segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Um dia de Inverno na praia (II)

(Continuação)


Felizmente, estamos num sector litoral privilegiado, onde se consegue observar a ante-praia colonizada por vegetação pioneira, como ...


... o Feno-das-areias (Elymus farctus)...



... e o Cordeirinho-das-praias (Othantus maritimus).



Também por aqui se observam algumas dunas incipientes, vegetadas com Morganheira-das-praias (Euphorbia paralias)...




... à volta das quais procuram emergir da areia as pequenas folhas de Couve-marítima (Calystegia soldanella).




Chegamos, agora, mais próximo da linha de água.

Nesta zona mais baixa da praia são visíveis as marcas deixadas pela água à medida que a maré foi baixando.



Por aqui vê-se uma velha cápsula de ovo de Pata-roxa (Scyliorrhinus canicula). 


Por cima das nossas cabeças passam algumas Gaivotas-de-patas-amarelas (Larus michahellis), no seu segundo inverno, que nos saúdam com chamamentos roucos e profundos.


Constata-se que a praia propriamente dita deste sector apresenta escarpas de erosão, reflexo do clima de agitação marítima predominante.



Já se nota que a maré está a subir. Dentro de pouco tempo teremos que subir  também nós na praia.

Para já, ainda podemos desfrutar do corre-corre dos Pilritos-das-praias (Calidris alba) seguindo os espraios das vagas que morrem no areal.



No Inverno, a subida do mar é perigosa! Não se pode por isso facilitar e é necessário abandonar a praia. Subimos até à zona dunar, aproveitando uma zona de acesso às instalações da arte Xávega.



As vagas estão a rebentar na praia com mais força, como é natural durante a enchente. 



Do ponto onde nos encontramos apercebemo-nos que os pilritos que há um quarto de hora atrás se deliciavam a procurar alimento junto à água já desapareceram da praia. A rebentação é tão forte e enrolada que não permite que a água espraie de forma calma, ameaçando assim a sobrevivência daquelas pequenas aves.



Agora, encontrando-nos no flanco continental das dunas, os rugidos lancinantes do mar são substituídos nos nossos ouvidos por abafados estrondos. Desta forma, estamos aptos a captar as sonoridades provenientes da zona inter-dunar e até da duna secundária, onde está assente o pinhal.

Voltam-se a ouvir sons de fringilídeos, emboscados no interior das acácias próximas. Da mata, um pouco mais distante, ouve-se o mio de uma Águia-d'asa-redonda (Buteo buteo); poisada num Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) perscruta o bosque baixo do raso dunar.




Caminhamos pela zona inter-dunar ao longo de um trilho que já foi bem mais linear e que agora, em alguns sectores, é obrigado a inflectir para o interior devido à mobilidade da duna primária.



A vegetação inter-dunar, ao contrário do que acontecerá em breve, ainda se apresenta maioritariamente de tons verde-escuro.  O rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros) também por aqui prolifera, esvoaçando imparável de lado para lado, sobretudo entre as Acácias-de-espigas (Acacia longifolia).




O estorninho-preto (Sturnus unicolor) voa em bandos numerosos sobre a depressão inter-dunar. No solo, procura por entre as gramíneas, invertebrados e sementes, refugiando-se no interior das acácias quando assustado.




A Erva-das-pampas (Cortaderia selloana), uma exótica que começou a ser plantada em jardins como espécie ornamental transformou-se rapidamente em espécie infestante em Portugal. Presente nos mais diversos habitats naturais ou semi-naturais, também aqui aparece abundantemente, colonizando facilmente os areais tal como anteriormente já o haviam feito a acácia e o Chorão (Carpobrotus edulis).



E chegamos finalmente à estrada, que correrá na frente marginal. A partir de agora iremos olhar a praia a partir de terra!


Enquanto realizámos o percurso pela zona inter-dunar a maré subiu bastante. As vagas estão bastante altas e rebentam forte na praia à nossa frente, bem como, no esporão mais adiante.



O horizonte sobre o oceano está cada vez mais cinzento, não por o Sol ter ficado encoberto mas porque os salpicos produzidos pelas ondas são cada vez maiores. E estes salpicos não ocorrem somente  devido à rebentação que se faz sentir sobre a praia propriamente dita mas também naquela que quebra ao largo. 

