segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Um dia de Inverno nos campos e baldios

O ar frio matinal que corre livremente pela marisma, sobeja para cobrir, a seu bel-prazer, a imensidão de campos agricultáveis que rodeiam a mesma. Este é o período do ano em que nestes espaços humanizados se procede às sementeiras de cereais, favas, ervilhas, couves, cebolas, bróculos, cenouras,..... É verdade, estes solos nem com o frio perdem o seu potencial produtivo, quer para o homem, quer para a fauna selvagem que neles vive.

              


Logo bem cedo, os pombos-domésticos (Columba livia domesticus), outrora fugidos dos seus cativeiros, e que por aqui se reproduzem e vivem em liberdade, ainda se encontram pousados nos altos ramos do arvoredo, como que, saboreando os últimos momentos de repouso, proporcionados pela noite que já abalou.



À medida que os minutos vão decorrendo, os mais despertos, começam a lançar-se no espaço, cumprindo o seu primeiro volteio do dia. Não demorará muito para os restantes engrossarem o bando.



Feito este aquecimento matinal muitos outros se seguirão, com as aves a descerem frequentemente ao solo para procurarem os grãos e sementes que estão na base da sua dieta.


A fronteira entre os prados húmidos da marisma e estes campos agricultáveis é, em variadíssimos locais, muito ténue, pelo que é frequente as mesmas espécies selvagens ocuparem ambos os territórios. A maior diferença verificar-se-á no que respeita à abundância das espécies em cada um destes dois habitats.

Entre as espécies que se encontram nesta situação contam-se os buliçosos estorninhos, que acabam de sobrevoar o campo à nossa frente ...



... antes de se lançarem ao solo, onde irão permanecer, camuflados, por entre as verdes ervas. Quer o residente Estorninho-preto (Sturnus unicolor) quer o invernante Estorninho-malhado (Sturnus vulgarisapresentam hábitos sociais e alimentares semelhantes, pelo que é frequente a observação de bandos mistos.



A grande sociabilidade destas aves leva-as, também, a misturarem-se no solo com aves de outras famílias.



Este absorvente cenário da vida dos estorninhos foi repentinamente quebrado por outro similar. Um grupo de Gralhas-pretas (Corvus corone) entrou, entretanto, no nosso campo visual, porque os seus grasnados roucos assim o obrigaram. Empoleiram-se durante alguns minutos nos ramos mais altos de um grande amieiro para, logo de seguida, descerem ao solo, com grande determinação, à procura de alimento. 



Bem adaptadas ao homem, não temem a aproximação às construções campestres, onde geralmente encontram sempre algo para comer.



A bordejar os campos agrícolas encontram-se diversos arbustos e árvores, de médio e grande porte, que entre outros préstimos, conferem àqueles, protecção face à acção dos fortes ventos.



Nestes habitats os insectos marcam presença ao longo do ano, independentemente do género e do estádio em que se apresentam. Entre eles, destacam-se pela sua graciosidade as Joaninhas ... e entre estas a, não tão comum, Joaninha-de duas-pintas (Adalia bipunctata).



As Joaninhas têm tanto de belo quanto de voracidade predatória sobre outros insectos, os pulgões (Ordem Homoptera). Estes últimos, por sua vez, atacam as plantas campestres, sugando-lhes a seiva, podendo originar, assim, verdadeiras pragas.

O tão necessário controlo da população de insectos só será possível mediante a acção das aves insectívoras.


Uma boa parte das árvores, por esta altura do ano, estão completamente despidas; contudo, os seus gomos, lentículas e imberbes amentilhos, bem como, a casca das suas ramagens mais finas, constituem uma atracção para diferentes espécies de aves insectívoras, que neles encontram alimento.



É por esta razão que, indo a manhã agora um pouco menos gélida, se observam à vez, duas espécies que, em pequenos grupos, percorrem a linha de árvores saltitando de ramo em ramo.

