sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Sob a depressão ... (III)

 






(continuação)


Após algumas semanas, em que a temperatura amena e a falta de chuva haviam impulsionado os seres a um comportamento de pré-reprodução, eis que o tempo volta a retroceder. Ao invés de uma regularidade estacional, o estado do clima oscila à cadência de um ioiô.

Volta a chuva, volta o vento, volta um certo recolhimento da natureza. E voltamos nós, também, à marisma. Voltamos aqui, porque a marisma é extraordinariamente bela nestas ocasiões. Bela e diversificada.



Hoje vamos apreciá-la, mais de perto, contemplar a morfologia dos seres que a procuram, apreciar o seu comportamento e perceber como, mesmo nestes períodos difíceis, eles se adaptam perfeitamente à exploração deste meio tão peculiar. 


Comecemos pelo primeiro que se nos afigura; o maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos). Presente todo o ano na marisma, a sua população vê-se reforçada no Inverno pela chegada de populações migradoras. Distingue-se pelo seu comportamento típico, com o corpo projectado na horizontal, a cabeça inclinada para baixo e um movimento oscilatório que imprime à parte traseira do corpo. 



Como marca distintiva na sua morfologia externa, apresenta o branco das partes inferiores a projectar-se, sob a forma de uma faixa, pelos lados do peito até à zona da articulação carpal.

Alimenta-se de insectos aquáticos, vermes, moluscos e crustáceos.


Igualmente frequente durante este período do ano é o perna-verde-comum (Tringa nebularia), chegado à marisma durante a migração outonal, proveniente das terras escandinavas.  

De maior envergadura, silhueta mais esbelta e bico comprido ligeiramente arqueado para cima, recolhe o seu nome da coloração das patas, cinza-esverdeadas. 




Semelhante na forma, embora um pouco mais pequeno, e muito mais frequente no ecossistema da marisma é o perna-vermelha-comum (Tringa totanus). Com o dorso acastanhado e o peito riscado retira o seu nome à cor das patas, que também pinta a base do bico.





Estas duas últimas espécies têm hábitos alimentares similares, explorando os vermes enterrados no lodo, graças aos seus compridos e aguçados bicos.


Outra limícola, que chega no Outono à marisma proveniente da tundra, também em grandes números é a tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola). Observada frequentemente isolada ou em grupos esparsos, alimenta-se também de insectos, vermes, moluscos e crustáceos que captura nas planícies vasosas.




A rola-do-mar (Arenaria interpres), vem também do alto árctico, onde nidifica, chegando à marisma para passar o Inverno. 

Alimenta-se de crustáceos e moluscos, que captura por entre as pedras e as algas. Com uma libré muito contrastante de escuro e branco nesta altura do ano, torna-se ainda mais vistosa durante a fase reprodutora.




Com um comprido e arqueado bico e com uma dimensão superior a qualquer uma das espécies anteriores, observam-se em bandos espalhados pela marisma os maçaricos-galegos (Numenius phaeopus). Também chegam da tundra e da taiga empurrados pelo frio e pelo gelo e alimentam-se dos mesmos e muitos petiscos que os lodos oferecem.




Quando a maré enche, todas estas limícolas se refugiam em taludes e mouchões. Aí esperarão até à próxima maré, para de novo poderem cumprir a sua função de mariscadoras.


A agitação das águas, acossadas pelos fortes ventos, não só confere à paisagem um caracter selvagem ...



... como permite que outras aves, pescadoras, se deliciem na tormenta.


É nesta escuridão das águas que o corvo-marinho-comum (Phalacrocorax carbo) mergulha continuadamente em busca dos grandes peixes que a corrente de enchente traz ...




.. bem como, a águia-pesqueira (Pandion haliaetus), que com a sua apurada visão, lá do alto consegue detectar os grandes peixes sobre os quais se lançará sem qualquer hesitação.




A vida na marisma não cessa, só porque sobre ela se abatem os temporais.

Continua, pois os conquistadores destas zonas húmidas lagunares, não a abandonam, senão quando, sobre alguns deles se abate o imperioso chamamento migratório!




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