Ao largo, as cristas das ondas são obrigadas a quebrar, não só pela grande rapidez da ondulação mas também porque existem barras submarinas que a isso obrigam. Por esta razão se observam, nestes períodos do ano e do dia, autênticos comboios de ondas de cristas brancas, a dirigirem-se rapidamente para a costa.




Próximo da praia, sobre a linha de rebentação, passam em voo três exemplares do imponente Gaivotão-real (Larus marinus), dois adultos e um imaturo do segundo inverno. Esta ave destaca-se pela sua envergadura, sendo a maior de todas as gaivotas portuguesas.




Estamos de novo a passar pelo esporão da praia, mas agora caminhando pelo estradão, dado que o mar já cobre a totalidade da praia. A atmosfera sente-se cada vez mais húmida, pela contínua aerossolização produzida pelas vagas ao rebentarem estrondosamente sobre as rochas. 



As rolas-do-mar entretanto escorraçadas dos seus nichos ecológicos, aproveitam para tratar da plumagem desalinhada pelo vento e pelos salpicos de água salgada.



Em seguida, aquecidas pelo Sol e embaladas pelo marulhar do oceano, deixam-se repousar, de forma despreocupada. Mais logo, ao final da tarde regressarão às rochas para a última refeição do dia.




Entretanto, nas pequenas poças de água existentes ao longo do estradão de terra batida, formadas pela projecção das vagas durante a última preia-mar, as Gaivotas-d'asas-escuras saciam a sede.




Olhando o mar para lá da ondulação, repleta de cristas brancas, onde os patos-negros se continuam a balancear às centenas, vemos umas aves brancas, com a cabeça amarela escuro, de corpo fusiforme e asas afiladas de pontas negras que, ora voam rápido ganhando altura, ora se lançam como torpedos para dentro de água, a não menor velocidade. Tratam-se de Alcatrazes-nortenhos, a espécie com quem já travámos contacto da parte da manhã, quando encontrámos um cadáver no areal.




A estratégia de pesca levada a cabo por estas aves constitui um espectáculo digno de demorada apreciação. Estas aves habitualmente pescam sós, voando num e noutro sentido, em busca de peixe. Contudo, quando surgem cardumes próximos da superfície, as aves começam a juntar-se podendo, decorrido algum tempo, assistir-se a dezenas de aves lançando-se, em simultâneo, em voo picado, penetrando mar dentro.




Normalmente observam-se Alcatrazes com diferentes colorações. As aves de corpo e asas brancas, com as extremidades negras correspondem a indivíduos adultos enquanto as escuras correspondem a juvenis ou imaturos.


A maré continua a subir. No esporão e no enrocamento que já deixámos para trás continua a fazer-se ouvir o ribombar das ondas. Na praia arenosa a água sobe cada vez mais.

Algo suspeito, pelo grande volume, parece estar semi-enterrado no areal da ante-praia. Passou-nos despercebido durante a manhã quando caminhávamos mais próximo da água!

Verificamos agora tratar-se de um cadáver de Tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea). Com um peso que ronda os 400 quilos é a maior das tartarugas-marinhas e encontra-se nesta altura do ano a criar em praias tropicais.



Este exemplar, com a carapaça já muito deteriorada, parece ter sido aprisionado em redes de pesca e morrido por afogamento, tendo o seu corpo sido arrastado até aqui por correntes marinhas.


O mar não pára de subir na praia. E com ele chegam uma variedade de materiais, que se vão acumulando na ante-praia, enquanto outros ainda esperam a sua vez, flutuando na ondulação. 



A tarde vai a mais de meia. 

A atmosfera saturada de água acinzenta ainda mais o ambiente, dado os raios de Sol sentirem dificuldade em se afirmar.


Perfeitamente integrado nesta tela está o imaturo de Moleiro-grande (Stercorarius skua), passando em voo à nossa frente e que há algum tempo atrás andava a tentar forçar os alcatrazes a largarem o peixe capturado.




Neste momento a água cobre toda a praia, não restando uma nesga de areia onde um qualquer ser possa assentar. 

Por outro lado e com uma luminosidade mais intensa a provir do mar, todas as aves marinhas começam a ser observadas de terra como silhuetas, sendo difícil uma identificação assertiva. 

Chegou, pois, a hora do regresso a casa!




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