domingo, 10 de janeiro de 2021

Um dia de Inverno na floresta (II)

 (continuação)


Sim... esta parece ser uma boa ocasião para recuperarmos energias. Sentamo-nos encostados a um pinheiro, ingerimos algo e aproveitamos para descansar um pouco. Enquanto assim procedemos, o nosso silêncio profundo junta-se à quietude do local e a nossa vista, calmamente,  olha em redor.

À nossa volta a floresta não apresenta sempre o mesmo aspecto. Para um lado, crescem, predominantemente, arbustos de média altura...



...para o outro, arbustos de menor envergadura ...



O Tojo-arnal (Ulex europaeus europaeus), por esta altura do ano revela já, com a ajuda do aquecimento global, algumas pequenas e esguias pétalas amarelas, de suave perfume, numa amostra do que se será a beleza do arbusto em plena Primavera. 




Olha ali, uma camarinha! 


Sozinha, no meio de todo um arbusto verde e muito ramificado, aquela pequena bolinha branca, adiantou-se à maturação normal das restantes.



Já tínhamos passado por vários exemplares deste arbusto sem que tivéssemos observado qualquer frutificação.



Comer camarinhas, continua a ser, nos dias de hoje, um verdadeiro petisco de Verão, um ritual que nos vem da infância. Saborosas, sobretudo quando comidas logo após serem acabadas de colher ... um fruto que possui, ademais, propriedades antipiréticas!

Mas nem tudo são rosas ou mais apropriadamente, neste caso, nem sempre há camarinhas! De facto, há que ter um cuidado especial com a conservação desta planta (Corema album), pois a camarinheira é um arbusto ameaçado de extinção!


Estávamos ocupados com estes pensamentos quando de repente, um guincho peculiar, seguido de outros semelhantes, deixam-nos perplexos com aquilo que poderia acontecer perante os nossos olhos .... 

... com os sentidos em alerta, mas imóveis, como se o mínimo movimento do nosso corpo pudesse deitar por terra algo irrepetível, aguardámos impacientes com o coração a bater de forma mais acelerada ....

... o nosso corpo está imóvel, à excepção da cabeça, pois os olhos tentam antecipar a visão de uma Raposa (Vulpes vulpes) que anda muito próxima... e que finalmente apareceu! 




Linda, com a sua plumagem castanha-avermelhada! Facilmente detectou que não estava só, levantou a cabeça, olhou e desapareceu rápido no interior das folhosas.

A floresta continua a presentear-nos com encanto! É, na verdade, um dia cheio!



Cá de baixo, um relance de olhos sob as copas do pinheiro-bravo permitem-nos tomar as horas ao dia, ao acompanhar a forma como o Sol vai rodando sobre os mesmos.




É um bom momento para retomarmos a marcha....


De pronto, deparamo-nos com um imponente cipreste-comum (Cupressus sempervirens), tendo à sua retaguarda uma linha de pinheiros-bravos e à sua frente um extenso terreiro. Um enquadramento que bem poderia fazer dele um palácio encantado nalguma das histórias infantis a que antes aludi.




Não sendo na realidade o tal palácio encantado, deixa-nos contudo, o encanto de o contemplarmos como uma árvore diferente naquele contexto florestal. 


Mais uma vez as alturas nos interpelam. Desta vez é o tamborilar de um Pica-pau-malhado-grande (Dendrocopos majorque não nos deixa indiferentes. Olhamos, procuramos e encontramo-lo, nas suas acrobacias em busca de insectos, alojados na casca de um pinheiro.



Ao atravessarmos uma zona em que os pinheiros-bravos se encontram mais afastados uns dos outros do que o habitual voltamos a ouvir os chamamentos do Chapim-rabilongo. 

Desta vez, no bando disperso por várias árvores, observam-se alguns exemplares de Chapim-real (Parus major). É comum, diferentes espécies de chapins andarem associados na floresta, tal como o tínhamos referido na parte da manhã.



E de novo, marcados pela sina da floresta invernosa, nos encontramos perante mais uns quantos surpreendentes cogumelos, que alojados na zona mais baixa do tronco de um pinheiro-bravo nos cativam pelo seu aspecto, cor e padrões suaves.

Trata-se do não muito comum, saprófito de troncos,  Gymnopilus spectabilis



Repare-se, como os seus pés se endireitam na vertical, mal saem do interior da árvore .... pese embora, o macrofungo ter que enfrentar e vencer a força da gravidade ao elevar o seu ostensivo umbráculo! Fantástica adaptação do ser ao meio.


A tarde, já se sente um pouco mais fria. 

Devido à inclinação dos raios solares, a luminosidade, embora menos quente, vai conferindo tonalidades acobreadas à floresta.

