terça-feira, 4 de abril de 2023

Desertos verdes (II)

 






(continuação)


Corria a segunda metade do século XX, antes da mixomatose se começar a revelar de forma incisiva no território continental português. 

Deambular por um pinhal durante o dia proporcionava encontros não raros com mamíferos, répteis, aves e outros animais bravios. Encontros fugazes, sem dúvida, mas que por essa mesma razão se transformavam invariavelmente em encontros fascinantes.


As manhãs de Primavera na mata acordavam animadíssimas pelos agradáveis cantos da passarada. Os machos de tentilhão-comum (Fringilla coelebs) reivindicavam alegremente os seus territórios...



... tal qual, o seu familiar verdilhão (Carduelis chloris).



Ambos, como verdadeiros anfitriões, recebiam os visitantes do alto dos pinheiros que marginam a mata. Acrescente-se que, à beleza das suas cantorias correspondia a beleza das suas plumagens.



Já no interior da mata, caminhando lentamente pelos singelos trilhos, que teimavam em querer desenhar-se sobre o solo arenoso, adornado de verdes gramíneas ...




... sentia-se, olhando em redor, o forte envolvimento dessa planta arbustiva, atraente e omnipresente; o tojo-arnal (Ulex europaeus). 




O amarelo intenso das suas corolas combinado com o verde forte dos espinhosos filódios exercia uma tal sedução, que era impossível resistir a um olhar mais próximo, direi mesmo contemplativo da planta.




Estes momentos de maior proximidade com o arbusto permitiam constatar que esta intensa coloração não atraía somente o nosso olhar; atraía, de modo particular, variados insectos, ávidos do seu néctar.





Os sons das aves continuavam a ouvir-se no interior do pinhal. Mas agora, emitidos num tom mais abafado. 

A variação musical dos mesmos permitia identificar a presença de diferentes espécies, mesmo antes das mesmas serem avistadas.

Olhando para o alto - num pinhal maduro, é assim que tem de ser - podiam-se observar, regularmente ao longo do dia, grupos de chapins cabriolando de ramo em ramo. 

Entre as espécies de maiores dimensões destacavam-se os afoitos e irrequietos chapins-reais (Parus major)...



... e os chapins-rabilongos (Aegithalos caudatos), de corpo pequeno mas de cauda comprida.




Entre os de menores dimensões eram muito comuns o chapim-carvoeiro (Parus ater), de plumagem e chamamentos pouco evidenciáveis ...



... e o belíssimo chapim-azul (Parus caeruleus), de plumagem e canto delicados.




Toda esta avifauna vivia à custa de uma população significativa e diversificada de invertebrados presentes no interior da mata. 

Aranhas, mosquitos,  lagartas, mariposas, formigas, pulgões, larvas, entre muitos,  abundavam na mata...como o escaravelho fitófago (Oxythyrea funesta) que se deliciava por entre as pétalas do sanganho-mouro (Cistus salviifolius)...




... pois a poluição do ar ainda não tinha atingido níveis gravosos para este grupo de sensíveis seres.


Praticamente todos os troncos de pinheiro eram revestidos de líquenes, como Usnea subfloridana e Parmelia sp., atestando essa pureza do ar no interior das matas. 



Também os extensos tapetes de musgo que cobriam o solo do pinhal representavam um bioindicador da riqueza do mesmo em nutrientes.




Frequentemente surgiam por entre os pinheiros-bravos, outros agrupamentos arbóreos e arbustivos, com melhores características para atrair e abrigar presas e predadores. Estes agrupamentos botânicos representavam, pois, focos promotores da biodiversidade florestal.


Exemplares de carvalho-alvarinho (Quercus robur) ...




... grupos de loureiros (Laurus nobilis), mais ou menos adensados ...



... e robustos exemplares de choupo-negro (Populus nigra), cumpriam perfeitamente esse desiderato.



Sempre que o nível da toalha freática se abeirava da superfície do solo, a queda de chuva, por pouca que fosse, originava a formação de pequenas charcas. Nestas podiam-se encontrar girinos de alguns anfíbios, como tritões e sapos



Em redor destas depressões encharcadas surgiam árvores e arbustos bem adaptadas à água, como choupos (Populus sp.), amieiros (Alnus glutinosa), salgueiros (Salix sp.) e junco (Junco sp.).


Estes oásis no meio do pinhal constituíam um pólo de fixação de insectos, caracóis e demais invertebrados, como a lesma-preta (Arion ater).




Por seu lado, esta disponibilidade alimentar permitia a ocorrência de insectívoros, como o ouriço-cacheiro (Erinaceus europaeus).





(continua)





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