitoral inferior e infralitoral. Esta alga, que é facilmente arrancada ao substracto rochoso, flutua livremente, sendo, por vezes, arrastada para a praia em grandes quantidades.




Ainda outras, de cores avermelhadas (Rhodophyta), produzidas pela presença de pigmentos róseos, chegam à praia provindas do substrato rochoso do andar infralitoral, como é o caso da Callophyllis laciniata, com forma semelhante a folha de alface.




Deixando as plantas marinhas de lado, minoritárias em termos do número de espécies, passe-se ao registo dos animais marinhos encontrados. 


O primeiro grupo a ser aqui mencionado é o dos Cnidários. Este filo é constituído por seres simples, com corpos que se assemelham a sacos multicoloridos, com uma boca a servir também de ânus, rodeada de tentáculos urticantes. Estes seres podem-se encontrar sob a forma de pólipo e/ou medusa.


A bonita Velela (Velella velella), com seu disco redondo azul violeta e um esqueleto em forma de vela latina, que lhe permite ser arrastada pelo vento, é um hidrozoário (as formas pólipo e medusa são ambas preponderantes) epipelágico, sendo frequentemente arrastada até aos baixios das praias.



A alforreca ou água-viva (Pelagia noctiluca), é um cifozoário (a forma de medusa é a predominante no ciclo de vida) que, com sua magnífica umbela em forma de cogumelo, de cor alaranjada transparente é capaz de provocar picadas muito dolorosas. De habitat pelágico, aproxima-se da costa sobretudo durante o Verão.




É ainda frequente, encontrarem-se no meio dos concheiros, esqueletos de poliquetas (anelídeos com corpo segmentado). Entre as espécies pertencentes a esta classe de seres destaca-se a  Serpula vermicularis, que habitualmente se fixa a pedras, rochas e conchas velhas, dos andares mediolitoral, infralitoral e circalitoral.





Nalguns exemplares é possível observar, com maior clareza, a sua cor rosada e a forma como o tubo destes poliquetas está habitualmente fixo pela base ao substrato, permanecendo livre mas retorcida a restante parte do mesmo.



 

(continua)


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