Uma delas, já é bem conhecida dos percursos feitos pela marisma. Trata-se da Felosa-comum (Phylloscopus collybita), aqui também muito frequente, dada a proliferação arbustiva existente, na qual se refugia rapidamente quando perturbada.



A outra espécie que por aqui também ocorre, frequentemente, é o Chapim-real (Parus major), com a sua libré característica, em que se destaca no bonito amarelo das suas partes inferiores, uma notável faixa vertical negra.

Esta ave, a maior da sua família, não apresenta o canto alegre e vivo da Primaveara e do Verão, mas oferece a quem a admira, os seus dotes acrobáticos, enquanto explora cada ramo por onde passa.




A juntar a estas duas espécies há uma terceira, insectívora também, muito comum nestes campos agricultáveis, e já conhecida da marisma - a Petinha-dos-prados (Anthus pratensis).



Em alguns dos campos agrícolas estão implantadas unidades pecuárias para criação de gado....



A presença destes animais nos campos, mesmo que estabulados, constitui sempre um pólo de atracção para os insectos. Por isso, a grande importância nestes espaços, de equilibradas populações de aves insectívoras.

Não sendo esguio como uma felosa, um pouco maior até do que esta, o Cartaxo-comum (Saxicola torquata) apresenta um ar bem mais rechonchudo. Contudo, quase sempre que o observamos ficamos com a sensação de que esta ave desafia permanentemente a força da gravidade! Pasme-se, ao vê-lo pousar nas extremidades mais finas das ramagens ... 




Demos, entretanto, uma olhada aos campos que ficam um pouco mais para o interior da faixa litoral...

Se os campos agricultáveis próximos da marisma reúnem várias espécies da fauna também presente nos prados lagunares, os campos mais interiores, a uma cota mais elevada, menos húmidos e rodeados sobremaneira por extensas matas de Pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e Eucalipto (Eucalyptus sp.), apresentam comunidades biológicas algo diferenciadas. 



Um dos maiores passeriformes da nossa fauna, por sinal, encantador pela sua bela e multicolor plumagem - o Gaio (Garrulus glandarius), efectua extensos e directos voos, de mata em mata, cruzando  rapidamente o campo. Omnívoro, desce ao solo, onde pouco se demora, para apanhar insectos e bagas .



Também a sua parente Pega-rabuda (Pica pica) por aqui abunda. Em grupos por vezes numerosos, espalha-se pelo campo procurando, avidamente, toda a variedade de alimentos.



As cegonhas-brancas (Ciconia ciconia) regressaram já ao seu ninho construído no ano anterior e em casal começam a assumir posturas pré-nupciais.



A manhã vai a meio e o Sol já aqueceu suficientemente o ar para fazer dissipar as neblinas das primeiras horas do dia...


No solo, escondidos por entre a erva e sem a cantoria da Primavera, debicam os Chamarizes (Serinus serinus). O amarelo riscado de negro da plumagem denuncia-os facilmente.



Um bando de Pintassilgos (Carduelis carduelis) esvoaça baixo sobre os silvados que crescem próximos de um muro. Em seguida esvoaçam para um plátano onde tentam explorar as infrutescências. A luz da manhã consegue projectar a sua bonita máscara, bem como, o padrão amarelo e preto das suas asas.



O dia vai a meio. A atmosfera sente-se húmida, contudo, muito mais aprazível. Os raios solares, já têm, agora, energia suficiente para irem secando os milhos. Quem vive no campo agradece estes dias solarengos.



Os pomares, que só na próxima estação se encherão de frutos coloridos, encontram-se para já sem graça, mas vivos, pois neles muitas formas de vida têm a sua existência. Pelos baldios pastam diferentes tipos de gado ...




Próxima destas pastagens e pousada num destacado poleiro, uma Águia-d'asa-redonda (Buteo buteoobserva em volta todo o seu território de caça. 



Mal detecta no solo algum movimento suspeito lança-se no espaço à espreita de um primeiro roedor desprevenido.




A tarde avança, com o Sol a continuar a apresentar uma grande vivacidade. 


