quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Um dia de Inverno na marisma (II)

 (continuação)


A manhã acabou por ficar mais luminosa, embora não menos fria, e nos mouchões, baixios e praias de vaza a vida transborda à medida que o oceano vai retirando sofregamente as águas do interior da laguna. 

É nestes redutos de território temporariamente a descoberto entre duas marés, que vivem e convivem uma multidão de aves, conhecidas como limícolas, que dependem unicamente do que as águas baixas transportam ou do que os lodos e areais escondem. 




Maçaricos, borrelhos, pilritos, colhereiros, flamingos, ..... têm aqui os seus nichos ecológicos e é aqui que agora nos iremos deter para podermos registar tudo aquilo que a natureza nos oferece observar.


Pelo seu grande porte, com pescoços e tarsos muito compridos e em particular pelas cores rosadas dos indivíduos adultos, destacam-se à vista desarmada os Flamingos-comuns (Phoenicopterus roseus), sobretudo quando se encontram em grupo. 





Caminhando paulatinamente dentro de água, de um lado para o outro, ao mesmo tempo que vão agitando o lodo com as patas, usam o seu peculiar bico curvo para filtrarem o plâncton, que entretanto vai sendo colocado em suspensão na água.





Quando perturbados pela aproximação do homem, levantam voo em formação oferecendo um espectáculo surpreendente.





A manhã vai adiantada e o Sol acabou por não aparecer com força. Levantou-se até uma ligeira brisa suficiente para criar alguma agitação à superfície da água.


Um pouco afastado deste local encontra-se um pequeno grupo de aves, bem juntas, muito brancas de plumagem e com as cabeças inclinadas para a água. Uma aproximação cuidada revela tratarem-se de Colhereiros (Platalea leucorodia) a alimentarem-se. Com um comprido bico negro em forma de colher, mergulhado na água, vão maneando a cabeça para um e outro lado, enquanto avançam rapidamente contra a corrente da maré.

 



Os múltiplos bancos de areia que se escondem sob a superfície das águas estão cada vez mais a descoberto. Normalmente são revestidos por tufos de vegetação resistente à salinidade, sobre os quais, por vezes, se acumulam pequenos seixos e conchas arrastados pelas correntes. É também nestes nichos que encontramos a padronizada Rola-do-mar (Arenaria interpres), com suas patas alaranjadas, procurando avidamente os pequenos crustáceos e moluscos, que constituem a base da sua dieta alimentar.



À medida que a maré vai descendo, e agora nota-se que a maior velocidade, as margens da laguna vão-se transformando em praias extensas de areias encharcadas. Um olhar atento sobre estes areais permite observar o  elegante Perna-verde (Tringa nebularia), caminhando ágil em busca de vermes e que prontamente entra na água baixa para tentar pescar algum pequeno peixe que por lá ande.



O Perna-verde não anda só. Também por aqui anda o seu parente, o Perna-vermelha (Tringa totanus), de porte e hábitos  semelhantes.






Caminhando algo desconfiada, pelas paragens sucessivas com que levanta a cabeça e olha atentamente em redor, surge a Tarambola-cinzenta (Pluvialis squatarola). Sem o padrão característico da sua plumagem de Verão pode ser observada no areal ou na água baixa, onde procura anelídeos, moluscos e crustáceos.






Misturados com as espécies anteriores andam numerosas aves de menores dimensões e que um olhar desatento pode ignorar.

O Borrelho-grande-de-coleira (Charadrius hiaticula) é um dos migradores outonais que pelas Zonas Húmidas ficam durante o inverno. Gregário, quando observado em pormenor, revela uma distribuição cromática em que se destacam o branco da testa, garganta e abdómen, padrões comuns ao seu parente, o Borrelho-pequeno-de-coleira (Charadrius dubius), menos frequente. Contudo, o maior tamanho e a cor alaranjada das patas, constituem elementos decisivos na separação destas duas espécies.






Outra pequena ave que, em corridas curtas em busca de alimento, contribui para esta diversidade de espécies em tão reduzido espaço territorial é o invernante e muito comum Pilrito-de-peito-preto (Calidris alpina), nome que lhe assenta bem no Verão mas não no Inverno. 





Também o seu parente Pilrito-das-praias (Calidris alba) é outro invernante; quando por aqui aparece, normalmente  fá-lo em grupos numerosos.  





Nas proximidades da água, de preferência em solo rochoso, surge algum exemplar de maçarico-das-rochas (Actitis hypoleucos), uma espécie residente no país e bem distribuída pela marisma. 




O maçarico-das-rochas apresenta um conjunto de particularidades que a distinguem de outras limícolas similares. Desde já a sua postura, frequente, com o corpo e a cabeça inclinados para a frente ao mesmo tempo que abanando a parte posterior do mesmo. Também ao nível da sua coloração dorsal escura é visível uma penetração do branco do ventre ao nível do peito.




Estamos a meio do dia e o Sol finalmente conseguiu trazer à marisma o calor que tudo aquece e o brilho que a tudo confere cor. O caudal de vazante continua a aumentar e as praias de vaza são cada vez mais extensas. Por este facto, o número e a diversidade de limícolas é cada vez maior. 


(Continua)

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