sábado, 13 de janeiro de 2024

Dias soalheiros

 






Mal a chuva deixou de ensopar a terra e o sol radioso conseguiu, finalmente, quebrantar o ar frio dos últimos dias, a natureza logo rejuvenesceu, nas suas cores e na vida dos seus seres.

Os prados, lavados de tanta água, apresentam-se de um verde viçoso, que conjuga na perfeição com os distintos tons claro-escuros do arvoredo próximo. 



É neste arvoredo de amieiros (Alnus glutinosa) e choupos-brancos (Populus alba) de grande porte, bem como, por toda a vegetação arbustiva envolvente, que se pode assistir a este desabrochar de vida, necessariamente fugaz, pois as condições climatéricas poderão mudar rapidamente.


Os seus chamamentos roucos conduzem o nosso olhar até ao cimo das copas. Lá, encontra-se um grupo de gralhas-pretas (Corvus corone). 



Como que saboreando a temperatura amena que se faz sentir, aqui descansam, cuidam da plumagem, trocam curtas mensagens entre si, até que decidem levantar voo. Esvoaçando sobre os campos, logo descem ao solo para recolherem tudo aquilo que lhes possa servir de alimento. Grãos, roedores, artrópodes e demais invertebrados.


Contrastando o gregarismo destes negros pássaros palradores, está uma rapina, solitária, silenciosa e destacada no topo da árvore. A águia-de-asa-redonda (Buteo buteo), comum e de ampla distribuição, tem andado muito discreta, acossada pelo tempo adverso que se tem feito sentir. Hoje, porém, são avistadas em número significativo à distância de um olhar em redor. 



Numa postura vigilante sobre tudo o que a rodeia, sente o movimento das suas presas uns metros mais abaixo. Os roedores, aproveitando também esta bonança, abandonaram as suas galerias subterrâneas e deambulam pelos campos, na procura de grãos e gramíneas. Alguns, já sucumbiram às garras desta rapina.


Quase imperceptíveis na vastidão dos campos, deslocam-se algumas petinhas-dos-prados (Anthus pratensis), indagando por invertebrados, capazes de suprir as suas necessidades alimentares.



Mais nervosas andam também as alvéolas-brancas (Motacilla alba), numa concorrência trófica com a espécie anterior. 



  

Nestes dias soalheiros de Inverno, outros pequenos pássaros, como o cartaxo-comum (Saxicola torquata) deixam-se observar demoradamente no topo dos arbustos, antes de se lançarem em voo na perseguição de algum insecto.



As ramagens finas dos salgueiros (Salix sp.) são o palco de um pequeno saltimbanco. A felosinha-comum (Phylloscopus collybita), vasculha cada arbusto, cada ramo, procurando os pequenos pulgões que neles emergem.



Mais uma águia-de-asa-redonda de sentinela! Num dia que ainda não chegou ao fim, parece ter ocorrido um verdadeiro Big Bang para esta espécie.




Até os lamaçais que a chuva formou constituem polos de atracção para várias espécies tipicamente arborícolas, uma vez que àqueles acorrem agora muitos mais insectos. 

É o caso do encantador pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), habitualmente observado sobre um qualquer ramo e agora com as patas dentro de água.



Mais habituada às orlas ribeirinhas, a alvéola-cinzenta (Motacilla cinerea) explora a seu bel-prazer estas terras alagadas.



Habituada, como se referiu antes, a alimentar-se por entre o intrincado do arvoredo e dos silvados, anda hoje pelo solo, a delicada felosinha-comum, exactamente pela mesma motivação que assiste aos restantes passeriformes.



Enquanto os pequenos pássaros calcorreiam os prados atrás de invertebrados, no alto do céu, uma águia-de-asa-redonda, mais uma,  perscruta as suas potenciais presas. 



Também o pequeno mocho-galego (Athene noctua), se mantém atento, tal como a águia, ao movimento de pequenos roedores, musaranhos e insectos que perto dele passam. 



Nem sempre as caçadas dos predadores são bem sucedidas e o mocho-galego não constitui excepção. Um musaranho-de-dentes-brancos-grande (Crossidura russula) que depois de caçado não foi transportado, devido a uma fuga precipitada do predador, fará parte de uma outra qualquer cadeia alimentar.




Hoje, em que a ventania não se fez ouvir, a chuva se ausentou e o ar aqueceu com um sol brilhante, foi um dia de vida intensa para presas e predadores.


O final de tarde, que rapidamente chega, pois os dias só agora começaram a crescer lentamente, augura que amanhã teremos mais um dia soalheiro!





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