sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Concheiros (VIII)








O Verão chegou ao fim. 

O calor intenso deu lugar a dias mais frios e chuvosos. O mar deixou de estar manso e os finais de tarde perderam o encanto e relaxamento de há umas semanas atrás. O Outono, é já amanhã.


Ao correr da praia observa-se, então, que o mar não atira apenas conchas de moluscos para o areal. Há sectores em que o rebuliço do mar conseguiu levantar uma imensidade de seixos que cobriam o fundo de algumas barras submarinas, atirando os mesmos cá para fora.

Constata-se, assim, que os concheiros que até aqui fizeram as nossas delícias, foram substituídos por tapetes de calhaus rolados e pequenas rochas, também eles muito luzidios quando semi-submersos ou simplesmente humedecidos pelos espraios que a vazante ainda vai permitindo.



Tão encantados estamos com estes pequenos corpos bojudos, de tons claro-escuro, serenamente inanimados em toda a sua existência, que sofremos um choque visual ao olharmos um pouco mais para cima na praia, onde a omnipresente acumulação de lixo se torna notória de tanta assimetria, volumetria e cor. 




Uma espreitadela a este lixo marinho permite, contudo, descobrir novos vestígios de vida oceânica.


Os cefalópodes são moluscos de grandes dimensões e com um grau evolutivo que em nada se compara com os demais invertebrados desta classe. Apresentam uma forma cilíndrica, uma cabeça volumosa, olhos salientes, tentáculos com ventosas e por vezes são possuidores de barbatanas e de uma concha interna. 

Estes seres, ou melhor dizendo, as suas conchas internas costumam ser encontradas, precisamente na linha de maré alta, por entre a acumulação de detritos. 

Entre estas conchas internas destacam-se, pela abundância e peculiaridade, a do choco (Sepia officinalis), espécie que vive sobre os fundos de areia no andar infralitoral, por vezes em povoamentos de algas ou de ervas-marinhas (Zoostera sp.).






O maior filo do reino animal é o dos artrópodes. Este grande grupo, onde se incluem os insectos e as aranhas terrestres, que tão bem conhecemos, é dominado no ambiente marinho pela superclasse dos crustáceos, que se caracteriza pelos seus elementos apresentarem corpo segmentado, carapaça e cabeça com dois pares de antenas.


A sub-classe Cirripedia, caracteriza-se pelo facto dos indivíduos adultos apresentarem um esqueleto composto de placas, formando uma concha. 

Os perceves (Lepas anatifera), apresentam uma concha de 5 placas, brancas com alguma tonalidade acinzentada e um pedúnculo castanho. É um animal pelágico e gregário que vive fixo a rochas, cascos de embarcações e demais corpos submersos, sendo encontrado no areal agarrado a diferentes objectos que flutuaram durante muito tempo pelo oceano.



De regresso aos concheiros, que formam como que um campo "minado" ao longo da linha de maré, encontramos mais e mais testemunhos da vida que prolifera debaixo da água, nomeadamente com outros exemplares desta sub-classe.


As cracas (Chthamalus montagui), apresentam uma concha, de cor branco sujo, cónica, com 6 placas  rodeando uma abertura trapezoidal. Vivem sobre as rochas das zonas média e inferior do andar mediolitoral.




Os bálanos (Balanus perfuratus), possuem uma concha maciça, alta, cónica, com 6 placas, de coloração variável entre o branco e o rosado ...




... e de base porosa.




Esta espécie vive sobre a rocha nos andares mediolitoral inferior e infralitoral, fixando-se frequentemente a conchas de outras espécies que partilham o mesmo habitat.





 
A sub-classe Malacostraca caracteriza-se por os seus constituintes possuírem olhos, antenas e a cabeça e o tórax normalmente cobertos por uma carapaça.

Sem dúvida que a espécie deste grupo encontrada com mais frequência no areal é o caranguejo-mouro (Carcinus maenas). Embora a sua carapaça e patas sejam de cor verde-azeitona escuro, esta coloração vai desaparecendo ao longo do tempo ...