Os solos, fartos em água, atraem numerosas Alvéolas-brancas (Motacilla alba) e Alvéolas-cinzentas (Motacilla cinerea), que neles encontram uma abundante quantidade de insectos. 




No cimo de um alpendre, um Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros ssp.aterrimus), de olhar vivo e postura erecta, abana nervosamente a cauda antes de voar para a ramagem baixa de um arbusto próximo.



A meio da tarde, o céu que cobre estes campos vai limpo, nem uma única núvem se vê, nem ao longe, tão pouco. 

De repente, este mesmo céu parece transformar-se num autêntico estádio olímpico. No ar, irromperam num voo rápido, forte e direccionado, um grande bando de pombos domésticos. Nada comparado com o tipo de voo apresentado por aqueles seus homólogos, manhã cedo.



Estes, pela velocidade que levam e pela rigorosa formação em voo, bem juntinhos, como de uma esquadrilha se tratassem, parecem ser especiais; tratam-se efectivamente de pombos de competição! Acabaram de ser soltos dos seus pombais para o volteio de manutenção, cumprindo, religiosamente, o plano de treinos que o seu dono sobre eles faz pesar diariamente.


Enquanto lá por cima, os pombos dão voltas e voltas sobre o campo onde está implantado o seu imponente pombal, no solo, nos arbustos e nas árvores, começa a fazer-se sentir o alvoroço dos Pardais-comuns (Passer domesticus) e dos Pardais-monteses (Passer montanus) recolhendo aos seus dormitórios.




Logo após os frenéticos pombos terem desaparecido do céu, com a mesma impetuosidade com que surgiram, um novo protagonista aparece no ar. Como que suspenso, batendo as asas rapidamente, dá um pequeno impulso em frente, estanca e volta a "peneirar". Trata-se do Peneireiro-de-dorso-malhado (Falco tinnunculus) em mais uma acção de caça sobre os campos ricos em roedores.




Voltemos aos campos por onde andámos da parte da manhã....


Enquanto não são visíveis os coloridos das tulipas, das campaínhas ou dos goiveiros, os campos verdejam à vontade. E é neles que encontramos a Garça-boeira (Bubulcus ibis), assim designada porque muito associada ao gado bovino em regime de pastagem livre.




A tarde declina... A hora dourada está a chegar... 




... e com ela, os seres viventes parecem querer fazer uma derradeira apresentação ao mundo que os rodeia. Como que, extasiados com a candura desta luminosidade tardia, vêm despedir-se cerimoniosamente do astro-rei, mais uma vez, neste ritual obrigatório em cada dia das suas vidas


Nas velhas ruínas de uma habitação, que no passado albergou a algazarra de numerosas famílias e lides de campo, poisa em rigoroso estatismo, um Mocho-galego (Athene noctua). Nada de anormal para esta espécie de hábitos semi-diurnos, a não ser o facto de que, nesta ocasião do dia, as suas escuras cores assumirem novas e lindíssimas tonalidades, em perfeita harmonia com toda a envolvência dourada.




De um salgueiro que se ergue junto a uma vala próxima, ouve-se o chamamento subtil de um Pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula). Alguns momentos de espera permitiram que esta bela ave saltitasse para um ramo que a deixou, então, a descoberto. 

E ei-lo! Uma verdadeira imagem de postal!



Não há dúvida. O semblante dos seres que se banham nestes últimos raios de Sol, engrandece de graciosidade...

E o fim de tarde continua a avançar rápido. 

A cegonha-branca, invariavelmente uma retardatária, está a regressar do campo para o ninho onde irá pernoitar. Reconhecemo-la, apenas, pela sua silhueta inconfundível contra o fundo dourado do entardecer, pois já é tarde demais para conseguirmos descortinar outra qualquer cor que não o negro.




A noite está a chegar muito depressa... e os próximos dias, segundo as previsões meteorológicas, trarão ventos fortes e muita chuva. 

O Inverno continua.





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