sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Paleta de cores e sons (lll)

 





(continuação)


O Outono entrou numa nova fase.

O vento e a chuva apareceram finalmente, pese embora, durante algumas horas apenas.  

O suficiente, contudo, para sacudirem a natureza.



As árvores caducifólias, que impotentes há muito iam deixando tombar as suas belíssimas folhas, mais despidas ficaram ...



... enquanto o relvado, verde por essência, viu ampliado o tapete amarelo-acastanhado de manta morta.




A quantidade de água caída, embora insuficiente para saturar os leitos fluviais, rapidamente encharcou o subsolo, obrigando certas espécies a abandonarem as suas galerias subterrâneas. 

O aumento do número de montículos de terra, entretanto formados sobre o relvado, testemunham a azáfama com que a toupeira-comum (Talpa europaea) teve de lidar para enfrentar esta súbita mudança ambiental. 



A parca presença de raios solares tem sido uma constante por estes dias. Mas este facto não impede a vida no parque. 




Os raides aéreos, desde manhã cedo, executados pelas andorinhas-das-rochas (Ptyonoprogne rupestris) junto dos prédios contíguos ao parque, onde passam a noite, são disso testemunha.



Enquadrado por este ambiente soturno, o rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) denunciou já a sua presença, graças ao seu canto tão característico. Contudo, observá-lo, hirto sobre uma rocha ou um ramo, abanando nervosamente o corpo, constitui uma imagem digna de registo.



Neste cenário, que ao longo destes dias tem privilegiado a reduzida luminosidade ambiental, o fim de tarde reserva alguma visibilidade para os pequenos pássaros que chamam baixinho uns pelos outros. 

O chamariz  (Serinus serinus) é um deles, sendo os seus chamamentos por esta altura do ano uma pálida sombra daquilo que representam durante a Primavera e o Verão.



E a noite, entretanto, não demorou muito a chegar, ao som dos assobios crepusculares dos melros-pretos.




(continua)


sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Paleta de cores e sons (II)

 


                                                   



(continuação)


Mais discretos no tamanho e no canto, os passeriformes, como o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus), saltitam por entre os ramos despidos das ramagens, onde pequenos insectos e larvas se encontram alojados e lhes servem de repasto. 



Também o simpático pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) se deixa apreciar, primeiro pelo seu límpido canto e num momento posterior pela sua encantadora  libré.

 



Outros, ainda mais pequenos e de canto quase imperceptível, como a felosa-musical (Phylloscopus trochilus) a caminho da sua área de invernada em África, obrigam-nos a uma maior atenção. 



Há medida que a claridade do grande astro vai revelando a manhã e multiplicando as tonalidades do imponente dossel arbóreo, ...



... casais de rolas-turcas (Streptopelia decaocto) esvoaçam do arvoredo para o solo e do solo para o arvoredo, sem que em momento algum deixem ficar para trás o seu inseparável companheiro.



Enquanto entretidas neste ternurento vaivém vão enchendo o ar com os seus chamamentos, de agradável timbre, dando ao Outono um encanto acrescido.


O som cortante que nos passa em cima, produzido por múltiplas asas rasgando rapidamente o ar, fazem-nos erguer a cabeça. 




Ao afastarem-se e quiçá como se quisessem deixar um adeus, coube a uma destas aves emitir um grasnido inconfundível. Tratam-se de patos-reais (Anas platyrhynchos) que voam para um outro sector do rio.


O Sol, entretanto, intensifica o brilho das coisas, dos seres, de tudo afinal. E as cores, que há um par de horas atrás permitiam belos contrastes, estão agora amalgamadas numa luminosidade que fere.



Só a tarde, quando o Sol no seu movimento virtual começar a declinar, trará de volta à natureza do parque aquilo que lhe é intrínseco. A beleza das suas cores e sons. 

As primeiras, com tonalidades cada vez mais sombrias, sem dúvida,...




... os segundos, mediante intervenientes, como o melro-preto (Turdus merula), perfeitamente adaptados aos trinados crepusculares. 



Crepúsculo outonal que ocorre a meio da tarde, porque num ápice a noite cairá e a luz residual afogar-se-á no meio da escuridão. 



(continua)


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Paleta de cores e sons

 




O Outono vai a meio e o frio ainda não se fez sentir de verdade; a chuva intensa tão pouco caiu no parque. 

Contudo, a esplendorosa coloração das copas dos liquidambares (Liquidambar styraciflua), ...