... e quando muito velha, totalmente despigmentada, apresenta-se esbranquiçada.





O caranguejo-mouro é um habitante tanto dos fundos arenosos como rochosos do andar infralitoral e mediolitoral inferior.




O filo dos equinodermes (com esqueleto, sistema hidrovascular e espinhos) está dividido em cinco classes, das quais importa salientar, pela frequência de arrojamentos, a das estrelas-do-mar (Asteroidea) e a dos ouriços-do-mar (Echinoidea).


As estrelas-do-mar possuem corpo achatado, com a maior parte das espécies  a apresentarem cinco braços. 

Entre elas destaca-se pela maior frequência de registos nas nossas praias, a Astropecten aranciacus, uma das maiores estrelas-do-mar europeias, atingindo os 60 cm de diâmetro. Quando viva tem a face dorsal de cor acastanhada e a face ventral clara, cores que se vão esbatendo quando morta. 



É um predador de moluscos que vive na areia, frequentemente enterrado, nos andares infralitoral e circalitoral superior.



Os ouriços-do-mar apresentam uma carapaça cheia de espinhos e fiadas de poros para entrada da água.

Entre os ouriços-do-mar, ditos regulares, por apresentarem entre outros, carapaça esférica, destaca-se o Paracentrotus lividus. 





Com um diâmetro de carapaça de 6 cm, cor variável entre o verde, o violeta e o castanho, apresenta espinhos de até 3 cm de comprimento



É um habitante do litoral rochoso, predominantemente nos andares mediolitoral inferior e infralitoral, até -30 metros; contudo, a sua presença também foi detectada no andar circalitoral.



Entre os ouriços-do-mar, ditos irregulares, salienta-se o Echinocardium cordatum. Entre as fiadas de pés ambulacrários há uma que se distingue das restantes quatro, pela sua inserção num sulco de maior profundidade desta peculiar carapaça cordiforme.




A coloração acastanhada da carapaça calcária, de 9 cm de comprimento, perde-se com a morte do animal, apresentando-se, então a mesma, de cor esbranquiçada.

A espécie escava nichos nos fundos arenosos, do andar mediolitoral inferior e andar infralitoral e circalitoral, até - 200 metros.




Apesar destes depósitos serem constituídos por pequenas carapaças de invertebrados, moradores dos fundos oceânicos, também reúnem vestígios de alguns vertebrados marinhos, como é o caso das espécies piscívoras cartilaginosas (classe Chondrichthyes)


Muito vulgares no areal são as cápsulas dos ovos do pata-roxa (Scyliorhinus canicula), um pequeno tubarão, que vive sobre fundos de areia dos andares infralitoral, circalitoral e batial, chegando a passar os -100 metros.

Estas cápsulas córneas, com 6 cm de comprimento e forma aproximadamente rectangular apresentam nos seus vértices filamentos retorcidos que permitem a sua fixação a algas ou a outros organismos subaquáticos.






Ao contrário da forma alongada que apresentam as cápsulas dos tubarões, as raias (Raja sp.) apresentam cápsulas negras, de contornos mais quadrados e com hastes mais ou menos compridas.

A cápsula da raia-lenga (Raja clavata), uma espécie que vive sobre fundos arenosos dos andares infralitoral e circalitoral, atinge os 15 cm de comprimento por 4 cm de largura. 








Chegados ao fim desta aventura, deve referir-se que esta série de apontamentos foi pensada, ilustrada e escrita, com a intenção de demonstrar a riqueza biológica que os populares concheiros das nossas praias encerram. 

Ademais, as espécies aqui identificadas não esgotam as possibilidades de serem encontradas várias outras. Basta tão somente, que se ponham os pés ao caminho (obrigatoriamente durante a maré vaza e de preferência com mar pouco agitado, por questões de segurança!) e atentamente se procurem na praia novas conchas e novas evidências, aumentando, assim, o leque de registos. 


Boa prospecção!



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