Chegámos, agora, a um sector da floresta em que as agulhas acerosas dos pinheiros-bravos, nos ramos velhos e pendentes, parecem, assim iluminadas, o telhado de uma casa misteriosa de uma dessas fábulas da Disney ...




Ao lado, alguns troncos que tiveram que ser cortados por obstruírem a passagem, apresentam-se maravilhosamente pintados de verde.




O nosso percurso está agora a atravessar uma área mais baixa da mata, onde se destaca um núcleo de salgueiros e choupos. De um ramo baixo canta, insistentemente, um bonito Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). 




Uma centena de metros mais e os cantos multiplicam-se e diversificam-se. Ouvem-se agora, não só passeriformes a cantar, mas também os chamamentos da Galinha-d'água (Gallinula chloropus) e uns quantos assobios de Pato-real (Anas platyrhynchos). 

É que nesta zona depressionária do bosque formou-se um charco, vegetado sobretudo por Caniço (Phragmites australis) e Tabua-larga (Typha latifolia), refúgio habitual não só para as espécies citadas mas também para várias outras espécies aquáticas.




Estes charcos não são importantes somente para as aves aquáticas, mas também para os anfíbios, que aqui se podem reproduzir e os mamíferos, que aqui se podem saciar.

Abandonamos o charco cercado por imponentes Choupos-negros, Amieiros e Salgueiros-pretos (Salix atrocinerea) e prosseguimos a nossa viagem.




Mais adiante, numa zona da mata de maior penumbra, onde os arbustos baixos dificultam durante a maior parte do tempo a chegada da luz ao solo, surge por entre as miríades de agulhas caídas, uma linha serpenteante de bonitos cogumelos brancos amarelados. 

Estes macrofungos já são nossos conhecidos, pois durante a manhã também os tínhamos observado noutro local da floresta. 




A jornada continua a caminho do fim, sobre um trilho que permaneceu sempre húmido ao longo de todo o dia. 

É esta humidade do solo florestal que fixa também diferentes grupos de invertebrados. Entre os petiscos preferidos e mais abundantes no Inverno, por parte de várias espécies de pássaros e mamíferos, conta-se a Lesma-preta (Arion ater). Muito ávida, alimenta-se de fungos e plantas, tendo um papel crucial na decomposição da matéria orgânica.



A floresta continua a mostrar-nos a razão pela qual as árvores menos resistentes caem facilmente durante o Inverno, ... os seus troncos, frequentemente, estão ocos .... 




Nestes e ao contrário do que verificámos em outros troncos tombados, nem cogumelos surgem, nem líquenes tão pouco. 

É que, estes velhos troncos caídos, estão em tal estado de decomposição que são incapazes de disponibilizar a matéria-prima necessária ao desenvolvimento dos fungos e consequentemente dos líquenes!



A tarde vai adiantada. A floresta começa a perder os seus tons ocres em favor dos cinzas, enquanto a Lua espreita, sobranceira às altas copas dos pinheiros.


    

O pombo-torcaz (Columba palumbus), muito discreto durante o Inverno, aproveita esta hora tardia do dia para procurar no solo, por entre os lenhos caídos, algumas sementes e grãos.




Não terminamos este longo passeio sem encontrar mais um gigante tombado. Robusto na aparência, este grosso tronco caiu também... e porque a sua queda resultou em severa ameaça à passagem de pessoas houve necessidade de proceder ao seu corte.



Ao longo do dia fomos fazendo referência a acontecimentos como este. Mas para lá das árvores que caíram sobre o trilho pudemos constatar um número muito maior de árvores tombadas no interior da mata. 

Isto significa que o envelhecimento da floresta exige uma política eficaz de reflorestação. Que não existe!


Cada vez é menor a quantidade de luz disponível na floresta. Os seres que observámos durante o dia, em plena actividade, nesta ocasião estão já recolhidos e preparam-se para a noite. 

Estamos quase a atingir a periferia da floresta, ponto final da nossa viagem encantada...

... mas ainda no seu interior, e como que, para encerrar o último capítulo desta história, encontramos um novo recanto, de contornos especiais. As aguçadas folhas dos pinheiros, pendentes dos ramos, atapetam o solo criando uma espécie de terreiro onde, sonhamos nós, à noite se irão reunir os seres do bosque ... fadas, gnomos, coelhos-bravos, raposas, corujas... 




E com estas fantasias no pensamento, juntamente com as vivências experienciadas ao longo do dia, terminamos a nossa epopeia florestal. 


Como nos sentimos? 

Leves, apesar do cansaço, espiritualmente cheios, apesar das energias despendidas, ... inebriados de natureza!


Ao afastarmo-nos, olhamos para trás e lançamos um derradeiro olhar à floresta mágica.





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