segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Um dia de Inverno na marisma (I)

As baixas temperaturas que se fizeram sentir durante a noite na Ria de Aveiro, devidas à massa de ar frio proveniente da serra, congelaram os prados húmidos de toda a zona lagunar.



A manhã ainda mal se iluminou mas as aves da marisma já deambulam pelos habitats, onde pernoitaram assentes numa só pata e com as cabeças recolhidas nos próprios corpos, para minimizarem as perdas de calor. 



Os primeiros seres vivos a chamarem a nossa atenção, devido à sua proximidade e ao acentuado contraste entre a água escurecida e o branco generalizado das suas plumagens de Inverno, são os Guinchos-comuns (Larus ridibundus/Chroicocephalus ridibundus). 

Nadando tranquilamente, deixam-se arrastar pelo vento frio e pela leve corrente de maré que se faz sentir nos canais e esteiros da laguna, mergulhando a cabeça de quando em vez, de modo a poderem capturar alguma presa que passe próximo da superfície.




Esta espécie é por esta época do ano muito abundante por toda a marisma, devido aos bandos que fugiram, desde finais do Outono, às condições adversas então vigentes no norte da Europa.


Mais ao longe no sapal, como que perdidas, ali e além, observam-se outras manchas de branco puro, mas de maior dimensão. Tratam-se das elegantes Garças-brancas-pequenas (Egretta garzetta) que estão a dar início à sua actividade diária de pesca. 



Solitárias durante o Inverno, deslocam-se vagarosamente sobre as águas pouco profundas, estancando o seu movimento quando vislumbram alguma presa, para logo a seguir projectarem rapidamente o seu comprido bico negro sobre a mesma.



Nos prados húmidos e frios, que estão para lá do sapal, esvoaçam em círculos largos umas rechonchudas aves alvi-negras, de asas arredondadas e compassados batimentos das mesmas; são Abibes ou Aves-frias (Vanellus vanellus), fugidas também dos frios do norte.



Quando descem ao solo dispersam-se, inspecionando o terreno em busca de insectos, vegetais e vermes. É então, que podemos apreciar a bonita silhueta desta ave, caminhando em passadas curtas pelo solo verde e húmido, com o seu peculiar penacho na cabeça e um conspícuo peito branco.



Enquanto nos deliciávamos a observar o bando de aves-frias, eis que se levanta subitamente do solo, uma limícola que não deixou margem para dúvidas face ao zigue-zagueado rápido do seu voo e ao chamamento emitido; tratava-se de uma Narceja-comum (Gallinago gallinago).

Muito bem camufladas entre os pequenos tufos de erva mais alta, conseguiu-se detectar mesmo assim alguns exemplares desta espécie. 




Esta invernante, de plumagem acastanhada barrada de preto, procura os lodaçais e os prados encharcados para aí capturarem os pequenos invertebrados que lhe servem de alimento. 



Juntamente com as narcejas-comuns e os abibes-comuns estes prados são também inspeccionados pela graciosa Alvéola-branca (Motacilla alba). São às dezenas espalhadas pelo terreno. Com a sua plumagem cinzenta, preta e branca e com uma cauda comprida, não param de andar de um lado para o outro alimentando-se de pequenos insectos.



Também a sua parente, a alvéola-cinzenta (Motacilla cinerea), que em vez do branco do peito apresenta-o amarelado, aparece neste mesmo habitat, embora em muito menor número, procurando incansavelmente os insectos disponíveis.



Na verdade, estes prados encharcados que rodeiam a Ria são moradia de muitos inquilinos durante o período de Inverno, pois neles toda uma variedade de espécies aqui encontram alimento. Vermes, anfíbios, plantas, insectos, grãos, etc. aqui são avidamente procurados pelos consumidores primários deste habitat.

É por estas razões que a Petinha-dos-prados (Anthus pratensis) também é presença habitual por aqui. Esta, tal como os demais elementos da família, apresentam múltiplas riscas no dorso e flancos, pelo que a sua identificação nem sempre se torna fácil no solo.



É muito mais fácil admirá-la quando se encontra destacada num poleiro!




Nesta manhã fria e cinzenta, no meio de uma natureza cheia de vida, até nos esquecemos que estamos completamente enregelados e que o melhor seria buscarmos um pouco mais de conforto. É que, entretanto, a chegada ao prado de um ruidoso bando de Estorninhos-malhados (Sturnus vulgaris) ainda não nos permitiu pensar em tais mordomias.

Estes escuros pássaros sarapintados de branco são típicos invernantes nesta região e em voo revelam claramente uma curta cauda e asas afiladas. 



No solo deslocam-se de forma solta na busca de comida, mas não aos saltos como o melro-preto com quem se podem eventualmente confundir. 



Quando saciados voam para árvores, postes ou fios eléctricos próximos.




As neblinas matinais, que inicialmente formavam um todo acinzentado com a paisagem envolvente, começaram a destacar-se da mesma, à medida que a luz do astro-rei vai inundando a Ria.



Nas águas lagunares mais profundas, os Corvos-marinhos-de-faces-brancas (Phalacrocorax carbo), invernantes por excelência, dedicam-se aos seus mergulhos de pesca. Acabado este exercício as aves voam para um poleiro ou até mesmo para uma praia, abrem completamente as asas e deixam-se assim ficar até que estas sequem convenientemente.





Por vezes assiste-se à concentração de um grande número destas aves numa determinada zona da laguna, muito provavelmente por se tratar de uma área de grande disponibilidade alimentar.   






(continua)
  

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