... dos plátanos ( Platanus hybrida), ...




... e de várias outras arbóreascomo as Gynkgo (Gynkgo biloba), ...



... bem como, os distintos sons dos habitantes que nelas procuram abrigo, marcam presença faz algum tempo, cumprindo mais uma vez com aquilo que é imposto pelo calendário.


Pela manhãzinha, ainda pouco iluminada pelo Sol que acabou de nascer, ...




... os chamamentos roucos dos corvídeos, que se movimentam ao longe, ouvem-se distintamente graças à ausência dos incisivos ruídos da cidade, que não tarda muito se farão ouvir. 


As pegas-rabudas (Pica pica), aves que pela sua natureza pouco desconfiada  aceitam uma maior aproximação ao homem, esvoaçam sem discrição de árvore em árvore, ostentando a sua longa e inconfundível cauda. 

De grande elegância e de uma não menos distinta plumagem - onde a coloração geral negra e azul contrasta com o branco das asas e do abdómen - encantam qualquer um quando se oferecem ao olhar. 



Quase sempre, quando uma destas aves pousa num ramo, outra se lhe juntará passado pouco tempo. E às vezes, uma terceira poderá aparecer. Afinal de contas a pega-rabuda, como os demais membros da família, são de um acentuado gregarismo. 



Mais distante, com chamamentos fortes e sequenciados, o seu parente gaio (Garrulus glandarius) voa rápido entre as copas mais altas do parque. 



Menos disposto à proximidade humana, faz-se ouvir mais do que se deixa mostrar. E é pena. Pois esta ave é de uma grande beleza, em que o castanho dominante contrasta harmoniosamente com o azul, o acobreado e o preto.



Ambas as espécies são omnívoras, buscando as suas presas no solo. Nesta época do ano os gaios privilegiem as bolotas caídas, ...




... que transportam de seguida para uma das suas despensas, ...



... enquanto as pegas basculham no pasto húmido por vermes e moluscos.




(continua)


sábado, 2 de novembro de 2024

Roncos de Outono

 




Estamos em finais de Setembro. 

Os dias notam-se um pouco mais frios e as caducifólias começaram a desprender as suas primeiras folhas.

Pelos dispersos redutos da floresta mediterrânica, saída do Verão quente que se abateu dramaticamente sobre a exagerada mancha de eucaliptos - notáveis  poluentes dos ecossistemas ibéricos - ecoam os roncos dos gamos (Dama dama). Os machos adultos acabaram de entrar no cio.



Com um comprimento de cerca de metro e meio, uma altura pouco acima do metro, armações espalmadas, ainda com a plumagem de Verão - acastanhada e mosqueada de branco no dorso, com uma linha dorsal preta estendível até à cauda comprida - ... 



... e com a garupa bordejada de negro, em forma de ferradura...



... estes machos procuram reunir o maior número possível de fêmeas, de forma a assegurarem os seus haréns. 

É, então, frequente verem-se os machos dominantes a seguirem as fêmeas, para perceberem se as mesmas se encontram predispostas para a cópula. 



Por vezes, neste período de acasalamentos, ao macho dominante junta-se um segundo macho subalterno hierarquicamente, sem direito a acasalar. 




Nas clareiras da floresta, os machos em cio, ao mesmo tempo que vão emitindo os seus roncos vão raspando o solo com os cascos, pisando arbustos, agredindo troncos de árvores, ao mesmo tempo que urinam para delimitar território.



O dia-a-dia de um destes machos dominantes é tudo menos tranquilo. 

Entre as lutas com machos rivais que o desafiam e querem ficar com o seu harém de fêmeas ...




... até à vigia e cobertura das mesmas ...




... o macho reprodutor vê as suas energias esgotarem-se rapidamente, pois quase não tem tempo para se alimentar e descansar convenientemente.


A partir do início de Outubro a pelagem do gamo começa a escurecer tornando-se cinzenta escura, com as manchas dorsais a escurecerem também. Apenas a região ventral permanecerá de cor clara. 



A espécie apresenta dimorfismo sexual evidente. Os machos adultos apresentam hastes que chegam ao meio metro de comprimento...




... enquanto as fêmeas estão desprovidas de protuberâncias na cabeça.



Os machos quando ainda jovens e sem armações distinguem-se das fêmeas pelo tufo de pêlos que envolve o pénis.



A brama do gamo é o prelúdio de um novo ciclo para a espécie, que se irá desenrolar ao longo de todo o ano.