sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Os duendes da praia

 








Subitamente, surge à vista, uma pequena ave correndo muito rápida sobre o areal da praia, estancando pouco depois. Estática, observa em redor. 




Não demora muito para iniciar uma nova e igualmente curta corrida, voltando a deter-se, agora semi-oculta por uma ligeira ondulação do areal. 




Refeita dos impulsos que a tornaram tão veloz entrega-se, fugaz, à limpeza da plumagem. 



Enquanto este indivíduo se desparasita, um congénere próximo imita-o nas correrias e um outro ainda, uns metros mais afastado, parece querer entrar também no jogo. 




Correm todos, muito rápido, em diversas direcções, interrompendo as correrias de forma igualmente rápida. Parecem, na verdade, uns duendes brincalhões.




Presente durante todo o ano nos areais portugueses, o borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus) é uma das espécies litorais mais comuns, não só na proximidade da rebentação, mas também, nas margens de lagunas, lagoas costeiras, mouchões de estuários e motas de salinas.



De comportamento vivo, como é apanágio das pequenas limícolas e uma libré característica que o diferencia das duas outras espécies similares ocorrentes em Portugal, é um elo fundamental nas cadeias tróficas das biocenoses litorais.


Com um comprimento de 16 cm, apresenta uma cabeça proporcionalmente mais possante, um bico  mais comprido e uma tonalidade da plumagem dorsal mais esbatida, comparativamente com os seus parentes, o borrelho-pequeno-de-coleira (Charadrius dubius) e o borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula). 

Contudo, a sua principal característica identificativa é apresentar manchas escuras nos lados do peito que fazem lembrar uma interrupção da banda peitoral presente nas duas outras espécies.



Quando observado a curta distância é possível observar outras importantes características. A nuca e a coroa dos machos, em plumagem de Verão, apresentam-se com uma bonita tonalidade ferrugínea e as patas são sempre escuras independentemente da época do ano.



Em voo, são muito visíveis as barras brancas nas asas, assim como, manchas brancas nos lados da cauda, estas últimas também perceptíveis com a ave em repouso.





As fêmeas, sem o tom ferrugíneo intenso na coroa e nuca, apresentam manchas acinzentadas no peito e cabeça em vez das negras dos machos, mantendo iguais as restantes características morfológicas. 






O borrelho-de-coleira-interrompida tem uma alimentação variada, onde se incluem insectos, vermes, moluscos e pequenos crustáceos.


A sua época de reprodução inicia-se em meados de Março, podendo o casal realizar duas posturas anuais, se as condições do meio assim o permitirem.

A espécie não faz um ninho propriamente dito, tal como também não acontece com os dois outros borrelhos, depositando os ovos directamente sobre uma ligeira depressão na areia, que poderá estar "forrada" ou não com pequenos pedaços de conchas ou outros detritos da praia. 



A postura é, geralmente, de três ovos de coloração variável, entre o cinza esverdeado e o castanho terroso, raiados de linhas ou manchas cinzentas e pretas.





Ninho e ovos estão de tal maneira enquadrados na paisagem que passam despercebidos à maioria dos olhares. 





A razão pela qual os ovospor vezes, se encontram parcialmente soterrados, tem a ver com uma resposta defensiva da parte dos progenitores perante alguma perturbação ocorrida na proximidade do ninho. 

A incubação é realizada por ambos os pais durante 24 dias. 



Quando as crias nascerem serão igualmente cuidadas pelos dois progenitores. Aquelas irão desenvolver-se muito rapidamente e procurarão cedo o seu próprio alimento. Ao fim de 25 dias tornar-se-ão totalmente independentes. 

Caso não se verifiquem adversidades provocadas pelo homem, directa ou indirectamente (presença de cães sem trela ou predação por cães vadios), a continuidade destes duendes nas praias ficará assegurada. Caso contrário, a sua rarefacção passará a ser uma dura realidade!


A vida selvagem é realmente bela. Precisa, é do nosso muito cuidado.


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